domingo, 6 de outubro de 2013

Traição

Bento recebe uma ligação. Escobar, Emília e Ezequiel estão mortos. Com espanto Bento busca informações do ocorrido, e lhe falam das suspeitas de traição e suicídio de Escobar. O comentário era que Emília estava de caso com Ezequiel, seu primeiro amor e que Escobar pegou-os no ato e os matou.

Uma semana antes Escobar aguardava com uma expressão indizível à porta da casa de Bento. Logo que o amigo aparece à porta, encosta-o contra a parede e diz: - Minha mulher me trai. Bento, sem pensar, diz que é loucura de Escobar, mas o outro é taxativo. - Tenho minhas queixas, só preciso de uma prova para acabar com tudo. No caminho do trabalho, Escobar expõe suas aflições e Bento apenas ouve. Ao fim do expediente, Escobar encontra Bento e expõe seu plano. - Se se confirmar eu mato.

Nos dias que se passam Bento ouve as queixas do amigo, e sempre lhe fala: - é ideia tua. Escobar, entretanto, está transtornado, e tornou-se outra pessoa, consumido pela ideia de que Emília o possa estar traindo.

Escobar conta a Bento que contratou um detetive particular, e que dentro em breve terá provas da traição da esposa. Bento apenas diz que não acredita no caso. O detetive instala escutas telefônicas na casa de Escobar e descobre que Emília vai se encontrar com um homem, da qual não  conseguiu identificar.

É sábado, Bento faz duas ligações. Escobar está irreconhecível, mas mantém seu plano. Às três da tarde Emília diz que precisa ir ao mercado, que volta dentro de poucas horas. Escobar soa frio, vai até seu guarda-roupas, pega um revolver e sai.

Às três horas, Escobar está no endereço fornecido pelo detetive, aguardando Emília. Às três e cinco horas, Emília chega, toca a campainha e entra. Escobar aguarda inquieto no carro por dez minutos, e então vai até a porta do imóvel. A porta está aberta. Escobar entra, e se dirige, com o revolver à mão, ao quarto. Abre lentamente a porta do quarto flagra Emília deitada e Ezequiel sobre ela. Ouve-se três tiros.

Bento recebe uma ligação. Escobar matou Emília e Ezequiel, depois se matou. Bento, após desligar o telefone, solta uma gargalhada. O plano funcionou, deitado ele relembra do telefonema que deu a Emília e a Ezequiel. Emília o rejeitara como marido, e escolheu Escobar, ambos pagaram o preço.

terça-feira, 2 de julho de 2013

Descaindo

O dia descaiu, e o sol poente sequer subiu. Ficou ali no horizonte olhando como quem olha o infinito. A noite descaiu, e a lua crescente sucumbiu. Empreteceu o céu, e iludiu quem se ilusionava. A vida descaiu, e servil. Apequenou-se no céu sem sol de nuvens descaídas. A paixão descaiu, e aos insanos sanou senil. O amor descaiu, e no seu descaimento - profundo, insano, ardil - o mundo sumiu.

domingo, 10 de março de 2013

O simulador

Em 2059 os vídeos-games são escassos, e perderam muito espaço para o computador quântico e a internet por satélite. Os jogos simuladores são o que há de mais tecnológicos. A imagem HD já não existe. Agora é usado um simulador de realidade, em que o jogador é imerso no jogo. Os jogos de guerra são cada vez mais comuns, e simulam com muita fidelidade os "battlefields".

Todos os jogos estão conectados na grande rede de internet. No final do ano de 2058, uma empresa, até então desconhecida, lança gratuitamente o jogo "War Generation". Com pouco menos de um mês já existiam mais de cinco milhões de pessoas conectadas ao jogo. A simulação era tão fiel que os jogadores poderiam jurar que estavam matando pessoas verdadeiras.

No "War Generation" os jogadores comandavam as "Destroyers" máquinas cibernéticas construídas para evitar que pessoas fossem para os "BattleFields". Os mapas do jogo simulavam territórios reais de vários países.

Viciante e perturbador, o jogo, no fim do ano de 2059, atingiu mais de sete milhões de jogadores. Ocorreu, contudo, que por uma suposta falha no servidor central do jogo, só poderiam entrar novos jogadores quando outros fossem destruídos.

