domingo, 24 de agosto de 2008

Flogose XXVIII

A fim de não quebrar o simplório regozijar noturno, aonde os passos marcam o solo, já enegrecido pela vermelhidão celeste, continuo das vossas as minhas ofuscadas palavras. E na imensidão do lusco-fusco, que brilha na imaginação, jovial e terna, sob o escárnio do alaranjamento que propaga pela retina e toca, em ondas macilentas, o pudor virginal, onde se escondem as valquírias, acompanhadas do fulgaz fugaz perdimento da consciência. Neste estágio é que o metabolismo léxico e literário urge forte e venturoso. É onde as falanges encontram o plástico. Onde sente-se a união cadavérica do sepulcro ao corpo mádido. É onde os laços tomam forma, e as formas tornam-se rimas ou edificações prosaicas. E para que tenhas tu perspectivas deste nobre soar da relva pura que, neste instante, se exalta e sublima com o tanger do vosso vento, ou sopro gélido e ardente, de beleza e música, sinto o suspiro deste cinzento e tibíoso céu, e lhe transfiro sob forma de intactáveis colóquios, tristes e solitários. No entanto, quanto mais profundo é o céu fumaça, nos seus recôncavos é possível sentir o tango tilintar nas transpirações naturais. Tango este que sabe tão bem as verdes folhas tristemente dançar. Soubera os enleios metafísicos, que a natureza é brilhante e supremamente cultuável. Suas abstrações caóticas precedem uma elaborada e magnífica adoração aos ritos que justapostos aos desejos infames dos olhos famintos por beleza rara e surrealista compõe uma sinfonia naturalística e embriagadora. Assim é o vento a nota mais aguda do acorde perfeito criado pelo lúbrico pirobetume, pelas pétalas escarlates e pelo lume venturoso. Queixosa a retina se perde e perde-se profusamente na inconstância da imaturidade das conjunturas naturais, pois quão mais natural é o desejo com maior eficácia ele sucumbe. Todavia o vento-ventania ainda sopra sob a verde árvore que a luz solar permeia, e o desejo de vê-lo balouçar e roçagar as saudosas células verdes que caídas e inertes se ficam no negrume solo, se esvai com a música produzida pela harmônica e variável tangência dos deuses mitológicos Éolo e Gaia. Estagnado está este corpo frente ao espetáculo, que não dura mais de um segundo, nem menos que um milênio. Os olhos enfermos prestigiam a cólera da natureza que insere na alma - dos que podem observar tais peculiaridades -, uma venturosa desventura de estranhas sensações. E o papel ainda, depois de horas a fio, bebe às letras, como se elas fossem o líquido dos deuses. E já nas descomposturas da união, o tempo se perde nos dedos, cuja sujeira da tinta e dormência do frio, não o fazem render-se. Exaurida a tinta sobram os pincéis e os dedos, que mecanicamente não suportam a dor de uma separação, e embora não possa descrever a singularidade das formas únicas e inigualáveis criadas pelos compassos harmoniosos d'uma dança universal, prefere permanecer a esquecer o episódio, como tantos sem esperança. Resta, tão só, o olente asfalto-"pista" que palco é para a valsa da chama transparente que a tudo, com seu gélido sopro, revive. Tão inevitável quanto a dor é o auspicioso pensamento da reclusão da beleza aos seus recantos recônditos. E lá é onde tudo que ausenta se transforma em angústia e ternura. Lá onde o distante é precioso e confortável, onde o retrato dos sorrisos se abastece de luz. Onde a beleza é olvidada. Restam ainda alguns poucos passos, humildes e tímidos, a serem dançados. O sussurrar do planeta, à essa altura, pode ser ouvido, se prestardes atenção. Alvorece. E o que foi trevas, silêncio e amenidade, se perdeu no primeiro feixe luminoso. É impossível não querer desprezar este descompassado adágio. Que de barulhos caóticos é digno dos mais nobres ruminantes, ou talvez nem deles. Nobre, quiçá, seja este diviso tempo entre o portento e o insuportável. Entretanto, o nobre não é apenas aquele qual faz nobreza, nem, contudo, é o belo aquele qual faz beleza, de modo que as conjecturas constroem e deformam, alinham e distorcem, e cabe aos olhos mais polidos enxergarem através das pedras. Assim como o outono regressará, a esperança adormecerá, mas com premente intenção de acordar-se forrada por flores a desabrochar e pétalas a cair. Como o outono, regressará também o vento boêmio. E preencherá de ósculo as faces desmemoriadas dos que se perderam estagnados quando esperavam