quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

A ratoeira

Passou a semana inteira sendo atordoado por sua esposa. Ela vira um rato na cozinha. Mulheres nunca gostaram, talvez seja algo recíproco. Nunca se saberá. O homem, contudo, teria que pegar o rato, do contrário a perturbação constante e irritante não cessaria. Ele foi ao mercado e comprou uma ratoeira. Montou a ratoeira. Sentou-se em uma das cadeiras da mesa da cozinha e ficou observando os acontecimentos que seguiriam. O rato apareceu. Verificou o local. Aparentava ter medo e fome. Mais fome do que medo, isso verificou-se em função de ele seguir com o plano de capturar o queijo da ratoeira. O homem sabia da armadilha, e sabia que a vida era cheia dessas coisas. Os estelionatários sabiam bem como usar essas armadilhas com os humanos. Enquanto o rato pesquisava a melhor forma de pegar o queijo sem ser notado, o homem pensava num caso que saiu no noticiário local. Um estelionatário aplicara um golpe da qual várias pessoas haviam caído. Ele oferecia um super-emprego. As pessoas, entretanto, pagavam caro para tê-lo. A jornada de trabalho era curta, o salário era alto e não requisitavam qualificação. Era uma ratoeira e tanto. Uma vantagem que muitas pessoas queriam, e pagavam caro. O rato continuava sua pesquisa, já estava a pouco menos de trinta centímetros da ratoeira e maquinava o melhor modo de dar o bote. O homem pensava que as pessoas, assim como os ratos, dispunham de rabos e eram os tais rabos que os faziam pagar caro pelas vantagens "fáceis". Pensava mais. Por que os seres humanos são dados a tais vantagens? Buscar o caminho mais fácil é algo que muitos (ou quase todos) os homens querem. Entretanto, os caminhos fáceis - tanto para homens, quanto para ratos - podiam muito bem ser armadilhas. O rato aproximara-se mais, e estava a menos de quinze centímetros da ratoeira. Aparentemente, o prêmio é a única coisa visível nesse estágio. Difícil perceber algum tipo de armadilha, a não ser que haja algum tipo de barulho que a identifique. Sem essa o rato estará fadado a ser pego pela armadilha. Os homens não eram muito diferentes, pensava o homem. A ideia de obter vantagem fácil sempre acaba ofuscando os riscos existentes. Ninguém quer imaginar que as vantagens possam ser armadilhas, embora sejam muitas vezes. O rato também não pensa em armadilhas, só no queijo. Só vê o queijo. Vendo apenas o queijo corre até dar o bote. Quando, enfim, captura o queijo, a armadilha solta-se e prende o rabo do rato que - nesse instante - debate-se incansavelmente de forma a se soltar da armadilha em que caíra. O homem apenas vê a luta pela sobrevivência do rato, e pensa se a vantagem fácil vale o risco de ser pego em uma armadilha. Alguns homens são extorquidos, sequestrados, roubados, assassinados... tudo às custas de armadilhas à base de vantagens. O homem vê, então, que homens e ratos não são muito diferentes. Há, contudo, uma diferença. Constata o homem. Os homens são dotados de valores morais e inteligência e isso deveria fazer com que se afastassem de determinadas situações em que as vantagens são exageradamente ilusórias. Porém, a vida é cheia de armadilhas e há que se tomar cuidado para que não se tenha o rabo preso numa delas. O rato, no entanto, havia se soltado da armadilha. Seu instinto de sobrevivência e a força da ratoeira fizeram com que seu rabo fosse partido em dois. O queijo ficou para trás, mas o homem sabia que um dia o rato voltaria à ratoeira.