Num paralelo, no mesmo ano, as guerras por água potável, minérios e petróleo estão por todos os lados do mundo. Países com alta tecnologia bélica fizeram investidas contra países menores e com pouca tecnologia bélica. Os noticiários, a maioria ligados aos seus governos, camuflavam os verdadeiros motivos das guerras. E os robôs cibernéticos eram usados para invadir e atacar os territórios. As "dívidas" da guerra eram pagas com as riquezas das nações. Eram verdadeiros golpes de estado.

"War Generation" continuava a todo vapor; Os melhores "destroyers" recebiam medalhas e promoções dentro do jogo. Alguns eram promovidos para generais, outros recebiam capacitação para controlar "destroyers" voadores, outros para "destroyers" aquáticos. O fato era que o exército "destroyer" estava cada vez mais capacitado, e cada vez melhor nas batalhas. As baixas dos "destroyers" diminuíam a cada ano. Os treinamentos eram cada vez mais frequentes. E os exércitos podiam ser deslocados de território sem prévio aviso. Os "destroyers" munidos de arma laser, e quase não ficavam sem munição, entretanto existiam os "saviors" que faziam a troca de munição dos "destroyers" sempre a munição estivesse por acabar.

A popularidade do jogo era enorme, e jogadores bem colocados no ranking do jogo faziam "live stream" e cobravam para que os usuários assistissem suas partidas.

"Killer" era o melhor jogador. O número um do ranking mundial. Ele morava em "Wealth", um país populoso e muito opulento em água, minérios e petróleo, e que ficava no oeste da Asia. A prosperidade do país foi sempre "bem vista" por muitas potências mundiais (alguns diziam que cobiçada). Acontece, porém, no início do ano de 2060 o país travou a exportação de água potável, minérios e petróleo. Isso por que seu mercado interno carecia de melhor atenção. Isso causou alvoroço em todo o mundo. A organização do comércio da terra instituiu embargos contra "Wealth", porém isso não foi suficiente para mudar o panorama. O país resguardou suas reservas para sua própria população.

Dois meses após o conflito, o império do norte noticiou que "Wealth" estava criando a bomba de nêutrons e que se o país não paralisasse a produção eles tomariam medidas drásticas. "Wealth" liberou uma nota mundial informando que as pesquisas que estavam fazendo tinham fins pacíficos e voltadas para a produção de combustão fria. Emitiu relatórios sobre as pesquisas, entretanto os relatórios jamais foram divulgados. Deu-se, então, uma nova guerra. O império do norte invadiu "Wealth". Colocou todas as suas tropas cibernéticas do ar, terra e água. "Wealth" se defendeu com seus exército de exoesqueleto.

"Killer" continuava jogando. Soubera da guerra, e resolveu não fazer parte do exercito do seu País. A guerra já ocupava vários Estados de seu país. As tropas de ambos os países tinham muitas baixas. Ele só sabia do que via os jornais de seu País divulgar. Enquanto isso, "Killer" se descobriu num território parecidíssimo com seu País. Entre um mapa e outro acabou destruindo monumentos idênticos aos existentes em seu País. Quando a guerra chegou a sua cidade, "Killler" continuou jogando. Os robôs cibernéticos do império do norte estavam em confronto com o exército de "Wealth".

Nos dias que se seguiram, o exército de "Wealth" conseguiu repelir o exército do império do norte. "Killer" que já estava ressabiado com o jogo, descobriu que tinha sido enviado para um mapa que era idêntico à sua cidade natal. Começou a jogar e destruiu algumas unidades inimigas, e para sua surpresa se deparou com um monumento que só havia em sua cidade a estátua da colina do norte. "Killer" ficou perplexo. Não queria acreditar que ele, um simplório jogador, era na verdade uma das unidades da tropa do exército do império do norte, e que aquilo que ele pensava ser um jogo era, na verdade, um programa de controle de unidades verdadeiras; Entrou num profundo conflito interno, e não sabia o que fazer. Continuar não era uma opção. "Killer" comunicou o governo e as agências de inteligência militar, e determinou que suas tropas recuassem. Numa jogada de inteligência e astúcia, informou a todos os jogadores que a forma de jogar "War Generation" havia mudado. Doravante os confrontos seriam entre os próprios jogadores, e só assim acumulariam pontos. Destruição de território e de qualquer povo estava proibido e os jogadores que insistissem seriam banidos e/ou perderiam pontos do ranking. Os jogadores começaram a se digladiar. Alguns jogadores, alcançaram alta pontuação em pouco tempo. O sistema não reconhecia o fogo amigo como falha, mas como parte do "jogo". Em pouco tempo, as tropas do império do norte estavam acabadas. Apenas algumas unidades sobraram.

