sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Ad argumentandum tantum

- Eu não fiz isso!
- O que não foi feito?
- Eu, simplesmente, não fiz isso!
- Sim, mas o quê?
- Não queria saber o que eu não fiz.
- Sem saber fica difícil.
- Mas eu não fiz!
- Sei, e o que você não fez?
- O que eu não fiz!
- Não compreendo!
- Eu também não, mas eu não fiz isso!

terça-feira, 28 de agosto de 2012

Aláfia

Quero descansar. Rever as metas e plantar novos cenários, mesmo que eles sejam queimados com compaixão depois de um tempo. Quero o tempo, e fazer as horas voltarem casa a casa. Fazer uma casa na árvore só para não deixar os planos serem sepultados. Deixar as flores murcharem em homenagem às lúdicas paixões fenecidas. Recriar o sol, e queimar os prazeres adultos com o calor da infância. Recomeçar a vida num jogo de dados. Repetir os números, e esquecer a burocracia de se viver em jaulas. Pintar a eternidade com claves de sol. Permitir-se errar, e tropeçar nas poças d'água formadas pela chuva de inocência. Reviver o céu castanho de tudo que não é, e ser o astro reluzente que não é ouro.

sábado, 25 de agosto de 2012

O muro

Estamos cegos? Talvez a percepção esteja cega. A cantiga de ninar já não funciona aos afetos dessa nossa estrutura de beleza social que se tem criado, embora a beleza não exista. Há tudo e tudo é estratagema ilusório. Desencanto. Hei desencantar-me da cor do horizonte? Conheço o fio do horizonte e o teço em tranças de mil cachos... não ilusão! Estou cego, e minha capacidade de enxergar é nascente do solo gentil da doçura, dos ternos campos de florais, das pétalas de mim. Não da visão. Enxergar o abismo é cegar-se do céu. Cego. Estou cego, e a única coisa que posso enxergar é minha cegueira cantar, cantar, cantar.

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Absens non dicitur reversurus

Quem seria eu? Quem serei vós? Quem vós seremos? Quão absurda é a matéria. E ignoramos-a, às vezes, por meros caprichos humanos. Ó humanos. Humanos, humanos... Por que pecastes? Que pecado é o vosso? -mas o que é pecado, enfim- Quem dera eu saber das coisas ínfimas. A vida sempre me é um espetáculo, e geralmente eu não faço parte dele. É tão absurda a ideia de querer imaginar algo além do que há? Querer encontrar um mar morto vivo em outro canto do universo? Seria legal (não seria) manda um SMS para alguém que está a 100 anos-luz da terra. Quanta luz, quantos anos, quantas terras... Peque, ó inútil humano, mas em prol dos sorrisos e dos abraços, e apenas para esse fim. E que o absurdo se torne cotidiano, e que os beijos sejam corriqueiros, e as paixões sejam um plus... viva a vida - pobre humano - a vida que te seduz!

terça-feira, 21 de agosto de 2012

O tempo em partes

As pétalas do tempo caem sobre meu oceano, e as minhas ondas as levam. Tempo que tem cheiro de tempestade, qual minha idade? Tempo que tem cor de ilusão, qual minha paixão? Separa-te, tempo, em mim. Deixe que eu viva intensamente em teus púrpuros jardins!

domingo, 19 de agosto de 2012

Prazeres Verdadeiros - Parte II

A campainha soa. Ela ainda fuma seu cigarro na sacada, desta vez de toalha. Perdeu a hora observando um casal que brincava com jogos de sedução num canto qualquer da rua. A campainha soa novamente, e ela se prepara rapidamente para atender a porta.

Ao abrir a porta ela percebeu que se tratava de um homem branco entre 45 e 50 anos. Notou um ser vistoso, embora o tempo tivesse desgastado parte dessa beleza. Viam-se no rosto olhos de cor forte e sedutora. Os lábios rosados eram circundados por uma barba mal feita, mas que demonstravam certo cuidado. Trajada uma calça jeans, uma camisa pólo e sapato sujos pela poeira alaranjada das estradas de terra do interior da cidade. Ao ver aquele homem ela, de uma maneira sutil, sentiu algo estranho. Uma conexão. Algo que só sentira poucas vezes, normalmente quando estava desesperada por afeto. Não era o caso.

- Olá. Foi o que o homem disse, no mesmo instante em que ela acenou para que ele entrasse. Ela o notou lamber os lábios, enquanto a olhava de cima a baixo. Ela o pegou pela mão e foi com ele para a cama, mas sentia-se – estranhamente – receosa. Agiu moderadamente, ao contrário do que fazia de costume. Gostava de agir rápido para não perder o entusiasmo. Com esse homem, porém, ela não entendeu por que não estava conseguindo agir.

Ele se deitou na cama, e ela delicadamente começou a tirar-lhe o calçado. Uma lembrança de sua infância invadiu sua alma. Fizera isso no passado, mas não deu atenção. Continuou com o trabalho, e tentou agir – de forma quase desengonçada – sensualmente. Deitou-se sobre o homem, e beijou-lhe os róseos lábios. Novamente a sensação de proximidade invadiu seu corpo. Ela continuou, e ele, absorvido pelo ímpeto de prazer, segurou-a pelos cabelos e, aparentemente, tentava sugar dos lábios dela o prazer que ela vendia.

Eles rolavam pela cama. As mãos invadiam cada vez mais as lacunas do prazer. Ele se irrompia em gemidos, e ela tentava absorver algo do prazer que visivelmente proporcionava ao homem. Ele beijava-lha o corpo, e ela caminhava entre sensações que não podia explicar ou jamais havia sentido enquanto profissional.

