quinta-feira, 18 de outubro de 2012

A conversa

Não há nada, exceto um ser sentado (sobre nada) em frente ao que parece ser um computador. O computador, entretanto, é algo inimaginável dentro do que o homem entende de tecnologia. A tela esta suspensa no ar, e aparentemente não está conectada a nada. A tela contém códigos que o homem não consegue decifrar. Não se trata de uma língua da qual já viu ou ouviu falar. O homem se aproxima, e pergunta o que o ser está fazendo. O ser responde que está programando. O homem pergunta quem é ele, e em resposta ouve: deus. O homem fica atônito diante da situação, jamais imaginara que um dia encontraria com deus, e que deus seria um "simples" programador. O homem então pergunta para deus o que ele está programando, e deus responde que está programando a vida no universo. O que é a vida, pergunta o homem a deus, e este responde que a vida é um código que ele criou para dar sentido ao código tempo e ao espaço. Questiona então o que ele - um código - estaria fazendo ali diante do programador.

Deus responde que dará a ele o direito de programar, uma única vez e por exatas vinte e quatro horas terrestres. Deus explica, porém, que o código é complexo e que - assim como qualquer código de programação - este também é falho, e que programar sobre uma coisa pode gerar repercussão em muitas outras coisas, assim como criar um bug que culminará em desastres.

O homem senta-se no vazio e pensa nos valores humanos, no mesmo instante a tela abre em um campo em que os códigos dos valores humanos aparecem. O homem pensa num único valor. Pensa na bondade. E então o código inteiro é alterado e todas as pessoas se tornam boas. Entretanto, como era de se esperar, a bondade de uns é maior que de outros e então, automaticamente, o código cria a vaidade, a inveja e a ganância. As pessoas continuam sendo boas, entretanto algumas se aproveitam da excessiva bondade alheia. As pessoas praticam bondade umas com as outras, mas como não é possível ser bom para com todos, alguns se acham injustiçados. Então a cobiça aparece no código, e por fim a maldade. O homem não sabe o que fazer e reformula o código. Pensa então numa outra única virtude, a justiça. Determina que todos os seres humanos sejam justos um para com os outros. As pessoas se tornam justas umas com as outras, entretanto aparecem no código, milhares de códigos, entre eles a exploração de humanos por humanos. Os seres humanos começam a matar uns aos outros, e então aparecem no código as guerras.

O homem desiste, levanta-se e pergunta para deus por que os códigos sempre se alteram. Deus responde ao homem que programar a vida é uma tarefa complicada, e que ainda que os seres sejam contemplados apenas com virtudes, eles questionarão os valores e daí nascerão códigos e mais códigos sobre a significância de cada valor. O homem pergunta então a deus se os códigos não podem ser pré-definidos e inalteráveis, deus responde que poderiam, entretanto comprometer-se-ia a evolução. Conceber-se-ia seres estáticos, e a vida estaria ameaçada.

Deus então questiona o homem sobre o significado de bondade e justiça. O homem diz para deus que – não sabe ao certo – mas pensa que bondade é a qualidade de quem faz o bem, de quem pensa em si e nos outros. Tratar o outro como gostaria de ser tratado. Justiça seria não exigir mais do que tem direito, e não cobrar menos do que tem direito.

Deus, contudo, questiona o senso de justiça e bondade da qual aquele homem – de poucos conhecimentos – tem, e pergunta se matar outra pessoa é fazer o bem ou é justo. O homem diz que, em determinados casos, sim. Deus então diz que a bondade não pode ser um conceito estático, e que tornar as pessoas simplesmente boas ou justas faria com que elas tivessem atitudes aleatórias dependendo da situação. O homem concorda, mas não entende muito bem.

O homem questiona deus, então, se eles, os seres do universo, são parte de um tipo de jogo de computador. Deus responde que é mais ou menos isso, a diferença é que o programa estará sempre inacabado e que os jogadores são parte da programação, mas que é complicado demais para explicar.

O homem questiona deus se ele é parte do código, deus desconversa e diz essa conversa ficará para outra oportunidade. Antes de ir embora o homem – meio encabulado – pergunta para deus se ele não poderia mexer no código dele e deixá-lo mais bonito e inteligente. Deus apenas ri. Depois disso o homem ouve:

- Acorda, meu jovem, que já chegamos ao ponto final!

Um comentário:

  1. Digno de aplausos e de passar o dia com caraminholas na cabeça.

    Caraminholas boas, entenda. Entretanto muito complexas, como o programador e o programa; e como torná-lo perfeito.

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