Quando o império do norte se deu conta de que alguém teria descoberto que o "War Generation" não era um jogo, eles imediatamente desativaram o sistema, e sumiram com os servidores. Enquanto isso, os jornais de alguns países aliados de "Wealth" já começavam a divulgar o sistema do império e comentar a trama diabólica. A repercussão mundial não demorou. Os países aliados se unirão para atacar o império do norte, enquanto isso eles já preparam outro jogo o "fourth war". Uma nova guerra deveria começar em breve, dessa vez o império do norte seria o único alvo.

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

O acidente

O jornal do meio-dia noticiava: "Jovem morre em acidente na rodovia...". Segundo a notícia o motorista dirigia fora do limite de velocidade permitida para o trecho, e teria perdido o controle do veículo e capotado várias vezes. Morreu no local. Nem o cinto de segurança, nem o Airbag salvaram a vida do jovem. A notícia ainda contava que no local do acidente reuniram-se muitos curiosos, entre eles um chorava muito. Aparentemente, ver aquele homem, cuja cabeça estava desfigurada, causou-lhe muita consternação. O repórter entrevistou um dos peritos que se encontrava no local e este ressaltou que a causa da morte seria múltiplas fraturas. O perito ainda disse que não havia sinais de racha ou assassinato.

Longe da cena do acidente um homem andava atormentado. O jovem morto, sua cabeça desfigurada, o carro destruído... toda aquela cena que ele vira com os próprios olhos agora o atormentavam. Ele, homem religioso e temente a Deus, rezava para que aquela tormenta passasse. Não passava. Um mês após o acidente ainda tinha sonhos com aquela cena horrenda.

O homem visitou o jovem no cemitério. Rezou pela alma do jovem, e até fez promessa. Nada funcionou. Os dias se passavam e o homem continuava a ter sonhos cada vez mais terríveis com o jovem desfigurado. Na maioria das vezes ele sonhava com o acidente, e com o jovem levantando no carro e falando algo que não entendia.

Já haviam se passados longos três meses e os sonhos ainda não tinham parado. O homem já não sabia mais o que fazer. Já tinha acendido mais de duas mil velas para a alma do jovem, crendo que fosse ela quem o atormentava.

Com os sonhos cada vez mais reais, ele passou a ter medo de dormir. Tinha insônias terríveis e passava dias sem pregar os olhos. Era um caco em pessoa. Estava desatento, trabalhava pouco e passava o dia ocupando a mente, porém era só pregar os olhos por um segundo que os sonhos apareciam e o atemorizavam.

Após seis meses do acidente, o homem alucinava. Conversava com quem não existia, falava sobre uma suposta perseguição. Ninguém entendia. A única coisa recorrente na vida daquele homem, era o fato de os sonhos persegui-lo. Era um humilde e solitário borracheiro. Por que diabos tinha que ser tão atormentado?

Exatamente um ano após o acidente outra tragédia era narrada pelo âncora do jornal local. No mesmo local do acidente anterior, um homem havia sido atropelado. O repórter contou que o socorro chegou tarde, e que o homem não sobreviveu. O repórter contou ainda que os policiais encontraram uma carta com o homem, e que tal carta indicava um provável suicídio.