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

A nova era

Com os avanços tecnológicos que surgiram ele começou a esquecer pequenas coisas. Não deu nenhuma importância a isso, afinal pequenas coisas sempre serão pequenas coisas e não fazem falta a ninguém. Esqueceu, por exemplo, que gostava de frutas vermelhas e do cheiro de fazenda que tinha o zoológico local.  Isso, porém, jamais o deixou triste ou indignado. Pensava na vida como ciclos constantes e que o mundo era o que era em função de tudo o que tinha evoluído. O tempo passava e com ele mais coisas se perdiam. Já não lembrava como era conversar com amigos próximos ou como era comer um prato típico de sua cidade natal. Ele continuava não dando importância, afinal tudo parecia pequeno. Tudo tornara-se pequeno diante dos avanços tecnológicos. A vida apequenou-se. O tempo passava cada vez mais rápido. Os dias eram frações de tempo que ele não sabia medir. As pequenas coisas iam se perdendo na ligeireza, e ele não se importava com nada. Repetia para si mesmo: faço parte da evolução. Esqueceu como era ler um bom livro ou como era ouvir uma boa música. A vida passou. A tecnologia estava cada vez mais avançada. Já falava pessoalmente com quase ninguém. Não lembrava dos rostos de pessoas próximas, apenas tinha a sensação de lembrar, isso por que só lembrava de fotos. Esqueceu como era viver pessoalmente, e o que viver representava. Morreu no auge da tecnologia sem saber se era realmente ele mesmo.

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

O cheiro

Chegou em casa, cansado do dia estafante de serviços burocráticos no escritório, encontrou algumas malas próximas à porta principal da casa. Sua companheira estava sentada no sofá da sala e tinha uma expressão melancólica na face. Antes que Francisvaldo pudesse falar qualquer coisa, Amanda soltou a sentença: - Não quero conversar. Cansei-me dessa vidinha, portanto estou indo embora e ponto! Enquanto Amanda saia da casa e levava seus pertences pessoais, Francisvaldo nada falou. Estava muito abalado com aquela "repentina" atitude. Claro que houveram outras brigas, casais sempre brigam, pensava ele, mas nunca imaginou que ela iria embora. Sentou-se no sofá e tentava acalmar aquele sentimento inquietante que queimava como brasa em seu peito. Dormiu ali, solitário e triste.

Acordou no outro dia e foi trabalhar, ainda carregando um coração avassalado. Estivera tão desatento durante o dia que quase foi atropelado pela lotação que deveria tomar. No fim do dia, sem ânimo para qualquer coisa, voltou para sua casa e deixou-se cair no sofá, disperso. Não ousava usar a cama. Imaginava que o cheiro da ex-companheiro pudesse ter algum tipo de efeito ainda pior sobre sua alma esfacelada. Entretanto, deu conta de que o cheiro da mulher estava em todos os cômodos da casa. O sofá, o chão, o teto, a televisão, as xícaras, até o pano de chão e o banheiro. O odor aguçava a dor que irrompia em seu peito.

Passada uma semana da separação, Francisvaldo contratou uma mulher para dar uma geral na casa. Determinou que se usasse o produto mais forte para extrair qualquer odor que a casa tivesse, requisitou ainda que se fizesse duas limpezas consecutivas com produtos diferentes, para que o odor realmente abandonasse a casa. Ele tinha em mente que a lembrança que tinha de Amanda estava diretamente relacionada ao odor dela que sentia na casa.

Após a limpeza retornou à sua casa. Estava um brinco. Os móveis cintilavam, o piso tinha um tom de novo, as paredes pareciam recém pintadas. Era como se estivesse entrando numa casa recém construída e cujos móveis acabara de comprar. Entretanto, após passar algumas horas na casa, constatou a presença do cheiro que lhe fazia lembrar Amanda. Não sabia de onde ele vinha, mas ele estava ali. No outro dia, requisitou outra novas limpezas consecutivas, desta vez, com três produtos. Assim foi feito. Contudo, o cheiro continuava lá.

Ele pensava, então, que talvez fosse impossível extrair dali aquele odor. Passaram-se meses, e o odor continuava lá, não obstante as tentativas de extraí-lo. Tamanha era a tristeza dele, apesar de todas as limpezas realizada ainda não tinha coragem de deitar-se em sua própria cama. Imaginava que se a casa continha aquele odor, a cama também deveria tê-lo.

Saiu um dia do serviço e, vencido pela insistência dos amigos, decidiu sair para conversar e beber. Após várias cervejas e muitas horas de papo, alguém disse a Francisvaldo que ele talvez estivesse confundindo as coisas. Disse-lhe que o odor que sentia na casa, talvez fosse da casa e não da ex. Francisvaldo não conseguia admitir aquela hipótese, mas não tinha qualquer lembrança do cheiro da sua casa antes de Amanda.

