sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

O acidente

O jornal do meio-dia noticiava: "Jovem morre em acidente na rodovia...". Segundo a notícia o motorista dirigia fora do limite de velocidade permitida para o trecho, e teria perdido o controle do veículo e capotado várias vezes. Morreu no local. Nem o cinto de segurança, nem o Airbag salvaram a vida do jovem. A notícia ainda contava que no local do acidente reuniram-se muitos curiosos, entre eles um chorava muito. Aparentemente, ver aquele homem, cuja cabeça estava desfigurada, causou-lhe muita consternação. O repórter entrevistou um dos peritos que se encontrava no local e este ressaltou que a causa da morte seria múltiplas fraturas. O perito ainda disse que não havia sinais de racha ou assassinato.

Longe da cena do acidente um homem andava atormentado. O jovem morto, sua cabeça desfigurada, o carro destruído... toda aquela cena que ele vira com os próprios olhos agora o atormentavam. Ele, homem religioso e temente a Deus, rezava para que aquela tormenta passasse. Não passava. Um mês após o acidente ainda tinha sonhos com aquela cena horrenda.

O homem visitou o jovem no cemitério. Rezou pela alma do jovem, e até fez promessa. Nada funcionou. Os dias se passavam e o homem continuava a ter sonhos cada vez mais terríveis com o jovem desfigurado. Na maioria das vezes ele sonhava com o acidente, e com o jovem levantando no carro e falando algo que não entendia.

Já haviam se passados longos três meses e os sonhos ainda não tinham parado. O homem já não sabia mais o que fazer. Já tinha acendido mais de duas mil velas para a alma do jovem, crendo que fosse ela quem o atormentava.

Com os sonhos cada vez mais reais, ele passou a ter medo de dormir. Tinha insônias terríveis e passava dias sem pregar os olhos. Era um caco em pessoa. Estava desatento, trabalhava pouco e passava o dia ocupando a mente, porém era só pregar os olhos por um segundo que os sonhos apareciam e o atemorizavam.

Após seis meses do acidente, o homem alucinava. Conversava com quem não existia, falava sobre uma suposta perseguição. Ninguém entendia. A única coisa recorrente na vida daquele homem, era o fato de os sonhos persegui-lo. Era um humilde e solitário borracheiro. Por que diabos tinha que ser tão atormentado?

Exatamente um ano após o acidente outra tragédia era narrada pelo âncora do jornal local. No mesmo local do acidente anterior, um homem havia sido atropelado. O repórter contou que o socorro chegou tarde, e que o homem não sobreviveu. O repórter contou ainda que os policiais encontraram uma carta com o homem, e que tal carta indicava um provável suicídio.

O repórter contou que o homem narrou na carta que estava sendo atormentado por sonhos terríveis e que estaria sendo perseguido pelo espírito do jovem desfigurado do acidente de um ano antes. Relatou que viver tornara-se impossível. Contou que fizera tudo para conseguir viver em paz, entretanto, não obtivera êxito. Por fim, relatou que matara o jovem desfigurado. Acidentalmente, mas tinha matado. A carta continha tinta borrada, marcas que demonstravam que o homem a tinha escrito sob choro. Numa das passagens, o homem relatou que cerca de duas horas antes do acidente do jovem desfigurado, ele próprio teria jogado vários pregos na rodovia. Que viu o acidente, e sabia que o tinha ocasionado acidentalmente. Concluiu a carta dizendo que: "após um ano do acidente do jovem, compreendi que só a morte paga a morte."

sábado, 5 de janeiro de 2013

João e Maria

Numa noite estranha de carnaval, João bebe além da conta. Embriagou-se completamente. Estivera tão embriagado que mal saberia soletrar seu próprio nome. A noite desenrola-se pra ele em flash. Acorda no dia seguinte – numa ressaca infernal – e vê-se deitado numa cama ao lado de uma mulher que desconhece. A mulher está amarrada à cama, e ele não se lembra dela. Ele percebe que a mulher está dormindo e decide ir embora, sem se fazer notar. 

Após o carnaval por um infortúnio da vida, reencontra a tal mulher e, no mesmo instante, reconhece-a. Tenta evitá-la, mas ela vai ao seu encontro. A mulher apresenta-se. Chamava-se Maria. Ela diz a João que tinha sido estuprada por ele e que se ele não se casasse com ela, o futuro dele seria mais incerto que o do ganhador da sena.

João está, então, num beco sem saída. Não se recorda de nada daquela noite, exceto o fato de ter realmente acordado ao lado daquela mulher que agora lhe propunha algo estranhíssimo. Ele tenta descobrir os motivos da mulher. Ela apenas diz que não é mulher de dois homens, e dá o cheque-mate. Ou casa, ou cana. 

Três meses após o fatídico dia de porre, casam João e Maria. Desde então João é um miserável, um homem sem ambições, que vive para a mulher e para a cachaça. Maria, ao contrário, é uma mulher feliz, que contenta-se em ser casada e ter um bom marido, que a respeita. 

Passam-se os anos, e a angústia de João aumenta exponencialmente. Somam-se mais de dois anos de casamento e João só tem uma única companhia fiel, a infelicidade. O casamento era uma fraude e ele era um criminoso que estuprara a mulher com a qual se casara. A vida do miserável era um eterno conflito das desgraças que carregava. Maria era uma mulher fantástica. Uma ótima dona de casa. Um mulher de muitas virtudes, e além disso nutria por João um amor incomum, tão incomum quanto o fato de casada com seu próprio abusador. 

Pensava João que Maria, talvez, fosse doente. Como ela poderia ter feito proposta de casamento ao criminoso que a poluiu? João jamais entendeu, e jamais questionava Maria sobre o passado. 

No auge da infelicidade João resolve se matar. Depois de fazer sexo violentíssimo com sua esposa, empunha o revolver que guardava no criado e aponta-o para sua própria cabeça. Maria desespera-se ao ver João diante da morte, e – num átimo de arrependimento - conta para João que a nunca existiu estupro. Conta que inventara a história para João consentisse em se casar com ela. 

Maria conta todo o enredo da noite de carnaval para João. Declara-se para ele, dizendo que ele é e sempre será o único amor da vida dela. E que se ele se matar, a matará. João então aponta o revolver para Maria, que não o teme. Maria ainda diz que se pudesse escolher, desejaria morrer pelas mãos de seu único e grande amor. João desfere um safanão na cara de Maria, que cai sobre a cama do casal. Maria se levanta e abraça João. 

João diz barbaridades a Maria, que só consegue chorar. João empurra Maria e desfere-lhe outro safanão na cara. Esta caí novamente sobre a cama. João então se senta na cama, e fica em silêncio, enquanto Maria chora. Após longos minutos, João puxa Maria para os seus braços, e diz que ela arruinou sua vida. Diz, entretanto, que apesar de tudo aquela era a maior prova de amor que alguém poderia dar a outra pessoa e que aquele amor só poderia ser o mais puro amor já concebido. João, então, beija Maria longamente, e eles então fazem amor pela primeira vez depois de muitos anos de casados. Só então foram realmente felizes como um verdadeiro e apaixonado casal.