quinta-feira, 22 de novembro de 2012

A nova era

Com os avanços tecnológicos que surgiram ele começou a esquecer pequenas coisas. Não deu nenhuma importância a isso, afinal pequenas coisas sempre serão pequenas coisas e não fazem falta a ninguém. Esqueceu, por exemplo, que gostava de frutas vermelhas e do cheiro de fazenda que tinha o zoológico local.  Isso, porém, jamais o deixou triste ou indignado. Pensava na vida como ciclos constantes e que o mundo era o que era em função de tudo o que tinha evoluído. O tempo passava e com ele mais coisas se perdiam. Já não lembrava como era conversar com amigos próximos ou como era comer um prato típico de sua cidade natal. Ele continuava não dando importância, afinal tudo parecia pequeno. Tudo tornara-se pequeno diante dos avanços tecnológicos. A vida apequenou-se. O tempo passava cada vez mais rápido. Os dias eram frações de tempo que ele não sabia medir. As pequenas coisas iam se perdendo na ligeireza, e ele não se importava com nada. Repetia para si mesmo: faço parte da evolução. Esqueceu como era ler um bom livro ou como era ouvir uma boa música. A vida passou. A tecnologia estava cada vez mais avançada. Já falava pessoalmente com quase ninguém. Não lembrava dos rostos de pessoas próximas, apenas tinha a sensação de lembrar, isso por que só lembrava de fotos. Esqueceu como era viver pessoalmente, e o que viver representava. Morreu no auge da tecnologia sem saber se era realmente ele mesmo.

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

O cheiro

Chegou em casa, cansado do dia estafante de serviços burocráticos no escritório, encontrou algumas malas próximas à porta principal da casa. Sua companheira estava sentada no sofá da sala e tinha uma expressão melancólica na face. Antes que Francisvaldo pudesse falar qualquer coisa, Amanda soltou a sentença: - Não quero conversar. Cansei-me dessa vidinha, portanto estou indo embora e ponto! Enquanto Amanda saia da casa e levava seus pertences pessoais, Francisvaldo nada falou. Estava muito abalado com aquela "repentina" atitude. Claro que houveram outras brigas, casais sempre brigam, pensava ele, mas nunca imaginou que ela iria embora. Sentou-se no sofá e tentava acalmar aquele sentimento inquietante que queimava como brasa em seu peito. Dormiu ali, solitário e triste.

Acordou no outro dia e foi trabalhar, ainda carregando um coração avassalado. Estivera tão desatento durante o dia que quase foi atropelado pela lotação que deveria tomar. No fim do dia, sem ânimo para qualquer coisa, voltou para sua casa e deixou-se cair no sofá, disperso. Não ousava usar a cama. Imaginava que o cheiro da ex-companheiro pudesse ter algum tipo de efeito ainda pior sobre sua alma esfacelada. Entretanto, deu conta de que o cheiro da mulher estava em todos os cômodos da casa. O sofá, o chão, o teto, a televisão, as xícaras, até o pano de chão e o banheiro. O odor aguçava a dor que irrompia em seu peito.

Passada uma semana da separação, Francisvaldo contratou uma mulher para dar uma geral na casa. Determinou que se usasse o produto mais forte para extrair qualquer odor que a casa tivesse, requisitou ainda que se fizesse duas limpezas consecutivas com produtos diferentes, para que o odor realmente abandonasse a casa. Ele tinha em mente que a lembrança que tinha de Amanda estava diretamente relacionada ao odor dela que sentia na casa.

Após a limpeza retornou à sua casa. Estava um brinco. Os móveis cintilavam, o piso tinha um tom de novo, as paredes pareciam recém pintadas. Era como se estivesse entrando numa casa recém construída e cujos móveis acabara de comprar. Entretanto, após passar algumas horas na casa, constatou a presença do cheiro que lhe fazia lembrar Amanda. Não sabia de onde ele vinha, mas ele estava ali. No outro dia, requisitou outra novas limpezas consecutivas, desta vez, com três produtos. Assim foi feito. Contudo, o cheiro continuava lá.

Ele pensava, então, que talvez fosse impossível extrair dali aquele odor. Passaram-se meses, e o odor continuava lá, não obstante as tentativas de extraí-lo. Tamanha era a tristeza dele, apesar de todas as limpezas realizada ainda não tinha coragem de deitar-se em sua própria cama. Imaginava que se a casa continha aquele odor, a cama também deveria tê-lo.

Saiu um dia do serviço e, vencido pela insistência dos amigos, decidiu sair para conversar e beber. Após várias cervejas e muitas horas de papo, alguém disse a Francisvaldo que ele talvez estivesse confundindo as coisas. Disse-lhe que o odor que sentia na casa, talvez fosse da casa e não da ex. Francisvaldo não conseguia admitir aquela hipótese, mas não tinha qualquer lembrança do cheiro da sua casa antes de Amanda.

Ao voltar para casa, contudo, Francisvaldo sentou-se em seu velho sofá e ficou a pensar no assunto. Que odor teria sua casa antes de Amanda. Dormiu com aquele pensamento na cabeça. Ao acordar, tinha uma nova perspectiva sobre o odor que sua casa tinha. Constatou que aquele odor que a casa exalava não era de Amanda, mas da própria casa. Foi até a sua cama, e cheirou-a inteira. Nada havia de Amanda ali, apenas um cheiro de amaciante leve e terno. Feliz por ter desfeito a confusão em sua cabeça, ratificou aquele cheiro era realmente da casa. Deitou em sua cama, e dormiu. No outro dia, já esquecido de quem era Amanda, refazia sua vida com Estela, a vizinha de quem era afim desde os tempos de escola.