Ao voltar para casa, contudo, Francisvaldo sentou-se em seu velho sofá e ficou a pensar no assunto. Que odor teria sua casa antes de Amanda. Dormiu com aquele pensamento na cabeça. Ao acordar, tinha uma nova perspectiva sobre o odor que sua casa tinha. Constatou que aquele odor que a casa exalava não era de Amanda, mas da própria casa. Foi até a sua cama, e cheirou-a inteira. Nada havia de Amanda ali, apenas um cheiro de amaciante leve e terno. Feliz por ter desfeito a confusão em sua cabeça, ratificou aquele cheiro era realmente da casa. Deitou em sua cama, e dormiu. No outro dia, já esquecido de quem era Amanda, refazia sua vida com Estela, a vizinha de quem era afim desde os tempos de escola.

quarta-feira, 31 de outubro de 2012

O coma

Enquanto era residente no Hospital São João, conheceu Maria Clara. Maria Clara era linda, de uma pele alva que lembrava as nuvens, tinha olhos da cor do céu e cabelos dourados. Apaixonara-se no primeiro instante por aquela linda moça. Embora Pedrinho, aproveitando-se da sua residência, passasse várias horas ao lado de Maria Clara, contando fatos do dia-a-dia e coisas da sua vida, ela jamais a ouvira, isso por que Maria Clara estava em coma. Ao que sabia Pedrinho, ela estava em coma desde 2008, quando sofrera um acidente enquanto tomava banho. Isso, porém, nunca o impediu de passar com ela muito tempo e dedicar a ela o carinho que nunca havia dedicado a ninguém. Como Maria Clara não recebia visita de outras pessoas, Pedrinho passou a ser seu único e fiel companheiro.

Em 2010, quando já era médico, Pedrinho passou a se dedicar cada vez mais a Maria Clara. Estudava o caso da moça com profunda paixão. Decidiu que a tiraria do coma, e assim passava noites a fio estudando um meio de obter o resultado. Finalmente, após muito tempo de obsessão e estudo, Pedrinho consegue trazer Maria Clara do coma, e sem esperar declara todo seu amor profundo, obsessivo e incondicional à Maria Clara que, sem entender, nada diz. No outro dia, Maria Clara ainda muito fraca, diz para Pedrinho que não sabe quem ele é, mas que de qualquer forma não pode ficar com ele, pois é homossexual. Desolado Pedrinho não consegue esconder o descontentamento, a tristeza ecoa em seu rosto. Com o coração aos pedaços ele diz para ela descansar em paz. Enquanto Maria Clara dorme, ele desliga os aparelhos que a mantem viva, a beija demoradamente com ternura e vai embora!

sábado, 27 de outubro de 2012

Amizades

- nós nos conhecemos?
- não sei.
- não que isso seja importante, mas é que não lembro de você!
- Eu também não lembro de você!
- Como nos tornamos "amigos"?
- Não faço ideia.
- Nem eu!
- Quer ser meu amigo?
- Já somos amigo!
- Mas você nunca falou comigo antes!
- Falta de hábito.
- Já que somos amigos, vamos passear e conversar fiado?
- Só somos amigos no Facebook, não misture as coisas! Tchau!

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Sha naqba īmuru

Tivera um sonho estranho. Aparentemente havia feito um pacto com o diabo: riqueza em troca da alma. Acordou suado e confuso. Acalmou-se, contudo, quando notou que se tratava apenas de um sonho. Levantou-se e foi avaliar sua propriedade, cujos limites fugiam aos olhos. Pessoas trabalhavam na lavoura, e haviam animais espalhados pelos campos verdejantes. Sentou-se numa poltrona instalada sob uma das janelas da fachada da casa. Alguém lhe dá um tapinha nas costas, ele se vira. Ele não reconhece o homem. Ele pergunta: - Quem é você? - Sou o diabo. O homem apavorado diz: - mas eu não fiz pacto contigo. O diabo sorri e responde: - Nós nunca precisamos dessa formalidade, amigão!

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

A conversa

Não há nada, exceto um ser sentado (sobre nada) em frente ao que parece ser um computador. O computador, entretanto, é algo inimaginável dentro do que o homem entende de tecnologia. A tela esta suspensa no ar, e aparentemente não está conectada a nada. A tela contém códigos que o homem não consegue decifrar. Não se trata de uma língua da qual já viu ou ouviu falar. O homem se aproxima, e pergunta o que o ser está fazendo. O ser responde que está programando. O homem pergunta quem é ele, e em resposta ouve: deus. O homem fica atônito diante da situação, jamais imaginara que um dia encontraria com deus, e que deus seria um "simples" programador. O homem então pergunta para deus o que ele está programando, e deus responde que está programando a vida no universo. O que é a vida, pergunta o homem a deus, e este responde que a vida é um código que ele criou para dar sentido ao código tempo e ao espaço. Questiona então o que ele - um código - estaria fazendo ali diante do programador.

