quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

A ratoeira

Passou a semana inteira sendo atordoado por sua esposa. Ela vira um rato na cozinha. Mulheres nunca gostaram, talvez seja algo recíproco. Nunca se saberá. O homem, contudo, teria que pegar o rato, do contrário a perturbação constante e irritante não cessaria. Ele foi ao mercado e comprou uma ratoeira. Montou a ratoeira. Sentou-se em uma das cadeiras da mesa da cozinha e ficou observando os acontecimentos que seguiriam. O rato apareceu. Verificou o local. Aparentava ter medo e fome. Mais fome do que medo, isso verificou-se em função de ele seguir com o plano de capturar o queijo da ratoeira. O homem sabia da armadilha, e sabia que a vida era cheia dessas coisas. Os estelionatários sabiam bem como usar essas armadilhas com os humanos. Enquanto o rato pesquisava a melhor forma de pegar o queijo sem ser notado, o homem pensava num caso que saiu no noticiário local. Um estelionatário aplicara um golpe da qual várias pessoas haviam caído. Ele oferecia um super-emprego. As pessoas, entretanto, pagavam caro para tê-lo. A jornada de trabalho era curta, o salário era alto e não requisitavam qualificação. Era uma ratoeira e tanto. Uma vantagem que muitas pessoas queriam, e pagavam caro. O rato continuava sua pesquisa, já estava a pouco menos de trinta centímetros da ratoeira e maquinava o melhor modo de dar o bote. O homem pensava que as pessoas, assim como os ratos, dispunham de rabos e eram os tais rabos que os faziam pagar caro pelas vantagens "fáceis". Pensava mais. Por que os seres humanos são dados a tais vantagens? Buscar o caminho mais fácil é algo que muitos (ou quase todos) os homens querem. Entretanto, os caminhos fáceis - tanto para homens, quanto para ratos - podiam muito bem ser armadilhas. O rato aproximara-se mais, e estava a menos de quinze centímetros da ratoeira. Aparentemente, o prêmio é a única coisa visível nesse estágio. Difícil perceber algum tipo de armadilha, a não ser que haja algum tipo de barulho que a identifique. Sem essa o rato estará fadado a ser pego pela armadilha. Os homens não eram muito diferentes, pensava o homem. A ideia de obter vantagem fácil sempre acaba ofuscando os riscos existentes. Ninguém quer imaginar que as vantagens possam ser armadilhas, embora sejam muitas vezes. O rato também não pensa em armadilhas, só no queijo. Só vê o queijo. Vendo apenas o queijo corre até dar o bote. Quando, enfim, captura o queijo, a armadilha solta-se e prende o rabo do rato que - nesse instante - debate-se incansavelmente de forma a se soltar da armadilha em que caíra. O homem apenas vê a luta pela sobrevivência do rato, e pensa se a vantagem fácil vale o risco de ser pego em uma armadilha. Alguns homens são extorquidos, sequestrados, roubados, assassinados... tudo às custas de armadilhas à base de vantagens. O homem vê, então, que homens e ratos não são muito diferentes. Há, contudo, uma diferença. Constata o homem. Os homens são dotados de valores morais e inteligência e isso deveria fazer com que se afastassem de determinadas situações em que as vantagens são exageradamente ilusórias. Porém, a vida é cheia de armadilhas e há que se tomar cuidado para que não se tenha o rabo preso numa delas. O rato, no entanto, havia se soltado da armadilha. Seu instinto de sobrevivência e a força da ratoeira fizeram com que seu rabo fosse partido em dois. O queijo ficou para trás, mas o homem sabia que um dia o rato voltaria à ratoeira.