quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Diferente

Acordou pensando em ser diferente. Quis ser diferente do que era atualmente, entretanto não sabia o que ser diferente representava de fato. Pensou em fazer coisas que não fazia, mas a maioria das coisas em que ela pensou eram demasiadamente estranhas. Concentrou-se e resolveu copiar alguém de qual admirava, e copiou. Tornou-se diferente para si mesma, mas para todas as outras pessoas ela continuava sendo a mesma pessoa de sempre.

Noites brandas

Ouço a poesia vazia, vazia. Um copo que se mantem virgem na mesa. Ninguém o assola, degola, controla. Alma brancas, sem pureza porém. Quem buscaria num trago fajuto algo além de desdém? É poesia, e música e solidão. Algo que está contido no conselho da canção. Eternidade nascida da noite inquieta, puerilidade de um qualquer, d'um asceta. É tudo ainda poesia, é noite, é fria, é imensidão, é sombria. É tudo é poesia. E a canção, que fala do homem-cão, continua perdida, tal qual o graal da vida, tal qual a poesia vazia vazia.

Caminhando

Atravesso o quarto. Vejo flores fenecidas! Será que elas me cheiram? Sento-me no chão gélido e fico restrito ao cômodo hermético! Os livros estão esquecidos, amarelados e perdidos... tristes! Ninguém os lê. Estão perdidos. A cama já não se alimenta dos antigos hábitos. Caminho pelo quarto sem destino, vejo tudo o que me cerca, mas nada é o que é. Apenas estão ali, sem qualquer destinação. É tudo vazio e sem alma, sem cheiro! Caminho pelo quarto e ele não caminha em mim!

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Ab imo pectore

Quero viver meus desenganos,
chorar na chuva tarde ensolarada.
Quero sobrar-me em quase nada,
renascer dos dias mais profanos.

Quero deitar sobre a coisa morta,
aliviar-me do mal que me conjuga.
Prevaricar aquilo que me suga,
reinventar tudo que me exorta.

Quero rezar o medo do além-mundo,
revigorar os pecados dos mortais.
Estender-me até o mais alto cais,
e dilacerar-me no caos mais profundo.

Quero incitar todo o ledo engano,
punir a bondade dos malevolentes.
Regozijar dos regozijos inocentes,
num riso forte, valente e insano!

Quero naufragar no mar de gente,
sumir na contradição da natureza.
Acontecer-me abrupto da riqueza,
do que não é, sequer, descontente.

Quero vingar-me da minha fortuna,
emboscá-la em sua própria vaidade.
Destruir-me na pureza da piedade,
para conceber-me vigoroso e turuna.

domingo, 23 de setembro de 2012

Dos prantos

Acendem-se velas brancas pela casa,
as cores murcham, o dia se cobre em lágrimas,
o tempo passa, tudo passa e nada passa.

As flores escurecem o céu negro e pálido,
há chuva contida e sol esquecido por toda parte
tudo se vai, nada mais importa e a tudo se aborta.

Há lágrimas correndo pela janela do quarto,
e o chão do quarto se enche em lágrimas,
é pranto por toda parte, é parte por todo pranto!

Acabou-se o encanto de umas flores que murcharam.
O encanto se perdeu na calada de um dia solitário,
o breu tomou conta da alma, ninguém busca calma.

Um fim se estendeu para todo o sempre.
Um fim aparece para fechar um capitulo.
Acabou-se esse novo dia e ninguém é alegria!

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Bom Deus


E o Senhor disse para o filósofo: – Eu sou o Senhor teu Deus, e sou a fonte de todo o bem. Por que a filosofia moral secular me ignora? E o filósofo disse para o Senhor: – Para responder preciso, primeiro, Lhe fazer algumas perguntas. O Senhor nos manda fazer o que é bom. Mas é bom porque o Senhor ordena, ou o Senhor ordena porque é bom? – Er.. — disse o Senhor. — É bom porque eu ordeno. – Resposta errada, sem dúvida, ó Todo-poderoso! Se o bem é bem apenas porque o Senhor diz que é, então o Senhor poderia, se desejasse, fazer com que torturar crianças fosse bom. Mas isso seria absurdo, não seria? – Claro! — respondeu o Senhor. — Eu o testei, e você me agradou. Qual era mesmo a outra opção? – O Senhor escolheu o que é bom porque é bom. Mas isso mostra com bastante clareza que a bondade não depende do Senhor em nada. Então não precisamos estudar Deus para estudar o bem. – Mesmo assim — disse o Senhor —, você tem de admitir que escrevi alguns bons livros sobre o assunto...