Deus responde que dará a ele o direito de programar, uma única vez e por exatas vinte e quatro horas terrestres. Deus explica, porém, que o código é complexo e que - assim como qualquer código de programação - este também é falho, e que programar sobre uma coisa pode gerar repercussão em muitas outras coisas, assim como criar um bug que culminará em desastres.

O homem senta-se no vazio e pensa nos valores humanos, no mesmo instante a tela abre em um campo em que os códigos dos valores humanos aparecem. O homem pensa num único valor. Pensa na bondade. E então o código inteiro é alterado e todas as pessoas se tornam boas. Entretanto, como era de se esperar, a bondade de uns é maior que de outros e então, automaticamente, o código cria a vaidade, a inveja e a ganância. As pessoas continuam sendo boas, entretanto algumas se aproveitam da excessiva bondade alheia. As pessoas praticam bondade umas com as outras, mas como não é possível ser bom para com todos, alguns se acham injustiçados. Então a cobiça aparece no código, e por fim a maldade. O homem não sabe o que fazer e reformula o código. Pensa então numa outra única virtude, a justiça. Determina que todos os seres humanos sejam justos um para com os outros. As pessoas se tornam justas umas com as outras, entretanto aparecem no código, milhares de códigos, entre eles a exploração de humanos por humanos. Os seres humanos começam a matar uns aos outros, e então aparecem no código as guerras.

O homem desiste, levanta-se e pergunta para deus por que os códigos sempre se alteram. Deus responde ao homem que programar a vida é uma tarefa complicada, e que ainda que os seres sejam contemplados apenas com virtudes, eles questionarão os valores e daí nascerão códigos e mais códigos sobre a significância de cada valor. O homem pergunta então a deus se os códigos não podem ser pré-definidos e inalteráveis, deus responde que poderiam, entretanto comprometer-se-ia a evolução. Conceber-se-ia seres estáticos, e a vida estaria ameaçada.

Deus então questiona o homem sobre o significado de bondade e justiça. O homem diz para deus que – não sabe ao certo – mas pensa que bondade é a qualidade de quem faz o bem, de quem pensa em si e nos outros. Tratar o outro como gostaria de ser tratado. Justiça seria não exigir mais do que tem direito, e não cobrar menos do que tem direito.

Deus, contudo, questiona o senso de justiça e bondade da qual aquele homem – de poucos conhecimentos – tem, e pergunta se matar outra pessoa é fazer o bem ou é justo. O homem diz que, em determinados casos, sim. Deus então diz que a bondade não pode ser um conceito estático, e que tornar as pessoas simplesmente boas ou justas faria com que elas tivessem atitudes aleatórias dependendo da situação. O homem concorda, mas não entende muito bem.

O homem questiona deus, então, se eles, os seres do universo, são parte de um tipo de jogo de computador. Deus responde que é mais ou menos isso, a diferença é que o programa estará sempre inacabado e que os jogadores são parte da programação, mas que é complicado demais para explicar.

O homem questiona deus se ele é parte do código, deus desconversa e diz essa conversa ficará para outra oportunidade. Antes de ir embora o homem – meio encabulado – pergunta para deus se ele não poderia mexer no código dele e deixá-lo mais bonito e inteligente. Deus apenas ri. Depois disso o homem ouve:

- Acorda, meu jovem, que já chegamos ao ponto final!

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Cobiça

Manoel é um homem que - pode-se dizer - é muito feio, porém um feio elegante. Andava sempre em boas roupas e falava bem. Era um comediante, contava os mais notáveis causos sobre todas as coisas. Não era um homem de muitas mulheres, até por que sua beleza não ajudava muito. Entretanto era cercado de amigos que gostavam de suas incríveis estórias.