O repórter contou que o homem narrou na carta que estava sendo atormentado por sonhos terríveis e que estaria sendo perseguido pelo espírito do jovem desfigurado do acidente de um ano antes. Relatou que viver tornara-se impossível. Contou que fizera tudo para conseguir viver em paz, entretanto, não obtivera êxito. Por fim, relatou que matara o jovem desfigurado. Acidentalmente, mas tinha matado. A carta continha tinta borrada, marcas que demonstravam que o homem a tinha escrito sob choro. Numa das passagens, o homem relatou que cerca de duas horas antes do acidente do jovem desfigurado, ele próprio teria jogado vários pregos na rodovia. Que viu o acidente, e sabia que o tinha ocasionado acidentalmente. Concluiu a carta dizendo que: "após um ano do acidente do jovem, compreendi que só a morte paga a morte."

sábado, 5 de janeiro de 2013

João e Maria

Numa noite estranha de carnaval, João bebe além da conta. Embriagou-se completamente. Estivera tão embriagado que mal saberia soletrar seu próprio nome. A noite desenrola-se pra ele em flash. Acorda no dia seguinte – numa ressaca infernal – e vê-se deitado numa cama ao lado de uma mulher que desconhece. A mulher está amarrada à cama, e ele não se lembra dela. Ele percebe que a mulher está dormindo e decide ir embora, sem se fazer notar. 

Após o carnaval por um infortúnio da vida, reencontra a tal mulher e, no mesmo instante, reconhece-a. Tenta evitá-la, mas ela vai ao seu encontro. A mulher apresenta-se. Chamava-se Maria. Ela diz a João que tinha sido estuprada por ele e que se ele não se casasse com ela, o futuro dele seria mais incerto que o do ganhador da sena.

João está, então, num beco sem saída. Não se recorda de nada daquela noite, exceto o fato de ter realmente acordado ao lado daquela mulher que agora lhe propunha algo estranhíssimo. Ele tenta descobrir os motivos da mulher. Ela apenas diz que não é mulher de dois homens, e dá o cheque-mate. Ou casa, ou cana. 

Três meses após o fatídico dia de porre, casam João e Maria. Desde então João é um miserável, um homem sem ambições, que vive para a mulher e para a cachaça. Maria, ao contrário, é uma mulher feliz, que contenta-se em ser casada e ter um bom marido, que a respeita. 

Passam-se os anos, e a angústia de João aumenta exponencialmente. Somam-se mais de dois anos de casamento e João só tem uma única companhia fiel, a infelicidade. O casamento era uma fraude e ele era um criminoso que estuprara a mulher com a qual se casara. A vida do miserável era um eterno conflito das desgraças que carregava. Maria era uma mulher fantástica. Uma ótima dona de casa. Um mulher de muitas virtudes, e além disso nutria por João um amor incomum, tão incomum quanto o fato de casada com seu próprio abusador. 

Pensava João que Maria, talvez, fosse doente. Como ela poderia ter feito proposta de casamento ao criminoso que a poluiu? João jamais entendeu, e jamais questionava Maria sobre o passado. 

No auge da infelicidade João resolve se matar. Depois de fazer sexo violentíssimo com sua esposa, empunha o revolver que guardava no criado e aponta-o para sua própria cabeça. Maria desespera-se ao ver João diante da morte, e – num átimo de arrependimento - conta para João que a nunca existiu estupro. Conta que inventara a história para João consentisse em se casar com ela. 

Maria conta todo o enredo da noite de carnaval para João. Declara-se para ele, dizendo que ele é e sempre será o único amor da vida dela. E que se ele se matar, a matará. João então aponta o revolver para Maria, que não o teme. Maria ainda diz que se pudesse escolher, desejaria morrer pelas mãos de seu único e grande amor. João desfere um safanão na cara de Maria, que cai sobre a cama do casal. Maria se levanta e abraça João. 

João diz barbaridades a Maria, que só consegue chorar. João empurra Maria e desfere-lhe outro safanão na cara. Esta caí novamente sobre a cama. João então se senta na cama, e fica em silêncio, enquanto Maria chora. Após longos minutos, João puxa Maria para os seus braços, e diz que ela arruinou sua vida. Diz, entretanto, que apesar de tudo aquela era a maior prova de amor que alguém poderia dar a outra pessoa e que aquele amor só poderia ser o mais puro amor já concebido. João, então, beija Maria longamente, e eles então fazem amor pela primeira vez depois de muitos anos de casados. Só então foram realmente felizes como um verdadeiro e apaixonado casal.