quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Flogose XXV

Num bíduo de Agosto. Primeiro duo do bíduo. É difícil começar uma coisa já antes começada. A mesma dificuldade é encontrada em terminar algo infinito. Razões existem para que tentemos começar ou terminar algo, respectivamente, começado ou sem fim (infinito)! Existem maneiras, embora com efeitos diversos, para que queiramos propor algo totalmente inovador, sem que um costumeiro desanimo nos abata. Contumaz é o desejo, encantador, de querer descobrir coisas, da qual é melhor que não saibamos. Algo começado – com referência ao dito acima – se propõe a uma restrição em repetir um começo idêntico ao que teve outrora, tendo em vista que a teoria do caos – isso hipoteticamente – falaria que teríamos um começo paralelo e não um re-começo igual – que seria ideal ao caso –, mas um totalmente diferente, tendo em vistas as novas conjunturas que englobam o fato. Assim “descobrir” este sentimento, que pelo sol é consumido e pela lua é arrebatado, far-nos-ía perdidos e logo retidos numa melancolia por ter descoberto algo que não precisaríamos desvendar, pois é mais belo acobertado. É por isso que o beijo é mais bem sentido com os olhos fechados. Tenho pra mim que, ao invés de desabrochá-lo, devamos deixá-lo (o beijo) escondido sobre o manto de nossas curiosidades, pois só assim ele se transfigurará em muitos outros e nos dará tanto a pensar, quanto a imaginar sobre sua essência aforme. Não hei de dar nome a este sentimento, pois quero que ele se converta em tantos quantos forem possíveis e úteis ao bom desenvolvimento desta inebriante e valvulada comunhão de sensações e delírios. Como as flores que nascem nas profundezas, numa condição adversa, num ambiente escuro, lamacento e aforme, tão inadequada e oposto à sua futura forma é este sentimento, cuja efígie é mais bela que o solo onde nasceu, cujo imo é mais puro que leito que o alimentou. É tudo um campo pastoril e vasto. Quanta boêmia contém os versos e as prosas que alhures são recitadas, mas ainda podem ser ouvidas na aurora campestre. Ostentar-lhe-ei, com meus olhos, o que posso ver no “infinito dentro de mim”. Ofertar-lhe-ei minhas falanges para que presencie o pomposo sentimento que me castigou – e não se trata de eufemismo, antítese ou hipérbole – quando da composição destes nefastos poemas. Na leitura – que vossos belos olhos conduzirão com magnificente e notória sapiência – sentirá o desencadear das enfermidades causadas pela queimante lava do vulcão, cuja erupção durou mais que muitos anos. O infinito está decrépito. O infinito dentro de mim é um conjugar de verbos no pretérito mais-que-perfeito, pela própria imperfeição. Ao final terás conhecimento da Confusão, do Castigo, da Cólera e da Conformação. É o infinito, um bater de asas num lugar da qual o espaço está completo por vácuo. E o tempo – nesta complexidade metafórica – é um ser que, aos gritos, tenta chamar um cego-surdo à atenção. Crônico é o padecer das idéias, como que o ciclo do padecer ou esvair humano. Porém um respirar noturno já desencadeia uma amenidade na alma. E este colapso, que só não é perceptível aos que preferem olhar para o chão, enquanto outros lhe pisam as costas, não aparenta ser tão funesto. Enquanto isso, a sacada do meu quarto é utilizada como janela para o mundo. As cambiantes [qual vejo no céu de nuvens, trovões e raios] de cinza são tão magnífica quanto as cores do arco-íris. Como que numa orquestra assaz sincronizada vejo o sol apagar-se e – numa fração milionésima de milésimos - deixar a fumaça cinza no céu com vários matizes. Antes disso há uma beleza miraculosa na fusão de cores emitidas pelo sol, céu, nuvens, raios e trovões. O alaranjado emitido pelo sol suga as cores do azul celeste – que já antes estava unida ao cinza chuva – e do argênteo produzido pelos trovões, que se ficam escondidos. E neste conluio de cores todas são muitas e ao mesmo tempo apenas uma, cuja identificação é imprópria para um cérebro, da qual as sinapses trabalham incansavelmente a mando da dopamina. Entretanto o espetáculo chega a lacrimejar os olhos de tão belo. E foi justamente neste memorável dia que me senti como Gato de Schrödinger. [Gato de Schrödinger é uma experiência mental inventada que procura ilustrar a teoria da mecânica quântica do sistema macroscópico ao subatômico. O gato é colocado numa caixa selada. Então, no interior da caixa, existe um dispositivo que contém um núcleo radioativo e um frasco de gás venenoso. Quando o núcleo decai, emite uma partícula que aciona o dispositivo, que parte o frasco e mata o gato. De acordo com a mecânica quântica, o núcleo é descrito como uma mistura de "núcleo decaído" e de "núcleo não decaído". No entanto, quando a caixa é aberta o experimentador vê só um "gato morto/núcleo decaído" ou um "núcleo não decaído/gato vivo". Contudo, como o núcleo é descrito como uma mistura de "núcleo decaído" e de "núcleo não decaído” – para física quântica – o estado do gato só poderá ser descoberto caso o observador olhe a caixa, do contrário o gato estará morto e vivo, porque o núcleo – na física quântica – será tanto decaído, quanto não decaído.]. Sei que a física quântica é complexa, contudo, isso explica a sensação das pessoas de compartilharem de dois sentimentos – inconcebíveis – ao mesmo tempo. Quando me perdi dentro das nuances, naquele céu confuso e impoluto, senti-me absorto numa abstração feérica, da qual juraria que não estive apenas no meu corpo naquele instante, mas sim perdido no universo inteiro. Assim eu seria aquele singelo gato que tem o núcleo decaído – está no céu – quanto não decaído – está na terra. Essa estranha ou gloriosa dispersão melancólica é uma droga paliativa para meus delírios, constantes e perenes, e para minhas divagações irreais. Atribuir ao céu esta viagem quimérica seria ingenuidade. No entanto, sei que a epinefrina me ajuda a sentir todos estes enleios do mundo físico e sensorial, como sentem as flores com o orvalho matutino ou os hematófagos quando sugam sangue. Sê-la-ia injusto se não comentasse sobre o preexcelso contemplar da lua em que me pus. Instintivamente fui atraído a olhar para ela. A lua tinha uma coloração prata amarelada e aparentava estar sendo puxada para perto da terra a cada TIC e a cada TAC. O diâmetro da lua grande fora maior que a metade do diâmetro da lua menor. Quão lindo foi poder admirar o romance da lua e da terra. Senti que a lua conseguiu sussurrar algo para a terra, e logo após, envergonhada, retornou ao seu posto. O brilho lunar tinha uma cor champanhe e uma cativante lembrança de faustosidade.

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