No bairro em que mora conheceu um tal de Sebastiana. Mulher de gênio forte, e assim como Manoel sem qualquer gene de beldade. Juntaram-se e foram viver num casebre que haviam comprado. Manoel continuava a ser o mesmo de sempre. Continuava com seus hábitos de contator de causos. Vivia rodeado de gente. Nenhuma das mulheres que o cercava tinha qualquer apetite por ele, é verdade, mas Sebastiana, ciumenta como era, não gostava da situação.

Após mais de ano de convivência, Sebastiana expulsou Manoel da casa. Ele, contudo, não fez questão de nada, saiu da casa, embora na hora da raiva tivesse falado coisas e mais coisas que muitos vizinhos ouviram. Voltaram algumas vezes após o episódio, mas o relacionamento acabou não dando certo.

Um dia, ao ver Manoel de conversa com algumas mulheres numa mesa de bar, Sebastiana enfurecida - e possessa de ciumes de Manoel que aparentemente a havia esquecido - jogou um copo de cerveja na cara dele, e disse que se ele não fosse dela não seria de mais ninguém. E disse mais: acabaria com a vida de qualquer uma que ousasse tomar ele dela. Nenhuma das mulheres ousou falar qualquer coisa naquela hora, o medo que sentiam mal deixava que parassem em pé. Ocorre, porém, que o efeito das palavras nas mulheres do bairro foi devastador. Manoel tornou-se, a partir de então, o homem mais cobiçado do bairro. Recebia cantadas. Era chamado para festas, e até cartas recebeu. Todas as mulheres desejavam-no, mas apenas por que ele havia se tornado proibido e um risco calculado.

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

I wanna be a machine.

Dizia ser amante de tecnologia e que - se pudesse - gostaria de ser [de algum modo] robótico. Tinha a sensação de que ser meio humano meio máquina seria melhor. Um dia, distraído, tropeçou numa lâmpada mágica, estranho o artefato. Olhei e pensou se deveria ou não esfregar. No fim resolveu esfregar. Um gênio de três metros de altura apareceu. Ficou assustado, chegou a cair no chão. O gênio simplesmente lhe falou: -sem blá blá blá. Estou extremamente cansado e vou lhe conceder um desejo. O homem pensou e decidiu: -Eu quero ser uma máquina. O gênio realizou o desejo. Quando homem abriu os olhos, estava deitado em uma cama no hospital Albert Einstein, e se viu ligado a dezenas de aparelhos que lhe davam a vida. Sentiu que parte do seu corpo continha platina. Na realidade o homem estava realmente no Albert Einstein, porém em coma por causa de um atropelamento que sofrera há muitos anos atrás. Sobrevivia através de aparelhos super tecnológicos. Era uma máquina, e o gênio só imaginação.

domingo, 7 de outubro de 2012

Auf wiedersehen

A chuva, às vezes, traz aquela vontade de sair por aí sem rumo, de andar até os confins do mundo. Pensava o homem. Porém, não é fácil. Não é como na estória do homem que sai para comprar cigarros e nunca volta. A vida era realmente conturbada, até por que era vida. Pensava que se fosse calmo e tranquilo demais  só poderia ser a morte. Entretanto, sempre pensara em sair um dia e não voltar para sua rotina. Queria vingar-se da rotina que o fazia levantar todos os dias às seis horas da matina, mas cadê a coragem? Sempre pensava em seus compromissos, e pensava que - como homem que era - não podia ser dados a tais veleidades juvenis.

Um dia, simplesmente, desapareceu. Não deixou rastro, exceto por um bilhete que tinha os dizeres em alemão: "Auf wiedersehen". Afixou o bilhete na porta de seu apartamento e sumiu. Era de se estranhar que um homem tão dado às rotinas da vida tivesse desaparecido assim. Os vizinhos até pensaram que ele estivesse jurado de morte. O homem, contudo, era tão dado aos compromissos que voltou no dia seguinte do seu desaparecimento simplesmente para pagar a conta de energia que esquecera de quitar no dia da fuga!

sábado, 6 de outubro de 2012

Inde irae

Quantas noites encontram-se pairadas
nos pensamentos vãos, na intimidade?
Noite de calor e frio, de liberdade...
Noite pequenas, calmas, caladas.

As mentiras que na noite são contadas,
são peças d'um estratagema pueril.
Muitos contam, mas ninguém ouviu,
ninguém importa com as coisas inventadas.