O perfume que o homem usava lembrava-lhe alguém de quem ela não tinha lembranças. Ela conhecia o cheiro, mas não sabia de quem era. Ou, talvez, as lembranças estavam perdidas em algum lugar da sua consciência.

Ela fechava os olhos e um turbilhão de sensações e pensamentos invadiam sua mente. Ela não se permitia entender o que estava acontecendo, sequer. O homem continuava em sua busca sagaz pelo prazer. Deixou-a apenas de calcinha, e alimentava-se – tal qual uma criança – de um prazer líquido concebido através dos delicados seios dela. Ela abriu os olhos e o notou fazer expressões de completa introspecção, enquanto devorava algo que podia – muito bem para ele – ser comparado a um manjar dos deuses.

A cada novo segundo que passava, ela sentia sua conexão com o homem aumentar. Não era prazer, ou talvez não apenas isso.

Ele retirou a calcinha dela, e delicadamente começou a beijar-lhe os pés. Sentiu ela um formigamento, mas nada disse. Ele continuou. Beijou-a delicadamente até atingir-lha o sexo. Ela concentrava-se, mas sentia algo entre prazer, euforia e desconforto.

Estranhamente começou ela a ter pensamentos de seu pai. Lembranças de quando era ainda uma menina de apenas 04 anos, e foi abandonada juntamente com sua mãe para viver no extremo da miséria, sem, sequer, um lugar para morar. Lembrou-se que ele não era um pai atencioso, e que ele constantemente sumia por dias.

Abriu os olhos e tentou se concentrar em seu trabalho. Puxou a cabeça do homem e beijou-lhe os lábios ansiedade. Os pensamentos voltaram novamente. Em sua mente viam lembranças de que não sabia muito do seu pai, e tudo o que sabia sua mãe que lhe havia dito. Normalmente coisas terríveis, coisas que os ímpares dizem um do outro.

Tentou se concentrar novamente. Queria encerrar logo aquele turno. Não sabia quanto tempo havia passado, e tinha outros compromissos depois daquele. O homem continuava efusivo. Não fazia questão de dominar o prazer que sentia, ao contrário queria compartilhá-lo com a dama. Fazia questão de colocá-la em sua sintonia.

Pensamentos invadiam sua mente novamente. Dessa vez ela tentou lembrar por que sentia rancor por seu pai. Não se tratava apenas no abandono ou das coisas que sua mãe lhe havia dito, mas de que sua vida só era aquela por que ele a tornara assim. Ele rejeitou sua família, ela a rejeitou.

Começou a sentir-se deprimida com os pensamentos, e quanto mais tentava se afastar deles mais eles pareciam chover em sua mente. Tentou apenas não notá-los, a fim de que pudesse finalizar o trabalho.

Ela, neste momento, já empunhava o sexo dele em uma das mãos, e com extrema perícia o fazia tremer de prazer. Ele continuava de olhos fechados, ou talvez tivesse abdicado da visão para aumentar as sensações que pareciam aumentar em proporções geométricas.

Preparou-se ela para o ato final. Delicadamente retirou cada peça de roupa dele. Beijou-o os lábios, e começou a tecer as notas de sua grande e partitura. Cada toque era agora pensado. Os beijos delicados o faziam tremer ainda mais. Ela usava a euforia dele para estimulá-lo ainda mais. Ao chegar ao umbigo parou e deixou que seus seios tocassem o sexo dele. Algo delicado, e talvez algoz. Os estímulos que aquela posição causava eram percebidos pelo comportamento do homem que gemia, tremia e mais pedia.

Ela fechou os olhos, e sibilou a primeira nota do trecho final do ato. Eram arpejos. Notas subindo e descendo. Ela traduzia sua opera naquele ato carnal. Mantinha os olhos fechados para concentrar-se ao máximo. Ao sentir que o ato acabaria resolveu diminuir o tempo e abriu os olhos e afastou-se devagar. Nesse momento notou uma tatuagem, uma pequena tatuagem em grego, que a fez sentir paralisar. Uma estranha sensação de frio percorreu todo o seu corpo. Ela sentiu vertigem e laçou-se para a lateral da cama no mesmo instante em que começou vomitar.

Ela sentou-se no chão do quarto, e abraçou as próprias pernas. Pensava que aquilo não podia ser verdade. O homem sem entender o que acontecia sentou-se à beira da cama. Perguntou a ela como se sentia. Ela nada respondeu.

Tentava ela reorganizar sua mente. Compreender o que estava acontecendo. Talvez fosse uma coincidência, uma triste coincidência. Ela se levantou foi até o banheiro e de lá perguntou como era o nome do homem. Ele prontamente respondeu: - Agabo.

Silenciosamente começou a chorar. O ódio invadiu seu corpo e sua alma. Preparando-se para sair do banheiro ela disse: - Sabe como me chamo? - Não. - Abadir dos Reis. O homem nada disse.

Ao sair do banheiro ela disse: - Sentiu minha falta, papai? E desferiu seis tirou no peito do homem, que morreu instantaneamente.

Ela voltou ao banheiro, tomou um longo banho. De lá saiu já com a toalha e foi diretamente para a varanda fumar um cigarro. Voltou para o quarto escolheu uma bela roupa. Acendeu outro cigarro, rezou uma ave-maria, jurou que não seria mais puta. Sumiu no mundo não mais se sentindo aquela menina rejeitada, mas antes disso deu uma tragada no cigarro e jogou-o sobre a cama.