Fonte: Eutifron de Platão (380 a C)

Demasiado Humano


É normal surgirem dúvidas a respeito de algumas coisas da vida. Creio que seja natural, e não poderia ser diferente já o ser humano - dotado de inteligência e de capacidade de indagar-se quanto aos mais estranhos meandros da vida - é naturalmente humano. Entretanto, alguns questionamentos parecem desafiar a fé, embora não o façam. É natural questionar-se acerca de valores, creio eu, ainda que estes valores estejam ligados ao divino. Sempre me pego pensando nesse valores que agregam um conteúdo mistico, e dissociá-los desses valores pode representar para algumas pessoas ausência de fé - e talvez seja -, mas nem sempre é isso. O conteúdo de alguns valores são tão humanos que é fácil dissociá-los do cunho divino que lhes deram, entretanto fazer isso pode parecer um ultraje contra o próprio Deus, ainda que não seja necessariamente isso. Algumas coisas são o que são, por quê são.

Eu costumava questionar o nome das coisas. Por que pedra se chama pedra ou por que água se chama água, fogo fogo... até hoje não sei bem por que algumas coisas são como são e tem o nome que lhes deram. Assim como desconheço muitos conceitos, entretanto sempre me pego pensando no caráter humano deles.

Lembro-me da estória bíblica do homem a quem Deus mandou que ele próprio matasse o filho, a fim de que  provasse a sua fé, o homem (da qual realmente não me lembro o nome) quase o fez, mas Deus o interrompeu.

Se este homem, a quem foi incumbido o dever de matar o próprio filho por Deus, o tivesse feito, estaríamos diante de um ato de fé ou de insanidade? Maldade ou Bondade? Sinceramente, não sei se isso ocorreria atualmente, e - em se acontecendo - se alguém creria nessa hipótese de que foi Deus quem mandou. E se Deus realmente mandasse que fizéssemos coisas da qual - segundo nosso julgamento - fossem atrocidades? Seríamos julgados pela nossa fé? Será que nossa concepção de valores são realmente tão ligadas ao divino? Ou simplesmente nos apegamos a elas quando é conveniente?

Coisas demais para se pensar numa noite só!!!

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Valentia, Las memorias de Caio Antonio Naso - Gabriel Castello Alonso


“Agora, nunca poderei dizer que não estive em um lupanar [prostíbulo romano]. Em troca, ficou marcada a primeira vez em que fiquei sozinho com uma mulher. Foi logo após o primeiro e desastroso convite. Essa angústia passou. Em uma tarde preguiçosa de verão, nos reunimos à sombra dos arcos do Fórum meu amigo Libieno, Emilio e eu com meu irmão Lúcio e um de seus amigos na cidade, um homem chamado Publius Quintilio Albo, um filho loiro de gauleses imigrantes. De qualquer forma, meu irmão e seu colega nos convenceram de que deveríamos ir juntos a um bordel fora das muralhas. Aquele famoso bordel estava perto da ponte de moinho e era uma casa de muito má reputação em círculos sociais valentinos. Sua notoriedade era má, porque mais do que um juiz era cliente regular. Era uma grande fachada, sem janelas, e um portão com um olho mágico, no meio de um bosque de acelga e alface. Depois de meu irmão tocar duas vezes a porta e dizer a coisa ininteligível ao escravo que espiou pela janela, as dobradiças da porta rangeram baixinhas e passamos ao prostíbulo. [...]
Neste instante, saiu de vários cantos dos quartos adjacentes uma variedade grande de meninas e meninos. Dessas, umas muito jovens e outras já maduras, iam vestidos com roupas de finíssimos tecidos, estavam maquiadas com todos os tipos de bálsamos exóticos e algumas outras tinham tingido o cabelo com pasta de sebo e cinzas. Aqueles insinuantes e sugestivos vestidos deixavam aparecer as auréolas coloridas que coroavas seus valiosos bustos e encaracolavam os cantos de suas virilhas. Os três jovens imberbes tinham seus corpos cobertos com óleos aromáticos e cobriam os seus membros com uma tanga curta e simples.
[...]
Meu irmão negociou no grupo e conseguiu fechar com Arvina os custos de sua apetitosa mercadoria, fechando em 50 moedas de prata por uma hora de trabalho. A menina morena que tanto gostava de mim pegou minha mão e me levou para o seu cubículo, uma pequena e encardida cabana onde um banquinho e uma cama eram sua única mobília. [...] Ela me levou ao seu ninho de delícias. Fechou as cortinas de serapilheira rasgados que fechavam a porta e me levou para a cama. Com um movimento lento e rítmico, se enrolou no vestido desde as panturrilhas, tirando-o por cima da cabeça, mostrando gradualmente em toda sua plenitude sua sublime nudez. Ela tinha grandes olhos cor de mel e um cabelo ondulado preto caindo em cachos sobre seus seios duros. Baixei meu olhar por um momento e vi como meu membro ereto já se marcava, e manchava, no manto. Lembro-me de suar como um escravo, não pelo calor úmido e intenso do quarto pequeno, mas por estar animado diante o toque iminente de nossos corpos …  E eu ainda estava com medo de não ser suficiente para aquela jovem. Apesar de sua pouca idade, a menina sabia bem o que fazia.
[...]
Quando saí do cubículo, suado, vaidoso e muito mais satisfeitos do que um general durante um Triunfo (a mais alta honraria concedida a um general do Senado depois de uma campanha vitoriosa), me encontrei com meus outros amigos que também confortavelmente haviam alcançado seu objetivo.” Tradução Marcel Verrumo (Superinteressante)

