quarta-feira, 31 de outubro de 2012

O coma

Enquanto era residente no Hospital São João, conheceu Maria Clara. Maria Clara era linda, de uma pele alva que lembrava as nuvens, tinha olhos da cor do céu e cabelos dourados. Apaixonara-se no primeiro instante por aquela linda moça. Embora Pedrinho, aproveitando-se da sua residência, passasse várias horas ao lado de Maria Clara, contando fatos do dia-a-dia e coisas da sua vida, ela jamais a ouvira, isso por que Maria Clara estava em coma. Ao que sabia Pedrinho, ela estava em coma desde 2008, quando sofrera um acidente enquanto tomava banho. Isso, porém, nunca o impediu de passar com ela muito tempo e dedicar a ela o carinho que nunca havia dedicado a ninguém. Como Maria Clara não recebia visita de outras pessoas, Pedrinho passou a ser seu único e fiel companheiro.

Em 2010, quando já era médico, Pedrinho passou a se dedicar cada vez mais a Maria Clara. Estudava o caso da moça com profunda paixão. Decidiu que a tiraria do coma, e assim passava noites a fio estudando um meio de obter o resultado. Finalmente, após muito tempo de obsessão e estudo, Pedrinho consegue trazer Maria Clara do coma, e sem esperar declara todo seu amor profundo, obsessivo e incondicional à Maria Clara que, sem entender, nada diz. No outro dia, Maria Clara ainda muito fraca, diz para Pedrinho que não sabe quem ele é, mas que de qualquer forma não pode ficar com ele, pois é homossexual. Desolado Pedrinho não consegue esconder o descontentamento, a tristeza ecoa em seu rosto. Com o coração aos pedaços ele diz para ela descansar em paz. Enquanto Maria Clara dorme, ele desliga os aparelhos que a mantem viva, a beija demoradamente com ternura e vai embora!

sábado, 27 de outubro de 2012

Amizades

- nós nos conhecemos?
- não sei.
- não que isso seja importante, mas é que não lembro de você!
- Eu também não lembro de você!
- Como nos tornamos "amigos"?
- Não faço ideia.
- Nem eu!
- Quer ser meu amigo?
- Já somos amigo!
- Mas você nunca falou comigo antes!
- Falta de hábito.
- Já que somos amigos, vamos passear e conversar fiado?
- Só somos amigos no Facebook, não misture as coisas! Tchau!

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Sha naqba īmuru

Tivera um sonho estranho. Aparentemente havia feito um pacto com o diabo: riqueza em troca da alma. Acordou suado e confuso. Acalmou-se, contudo, quando notou que se tratava apenas de um sonho. Levantou-se e foi avaliar sua propriedade, cujos limites fugiam aos olhos. Pessoas trabalhavam na lavoura, e haviam animais espalhados pelos campos verdejantes. Sentou-se numa poltrona instalada sob uma das janelas da fachada da casa. Alguém lhe dá um tapinha nas costas, ele se vira. Ele não reconhece o homem. Ele pergunta: - Quem é você? - Sou o diabo. O homem apavorado diz: - mas eu não fiz pacto contigo. O diabo sorri e responde: - Nós nunca precisamos dessa formalidade, amigão!

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

A conversa

Não há nada, exceto um ser sentado (sobre nada) em frente ao que parece ser um computador. O computador, entretanto, é algo inimaginável dentro do que o homem entende de tecnologia. A tela esta suspensa no ar, e aparentemente não está conectada a nada. A tela contém códigos que o homem não consegue decifrar. Não se trata de uma língua da qual já viu ou ouviu falar. O homem se aproxima, e pergunta o que o ser está fazendo. O ser responde que está programando. O homem pergunta quem é ele, e em resposta ouve: deus. O homem fica atônito diante da situação, jamais imaginara que um dia encontraria com deus, e que deus seria um "simples" programador. O homem então pergunta para deus o que ele está programando, e deus responde que está programando a vida no universo. O que é a vida, pergunta o homem a deus, e este responde que a vida é um código que ele criou para dar sentido ao código tempo e ao espaço. Questiona então o que ele - um código - estaria fazendo ali diante do programador.

Deus responde que dará a ele o direito de programar, uma única vez e por exatas vinte e quatro horas terrestres. Deus explica, porém, que o código é complexo e que - assim como qualquer código de programação - este também é falho, e que programar sobre uma coisa pode gerar repercussão em muitas outras coisas, assim como criar um bug que culminará em desastres.