lembrarem-se do motivo pela qual ainda permaneciam ali olhando pela janela da vida as folhas caírem, numa triste tarde, fria de inverno, sem que tivessem propósito verdadeiro de dali saírem. Juntamente com o café, saboreei o vento, como jamais fiz antes. Embriagado com o café e entorpecido com o mundo, traduzi meus arroubos à ti, como fazem as plantas na fotossíntese. Se o vento há de ser tão mágico, então que se faça valer a verdade imponente do universo sobre os seres, assim como nas mentes decapitadas pelo instinto vulgar, que sejam elas ensopadas pelas rispidezes das evoluções físico-naturais e que o universo seja paralelo para todos os que permanecem de olhos cegos à torpidez e que seja belo o luar enquanto não somos acometidos pelo infame sono. Já se fez tarde e tudo parece não passar de uma quimérica viagem ao centro da consciência ou da memória. Onde tudo é claro, depois escuro. Agora cinza depois laranja-vermelho. Assim será o resto do dia. Um frio cauteloso e confortante que ainda acolhe as mãos. E sob as influências pungentes e caudalosos pensamentos tudo quanto foi robusto agora é breve e sutil. E nas mãos restam apenas resquícios de tinta velha e enferrujada. Lágrimas azuis em páginas brancas e contíguas lembranças de letras já perdidas. E como se veneno fosse, as palavras entram na mente e dilaceram o fluxo neural. Há bloqueios e infinitudes de cores e imagens agora, não só o pudor transparente carregado pelo mar invisível que, com suas ondas, carrega as verdes folhas do negro asfalto. E ali em meios às flores dança o deus. Deus gentil e gracioso que com sua seta roda a terra sentado sobre as correntes invisíveis e desconcertantes do universo. Sinto-o suspirar a mim. Sinto-o debochar de minhas lamúrias e tibiosidade. O opíparo sentimento floresce e na alma desabrocha com apenas uma gota vermelha e tênue que, como filete, escorre na face. - Me trouxeste - óh detentor da seta passional -, à presença uma Valquíria? - Deves, em sua nefasta glória, qual carregava Lord byron em suas alças e Don Juan em tuas costas, subjugar meus préstimos e meus anseios, sob circunstâncias tão desvirtuadas? - Como me atrevo a conjugar uma palavra à este ser, que qual às estrelas brilha intensamente e qual ao oceano é profundo e singelo e qual um anjo é cruelmente belo? Como? -Tanto aproximas e tanto foges. Quanta inconstância me abate, me afaga e me afoga. Sou assolado pelas insípidas auroras solitárias e consolado pelas brumadas encostas da mente esquecida na janela vazia que dá para rua fria e ignóbil do sertão dos pensamentos. E nela ainda posso sentir o vento boêmio. Sempre haveríeis o que dizer após lançarmos correspondências. Contudo, não há mais tempo, tampouco pensamento para terminar este discurso ineloqüente e conspurcado pelas menos belas interações léxicas. Resta o vento e a ventura. O café e o vinho. As palavras e a leitura. No fim, apenas nós e os pensamentos em palavras. E outra vez o vento... Gélido vento. E eu o peço: - Oh! Vento prazeroso e gentil carregue em teu colo meus sussurros de gratidão. Leve contigo minhas cantigas de solidão a esta dama que tanto ouve e tanto colhe de meus pensamentos. - Diga-lha, oh! Vento, que o dia finda, mas a noite, calma e serena, já apresenta sua face para dar-me as mãos e comigo acompanhar todo o erudito som emitido pelo silêncio desta pseudo-celulose. E quanto às mãos elas trabalham incansavelmente na confecção de pensamentos, palavras, conexões, junções e verbos, no entanto, ainda não produziram flores olentes, quais possam ser lidas. Criaram elas flores olentes crescidas na sombra, cuja beleza ainda não é própria para a luz. Porém, flores frutíferas... que germinam e fornecem pólen às outras flores. Regá-las-ei com sofreguidão e desvelo, certo de que logo estarão prontas para observação. E neste interstício de espaços e caracteres os pensamentos voam e voam junto com as palavras que agora lhe ofereço, em algumas páginas, que logo, em breve, serão perdidas no mundo. E assim como todo o resto, voou junto minhas horas, que já passam de muitas, e ainda não tenho pretensão findar o trabalho, entretanto, acredito que seja esta a hora exata para me desvencilhar deste escrito, sob pena de cometer um erro insanável. O erro de começar outro capitulo dentro deste. Enfim... É hora de um ponto final.

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