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Árvores

O trabalho é bom, gostoso e, segundo me consta, a única árvore que realmente dá dinheiro. Já ouvi falar de outras, mas nessa árvore realmente nascem notas e, dizem que se for um bom menino, pode até conseguir muitas delas de uma vez.

Pensei comigo, se a árvore do dinheiro chama-se trabalho... quanto mais trabalho eu plantar mais dinheiro vou ter. Só que me toquei que cuidar da árvore "trabalho" nem sempre é fácil. Normalmente gasta-se muito tempo. Agora eu fico pensando o que vale mais? O tempo ou o dinheiro? Não sei, isso realmente não sei. Só sei que as árvores "trabalho" tem dado dinheiro, mas tem me tirado tempo. Muito tempo.

domingo, 9 de setembro de 2012

Saindo de casa

-Você deveria sair mais. Ficar em casa mata a pessoa.
- Prefiro ficar em casa!
- Só isso que você sabe fazer? Parece até que faz parte do sofá. Isso não pode ser normal para um menino de quinze anos.
- Por que essa insistência toda?
- Você é novo tem que andar, mover o corpo.
- Não tem nada interessante pra fazer lá fora.
- Tem o mundo inteiro, tem pessoas e coisas.
- Prefiro ficar em casa.
- Você vai ficar louco trancado o dia todo dentro de casa. Vai fazer alguma coisa. VAI!
- Que saco.
Ele sai de casa, irritado com a insistência de sua mãe. Passam-se dez anos, e ele volta com algumas cicatrizes e um rosto cansado. A mãe que o esperou na janela durante quase todo esse tempo, corre e o abraça. Ela nunca mais o deixou sair de casa, nem para comprar pão na esquina!

sábado, 8 de setembro de 2012

Solidão

Será que sou (realmente) toda essa solidão que sinto? Abro a porta do quarto, saio até a escada e não ouço nada. Há um cachorro perambulando pela rua, tão sozinho quanto minha escura noite. Abro a geladeira, como se fosse lá encontrar algo que diminuirá tudo que sinto. Não há nada lá dentro. Será que sou toda essa solidão? Pego meu carro e saio sem destino pelas ruas da cidade. Encontros estranhos que são tão estranhos quanto eu sou naquele instante. Nada falo, nada ouço. Apenas vejo. São pessoas, talvez seja bom se relacionar, digo a mim mesmo. O que estou procurando? (me pergunto em seguida) Não sei responder. Ando pela cidade, com aquela sensação de que fugir para qualquer lugar é algo que conforta. Só sensação. Quando entro novamente no meu quarto o peso da solidão cai novamente sobre meus ombros, e me lembro que não há nada novamente na geladeira. Talvez eu devesse ir ao supermercado. Talvez eu tenha uma conversa rápida com alguém lá. Talvez... talvez... talvez... Acendo um cigarro. A noite engole meus pensamentos. Há uma linha tênue entre tudo que sou e o que sinto? Só solidão. Só solidão! A solidão é, às vezes, tão estranha quanto tudo que ela nos faz sentir. Tão confusa quanto procurar o que não existe. Talvez seja melhor assim. Talvez seja melhor ficar sozinho no meio da multidão. Talvez seja melhor ficar aqui sentado, ouvindo "não sei o quê" "não sei onde". Um dia a solidão vai passar, eu sei que vai. Porém um dia ela volta - ela vai voltar, indubitavelmente! - e eu? eu não estarei preparado, como nunca estive!

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

O sonho

Acordo! Os pensamentos em ebulição. A confusão toma conta de tudo, e de mim. Um sonho estranho. Uma vida conturbada. Acontecimentos sem sentido. Sonho. Era apenas um sonho. Lembro do cheiro das rosas de um jardim, e de feridas contraídas em espinhos. Lembro de solidão e desencantamento. Sensações de alegria e tristeza, dor e felicidade, amor e ódio. Era apenas um sonho, um sonho. Era apenas realidade.