sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Flogose XXVI

Já se passa da quinta hora da madrugada e o meu refúgio celeste já vai perdendo sua negra beleza. E eu – esquecido do mundo – continuo aqui perdido sobre os papéis, pensando em como posso – querendo não incitar a ira dos deuses – mandar-te beijos, sem que estes sejam identificados. O silêncio. O vento é loquaz, já o silêncio é um túmulo. Os beijos lhe vão pelo silêncio, para que nem vós saibais deles antes que eles lhe toquem a face. Estes ósculos lhes vão silentes, contudo, carregado do mais apropriado enrubescer e do menos tímido sussurrar de boa noite aos ouvidos. Segundo duo do bíduo. Acordei. O primeiro pensamento, logo após isso, que me veio à mente – impressionante – foi de Salvador Dali. Lembrei-me de uma tela dele. Uma tela de onde saía o sol de dentro de um ovo. O sol é a gema do ovo ou, talvez, a gema fosse o sol. O surrealismo descreve bem o alvorecer. E tão bem descreve que consegue transmitir o sentimento percebido no interior do cérebro quando os raios solares tocam o globo ocular e secam as lágrimas nos olhos. Em tal sentimento a contradição se instala, uma vez que o sol não é bem-vindo. Desejo de ver o sol enegrecido é igual ao desejo de ver a luz solar convertida em minúsculas partículas que geram auroras boreais e austrais, assim os olhos tanto fecham quanto abrem para perder e assistir os eventos recorrentes. Nada mais domina o cenário, que agora é incendiado pelas luzes amarelo-alaranjado. Nem o véu de outrora se apresentara. Aquele véu fosco e catalisador de invenções, das mais às menos notáveis. Tamanha falta me faz aquele tempo, tempo de inspirações e navegações imprecisas. Tempo de infinito. E, então, inerte está apenas o cabotino, cujas pilhérias não fazem, nem a si, rir. E a folha verde ou branca que cai da mente sob forma de caducas palavras, são deslembradas, como as piadas, que, ainda que tenham sido ouvida, ninguém, absolutamente ninguém, converte este fato para memória de longo prazo. Esse sentimento causa uma reação assemelhada a hematidrose, contudo nas páginas. Elas se sangram e o sangramento corrói o produtor, às vezes, o leitor. É como viver em meio a uma súcia, sendo um ser de conduta ilibada e índole imaculada. Contudo, ainda restam os olhos e o vento. Vento este que tem sido o mais nobre, juntamente com o silêncio, dos amigos e mensageiro. Esbanjar destes deuses seria abuso. Contudo, sê-los-ei pelos favores que me prestam agradecido, por toda a vida.

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