Nasce o dia e a noite se perde no escuro.
A imaginação nasce e a noite vos inspiras,
ninguém se importa com a extensão do muro

que brota aos olhos d'umas sutis mentiras.
A noite seca, o céu não é mais local seguro.
A imaginação fenece e digo: "Daí, as irás"

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Mentirinha

Era pra ser uma mentirinha. Ia mentir apenas uma vez, jurou. Algo banal, sem importância pra ninguém. Quem notaria? Quem daria importância para um mentirinha de nada? Resolveu faltar o serviço e andar pela cidade. Ligou para o serviço e mentiu. Disse que um parente próximo tinha falecido. Ninguém duvidou, pois ele nunca tinha mentido. Era sério, ninguém acreditaria que estivesse mentindo. O problema foi quando o parente apareceu em seu serviço de terno, olheiras e um pó branco no rosto o procurando. Foi um alvoroço. A mentira o deixou louco quando descobriu que o parente morto havia morrido novamente, dessa vez pisoteado pelos colegas de trabalho que tentavam fugir do defunto!

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Ironia do destino

Talvez seja ironia do destino, talvez seja o destino castigando. Ninguém sabe dizer, conta-se, entretanto, que um homem fanático por rock fez seus parentes e amigos próximos jurarem que no seu funeral tocaria rock. Queria ser enterrado ao som de um bom e velho rock. Todo juraram, e prometeram que esse desejo seria cumprido. Aconteceu, porém, que o homem fez uma viagem para a floresta amazônica e lá morreu. O corpo do dito cujo homem não foi reconhecido, ninguém encontrou sua identidade e ele foi enterrado como indigente. No enterro a única coisa que se ouvia era um pagode que tocava em alguma das casas da redondeza.

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Diferente

Acordou pensando em ser diferente. Quis ser diferente do que era atualmente, entretanto não sabia o que ser diferente representava de fato. Pensou em fazer coisas que não fazia, mas a maioria das coisas em que ela pensou eram demasiadamente estranhas. Concentrou-se e resolveu copiar alguém de qual admirava, e copiou. Tornou-se diferente para si mesma, mas para todas as outras pessoas ela continuava sendo a mesma pessoa de sempre.

Noites brandas

Ouço a poesia vazia, vazia. Um copo que se mantem virgem na mesa. Ninguém o assola, degola, controla. Alma brancas, sem pureza porém. Quem buscaria num trago fajuto algo além de desdém? É poesia, e música e solidão. Algo que está contido no conselho da canção. Eternidade nascida da noite inquieta, puerilidade de um qualquer, d'um asceta. É tudo ainda poesia, é noite, é fria, é imensidão, é sombria. É tudo é poesia. E a canção, que fala do homem-cão, continua perdida, tal qual o graal da vida, tal qual a poesia vazia vazia.

Caminhando

Atravesso o quarto. Vejo flores fenecidas! Será que elas me cheiram? Sento-me no chão gélido e fico restrito ao cômodo hermético! Os livros estão esquecidos, amarelados e perdidos... tristes! Ninguém os lê. Estão perdidos. A cama já não se alimenta dos antigos hábitos. Caminho pelo quarto sem destino, vejo tudo o que me cerca, mas nada é o que é. Apenas estão ali, sem qualquer destinação. É tudo vazio e sem alma, sem cheiro! Caminho pelo quarto e ele não caminha em mim!

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Ab imo pectore

Quero viver meus desenganos,
chorar na chuva tarde ensolarada.
Quero sobrar-me em quase nada,
renascer dos dias mais profanos.

Quero deitar sobre a coisa morta,
aliviar-me do mal que me conjuga.
Prevaricar aquilo que me suga,
reinventar tudo que me exorta.

Quero rezar o medo do além-mundo,
revigorar os pecados dos mortais.
Estender-me até o mais alto cais,
e dilacerar-me no caos mais profundo.

Quero incitar todo o ledo engano,
punir a bondade dos malevolentes.
Regozijar dos regozijos inocentes,
num riso forte, valente e insano!

Quero naufragar no mar de gente,
sumir na contradição da natureza.
Acontecer-me abrupto da riqueza,
do que não é, sequer, descontente.

Quero vingar-me da minha fortuna,
emboscá-la em sua própria vaidade.
Destruir-me na pureza da piedade,
para conceber-me vigoroso e turuna.

domingo, 23 de setembro de 2012

Dos prantos

Acendem-se velas brancas pela casa,
as cores murcham, o dia se cobre em lágrimas,
o tempo passa, tudo passa e nada passa.