O homem senta-se no vazio e pensa nos valores humanos, no mesmo instante a tela abre em um campo em que os códigos dos valores humanos aparecem. O homem pensa num único valor. Pensa na bondade. E então o código inteiro é alterado e todas as pessoas se tornam boas. Entretanto, como era de se esperar, a bondade de uns é maior que de outros e então, automaticamente, o código cria a vaidade, a inveja e a ganância. As pessoas continuam sendo boas, entretanto algumas se aproveitam da excessiva bondade alheia. As pessoas praticam bondade umas com as outras, mas como não é possível ser bom para com todos, alguns se acham injustiçados. Então a cobiça aparece no código, e por fim a maldade. O homem não sabe o que fazer e reformula o código. Pensa então numa outra única virtude, a justiça. Determina que todos os seres humanos sejam justos um para com os outros. As pessoas se tornam justas umas com as outras, entretanto aparecem no código, milhares de códigos, entre eles a exploração de humanos por humanos. Os seres humanos começam a matar uns aos outros, e então aparecem no código as guerras.

O homem desiste, levanta-se e pergunta para deus por que os códigos sempre se alteram. Deus responde ao homem que programar a vida é uma tarefa complicada, e que ainda que os seres sejam contemplados apenas com virtudes, eles questionarão os valores e daí nascerão códigos e mais códigos sobre a significância de cada valor. O homem pergunta então a deus se os códigos não podem ser pré-definidos e inalteráveis, deus responde que poderiam, entretanto comprometer-se-ia a evolução. Conceber-se-ia seres estáticos, e a vida estaria ameaçada.

Deus então questiona o homem sobre o significado de bondade e justiça. O homem diz para deus que – não sabe ao certo – mas pensa que bondade é a qualidade de quem faz o bem, de quem pensa em si e nos outros. Tratar o outro como gostaria de ser tratado. Justiça seria não exigir mais do que tem direito, e não cobrar menos do que tem direito.

Deus, contudo, questiona o senso de justiça e bondade da qual aquele homem – de poucos conhecimentos – tem, e pergunta se matar outra pessoa é fazer o bem ou é justo. O homem diz que, em determinados casos, sim. Deus então diz que a bondade não pode ser um conceito estático, e que tornar as pessoas simplesmente boas ou justas faria com que elas tivessem atitudes aleatórias dependendo da situação. O homem concorda, mas não entende muito bem.

O homem questiona deus, então, se eles, os seres do universo, são parte de um tipo de jogo de computador. Deus responde que é mais ou menos isso, a diferença é que o programa estará sempre inacabado e que os jogadores são parte da programação, mas que é complicado demais para explicar.

O homem questiona deus se ele é parte do código, deus desconversa e diz essa conversa ficará para outra oportunidade. Antes de ir embora o homem – meio encabulado – pergunta para deus se ele não poderia mexer no código dele e deixá-lo mais bonito e inteligente. Deus apenas ri. Depois disso o homem ouve:

- Acorda, meu jovem, que já chegamos ao ponto final!

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Cobiça

Manoel é um homem que - pode-se dizer - é muito feio, porém um feio elegante. Andava sempre em boas roupas e falava bem. Era um comediante, contava os mais notáveis causos sobre todas as coisas. Não era um homem de muitas mulheres, até por que sua beleza não ajudava muito. Entretanto era cercado de amigos que gostavam de suas incríveis estórias.

No bairro em que mora conheceu um tal de Sebastiana. Mulher de gênio forte, e assim como Manoel sem qualquer gene de beldade. Juntaram-se e foram viver num casebre que haviam comprado. Manoel continuava a ser o mesmo de sempre. Continuava com seus hábitos de contator de causos. Vivia rodeado de gente. Nenhuma das mulheres que o cercava tinha qualquer apetite por ele, é verdade, mas Sebastiana, ciumenta como era, não gostava da situação.

Após mais de ano de convivência, Sebastiana expulsou Manoel da casa. Ele, contudo, não fez questão de nada, saiu da casa, embora na hora da raiva tivesse falado coisas e mais coisas que muitos vizinhos ouviram. Voltaram algumas vezes após o episódio, mas o relacionamento acabou não dando certo.

Um dia, ao ver Manoel de conversa com algumas mulheres numa mesa de bar, Sebastiana enfurecida - e possessa de ciumes de Manoel que aparentemente a havia esquecido - jogou um copo de cerveja na cara dele, e disse que se ele não fosse dela não seria de mais ninguém. E disse mais: acabaria com a vida de qualquer uma que ousasse tomar ele dela. Nenhuma das mulheres ousou falar qualquer coisa naquela hora, o medo que sentiam mal deixava que parassem em pé. Ocorre, porém, que o efeito das palavras nas mulheres do bairro foi devastador. Manoel tornou-se, a partir de então, o homem mais cobiçado do bairro. Recebia cantadas. Era chamado para festas, e até cartas recebeu. Todas as mulheres desejavam-no, mas apenas por que ele havia se tornado proibido e um risco calculado.

