domingo, 27 de julho de 2008

Flogose I

27 de julho de 2008. (original do papel) Hoje a noite é coberta por um manto negro. As luzes ou pingos delas falham aos olhos, que projetam-se numa imensidão estranha e convulsante. Mais estranho que isso só as músicas atípicas que já tocam por horas e horas, sem que os espectadores as queiram tirar. Um tom selvagem toma conta do dia ou da noite. A lua sumiu, e [ao que vislumbro] nem pensa em mostrar sua face, por hora. (talvez, penso eu, que esteja magoada com as coisas do mundo, ou apenas com o mundo.) O que resta são sons de caixas batidas e trovões de sapatos colidindo com o inconspícuo solo sujo. Já não vejo o sol e nem ele me vê. Opção nossa! E, ao passo, dos tempos, as coisas continuam sem excitação. Hoje me deparei com um nada. Escrevi e li, confesso, mas não me resta nada além dessas palavras acabas e solitárias. E elas muitas vezes se perdem dentro desse mar branco e frio. A vida parece normal, tanto normal que as arvores, qual fiquei admirando, movimentaram-se tão docemente que por pouco não me ousei dançar com elas, mesmo naquela rua abarrotada de buzinas e freadas. E não que eu seja um bom dançarino, mas que a dança era convidativa. Quando fugi disso, que tentei não rotular de loucura, voltei aos meus antigos hábitos, o que observar é o mais protuberante. Observar, sim observar. Parece até um momento trágico da vida, e talvez seja, mas não vejo motivo para não observar as coisas. Voltando para a noite, ela não é agradável. Nela tudo parece imóvel e sem vida, como se um beijo, mas não daqueles que damos nas janelas molhadas suavemente pela chuva torrencial, cuja marca fica muito tempo depois dela... Um beijo daqueles que forcosamente oferecemos ao chão, sem querer, depois de ter a consciência perdida. Hoje, neste dia lamacento, poderia sentir sentimento nenhum, senão este nada, este vazio insípido, inodoro e incolor. As vezes eu gostaria que existisse um controle, daqueles do tipo que você pega e controla tudo o que quiser controlar, de modo que poderia afastar todos estes sentimentos do corpo, assim como esta falta de cor do céu ou fazer aparecer a lua no céu ou, ainda, criar uma chuva do nada... Como seria bom criar chuvas! Acordei! Não existe chuva... Existe! Mas ela se recusa em aparecer. Eu poderia implorar, invés disso espero. Esperar é um dom. É um tipo de arte que aprendemos. Uma tela branca e tinta preta. Uns riscos e outros rabiscos. Só preto e branco. Uma linha horizontal e alguns poucos círculos. Isso é a espera. E ninguém melhor que a tinta preta para ilustrar as circunstâncias. Uma tela: Um círculo preenchido, no meio da folha branca. Uma linha vertical que começa da parte inferior do círculo. Pouco abaixo do circulo, de começo na linha, do lado esquerdo, uma linha curta e reta, e outra, de igual tamanho, do lado direito. No fim da linha vertical duas linhas diagonais de igual tamanho. No fim das linhas diagonais uma linha horizontal. Bem acima do primeiro círculo outras linhas onduladas, que se completam e se fecham em si, em forma de uma elipse, deformada. Alguns riscos, sem sentido. Rabiscos finos e curtos. E uma espera. Um microcosmo. Um universo descimento. É o que há por toda a parte. E as soluções espalham-se sobre os cantos negros deste universo, soluções de nuvens, soluções de luzes que piscam argênteas. Soluções de sentimentos perdidos, perdidos como os pensamentos que se evaporam, como água em fogo bravo. Nuvens de vapor, estrelas invisíveis e sentimentos aquosos. Soturnamente a noite continua sem batimentos. Amordaçada a lua chora escondida, num lugar onde só ela se encontra, só ela se acha. Lugar este que queria eu para mim! Espero por minhas asas e invejo os pássaros raros que aparecem. Um dia eu encontro-os num céu claro, de chuva fina e sentimentos brandos. Um dia...

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