As flores escurecem o céu negro e pálido,
há chuva contida e sol esquecido por toda parte
tudo se vai, nada mais importa e a tudo se aborta.

Há lágrimas correndo pela janela do quarto,
e o chão do quarto se enche em lágrimas,
é pranto por toda parte, é parte por todo pranto!

Acabou-se o encanto de umas flores que murcharam.
O encanto se perdeu na calada de um dia solitário,
o breu tomou conta da alma, ninguém busca calma.

Um fim se estendeu para todo o sempre.
Um fim aparece para fechar um capitulo.
Acabou-se esse novo dia e ninguém é alegria!

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Bom Deus


E o Senhor disse para o filósofo: – Eu sou o Senhor teu Deus, e sou a fonte de todo o bem. Por que a filosofia moral secular me ignora? E o filósofo disse para o Senhor: – Para responder preciso, primeiro, Lhe fazer algumas perguntas. O Senhor nos manda fazer o que é bom. Mas é bom porque o Senhor ordena, ou o Senhor ordena porque é bom? – Er.. — disse o Senhor. — É bom porque eu ordeno. – Resposta errada, sem dúvida, ó Todo-poderoso! Se o bem é bem apenas porque o Senhor diz que é, então o Senhor poderia, se desejasse, fazer com que torturar crianças fosse bom. Mas isso seria absurdo, não seria? – Claro! — respondeu o Senhor. — Eu o testei, e você me agradou. Qual era mesmo a outra opção? – O Senhor escolheu o que é bom porque é bom. Mas isso mostra com bastante clareza que a bondade não depende do Senhor em nada. Então não precisamos estudar Deus para estudar o bem. – Mesmo assim — disse o Senhor —, você tem de admitir que escrevi alguns bons livros sobre o assunto...

Fonte: Eutifron de Platão (380 a C)

Demasiado Humano


É normal surgirem dúvidas a respeito de algumas coisas da vida. Creio que seja natural, e não poderia ser diferente já o ser humano - dotado de inteligência e de capacidade de indagar-se quanto aos mais estranhos meandros da vida - é naturalmente humano. Entretanto, alguns questionamentos parecem desafiar a fé, embora não o façam. É natural questionar-se acerca de valores, creio eu, ainda que estes valores estejam ligados ao divino. Sempre me pego pensando nesse valores que agregam um conteúdo mistico, e dissociá-los desses valores pode representar para algumas pessoas ausência de fé - e talvez seja -, mas nem sempre é isso. O conteúdo de alguns valores são tão humanos que é fácil dissociá-los do cunho divino que lhes deram, entretanto fazer isso pode parecer um ultraje contra o próprio Deus, ainda que não seja necessariamente isso. Algumas coisas são o que são, por quê são.

Eu costumava questionar o nome das coisas. Por que pedra se chama pedra ou por que água se chama água, fogo fogo... até hoje não sei bem por que algumas coisas são como são e tem o nome que lhes deram. Assim como desconheço muitos conceitos, entretanto sempre me pego pensando no caráter humano deles.

Lembro-me da estória bíblica do homem a quem Deus mandou que ele próprio matasse o filho, a fim de que  provasse a sua fé, o homem (da qual realmente não me lembro o nome) quase o fez, mas Deus o interrompeu.

Se este homem, a quem foi incumbido o dever de matar o próprio filho por Deus, o tivesse feito, estaríamos diante de um ato de fé ou de insanidade? Maldade ou Bondade? Sinceramente, não sei se isso ocorreria atualmente, e - em se acontecendo - se alguém creria nessa hipótese de que foi Deus quem mandou. E se Deus realmente mandasse que fizéssemos coisas da qual - segundo nosso julgamento - fossem atrocidades? Seríamos julgados pela nossa fé? Será que nossa concepção de valores são realmente tão ligadas ao divino? Ou simplesmente nos apegamos a elas quando é conveniente?

Coisas demais para se pensar numa noite só!!!