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

I wanna be a machine.

Dizia ser amante de tecnologia e que - se pudesse - gostaria de ser [de algum modo] robótico. Tinha a sensação de que ser meio humano meio máquina seria melhor. Um dia, distraído, tropeçou numa lâmpada mágica, estranho o artefato. Olhei e pensou se deveria ou não esfregar. No fim resolveu esfregar. Um gênio de três metros de altura apareceu. Ficou assustado, chegou a cair no chão. O gênio simplesmente lhe falou: -sem blá blá blá. Estou extremamente cansado e vou lhe conceder um desejo. O homem pensou e decidiu: -Eu quero ser uma máquina. O gênio realizou o desejo. Quando homem abriu os olhos, estava deitado em uma cama no hospital Albert Einstein, e se viu ligado a dezenas de aparelhos que lhe davam a vida. Sentiu que parte do seu corpo continha platina. Na realidade o homem estava realmente no Albert Einstein, porém em coma por causa de um atropelamento que sofrera há muitos anos atrás. Sobrevivia através de aparelhos super tecnológicos. Era uma máquina, e o gênio só imaginação.

domingo, 7 de outubro de 2012

Auf wiedersehen

A chuva, às vezes, traz aquela vontade de sair por aí sem rumo, de andar até os confins do mundo. Pensava o homem. Porém, não é fácil. Não é como na estória do homem que sai para comprar cigarros e nunca volta. A vida era realmente conturbada, até por que era vida. Pensava que se fosse calmo e tranquilo demais  só poderia ser a morte. Entretanto, sempre pensara em sair um dia e não voltar para sua rotina. Queria vingar-se da rotina que o fazia levantar todos os dias às seis horas da matina, mas cadê a coragem? Sempre pensava em seus compromissos, e pensava que - como homem que era - não podia ser dados a tais veleidades juvenis.

Um dia, simplesmente, desapareceu. Não deixou rastro, exceto por um bilhete que tinha os dizeres em alemão: "Auf wiedersehen". Afixou o bilhete na porta de seu apartamento e sumiu. Era de se estranhar que um homem tão dado às rotinas da vida tivesse desaparecido assim. Os vizinhos até pensaram que ele estivesse jurado de morte. O homem, contudo, era tão dado aos compromissos que voltou no dia seguinte do seu desaparecimento simplesmente para pagar a conta de energia que esquecera de quitar no dia da fuga!

sábado, 6 de outubro de 2012

Inde irae

Quantas noites encontram-se pairadas
nos pensamentos vãos, na intimidade?
Noite de calor e frio, de liberdade...
Noite pequenas, calmas, caladas.

As mentiras que na noite são contadas,
são peças d'um estratagema pueril.
Muitos contam, mas ninguém ouviu,
ninguém importa com as coisas inventadas.

Nasce o dia e a noite se perde no escuro.
A imaginação nasce e a noite vos inspiras,
ninguém se importa com a extensão do muro

que brota aos olhos d'umas sutis mentiras.
A noite seca, o céu não é mais local seguro.
A imaginação fenece e digo: "Daí, as irás"

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Mentirinha

Era pra ser uma mentirinha. Ia mentir apenas uma vez, jurou. Algo banal, sem importância pra ninguém. Quem notaria? Quem daria importância para um mentirinha de nada? Resolveu faltar o serviço e andar pela cidade. Ligou para o serviço e mentiu. Disse que um parente próximo tinha falecido. Ninguém duvidou, pois ele nunca tinha mentido. Era sério, ninguém acreditaria que estivesse mentindo. O problema foi quando o parente apareceu em seu serviço de terno, olheiras e um pó branco no rosto o procurando. Foi um alvoroço. A mentira o deixou louco quando descobriu que o parente morto havia morrido novamente, dessa vez pisoteado pelos colegas de trabalho que tentavam fugir do defunto!

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Ironia do destino

Talvez seja ironia do destino, talvez seja o destino castigando. Ninguém sabe dizer, conta-se, entretanto, que um homem fanático por rock fez seus parentes e amigos próximos jurarem que no seu funeral tocaria rock. Queria ser enterrado ao som de um bom e velho rock. Todo juraram, e prometeram que esse desejo seria cumprido. Aconteceu, porém, que o homem fez uma viagem para a floresta amazônica e lá morreu. O corpo do dito cujo homem não foi reconhecido, ninguém encontrou sua identidade e ele foi enterrado como indigente. No enterro a única coisa que se ouvia era um pagode que tocava em alguma das casas da redondeza.