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Valentia, Las memorias de Caio Antonio Naso - Gabriel Castello Alonso


“Agora, nunca poderei dizer que não estive em um lupanar [prostíbulo romano]. Em troca, ficou marcada a primeira vez em que fiquei sozinho com uma mulher. Foi logo após o primeiro e desastroso convite. Essa angústia passou. Em uma tarde preguiçosa de verão, nos reunimos à sombra dos arcos do Fórum meu amigo Libieno, Emilio e eu com meu irmão Lúcio e um de seus amigos na cidade, um homem chamado Publius Quintilio Albo, um filho loiro de gauleses imigrantes. De qualquer forma, meu irmão e seu colega nos convenceram de que deveríamos ir juntos a um bordel fora das muralhas. Aquele famoso bordel estava perto da ponte de moinho e era uma casa de muito má reputação em círculos sociais valentinos. Sua notoriedade era má, porque mais do que um juiz era cliente regular. Era uma grande fachada, sem janelas, e um portão com um olho mágico, no meio de um bosque de acelga e alface. Depois de meu irmão tocar duas vezes a porta e dizer a coisa ininteligível ao escravo que espiou pela janela, as dobradiças da porta rangeram baixinhas e passamos ao prostíbulo. [...]
Neste instante, saiu de vários cantos dos quartos adjacentes uma variedade grande de meninas e meninos. Dessas, umas muito jovens e outras já maduras, iam vestidos com roupas de finíssimos tecidos, estavam maquiadas com todos os tipos de bálsamos exóticos e algumas outras tinham tingido o cabelo com pasta de sebo e cinzas. Aqueles insinuantes e sugestivos vestidos deixavam aparecer as auréolas coloridas que coroavas seus valiosos bustos e encaracolavam os cantos de suas virilhas. Os três jovens imberbes tinham seus corpos cobertos com óleos aromáticos e cobriam os seus membros com uma tanga curta e simples.
[...]
Meu irmão negociou no grupo e conseguiu fechar com Arvina os custos de sua apetitosa mercadoria, fechando em 50 moedas de prata por uma hora de trabalho. A menina morena que tanto gostava de mim pegou minha mão e me levou para o seu cubículo, uma pequena e encardida cabana onde um banquinho e uma cama eram sua única mobília. [...] Ela me levou ao seu ninho de delícias. Fechou as cortinas de serapilheira rasgados que fechavam a porta e me levou para a cama. Com um movimento lento e rítmico, se enrolou no vestido desde as panturrilhas, tirando-o por cima da cabeça, mostrando gradualmente em toda sua plenitude sua sublime nudez. Ela tinha grandes olhos cor de mel e um cabelo ondulado preto caindo em cachos sobre seus seios duros. Baixei meu olhar por um momento e vi como meu membro ereto já se marcava, e manchava, no manto. Lembro-me de suar como um escravo, não pelo calor úmido e intenso do quarto pequeno, mas por estar animado diante o toque iminente de nossos corpos …  E eu ainda estava com medo de não ser suficiente para aquela jovem. Apesar de sua pouca idade, a menina sabia bem o que fazia.
[...]
Quando saí do cubículo, suado, vaidoso e muito mais satisfeitos do que um general durante um Triunfo (a mais alta honraria concedida a um general do Senado depois de uma campanha vitoriosa), me encontrei com meus outros amigos que também confortavelmente haviam alcançado seu objetivo.” Tradução Marcel Verrumo (Superinteressante)

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Árvores

O trabalho é bom, gostoso e, segundo me consta, a única árvore que realmente dá dinheiro. Já ouvi falar de outras, mas nessa árvore realmente nascem notas e, dizem que se for um bom menino, pode até conseguir muitas delas de uma vez.

Pensei comigo, se a árvore do dinheiro chama-se trabalho... quanto mais trabalho eu plantar mais dinheiro vou ter. Só que me toquei que cuidar da árvore "trabalho" nem sempre é fácil. Normalmente gasta-se muito tempo. Agora eu fico pensando o que vale mais? O tempo ou o dinheiro? Não sei, isso realmente não sei. Só sei que as árvores "trabalho" tem dado dinheiro, mas tem me tirado tempo. Muito tempo.

domingo, 9 de setembro de 2012

Saindo de casa

-Você deveria sair mais. Ficar em casa mata a pessoa.
- Prefiro ficar em casa!
- Só isso que você sabe fazer? Parece até que faz parte do sofá. Isso não pode ser normal para um menino de quinze anos.
- Por que essa insistência toda?
- Você é novo tem que andar, mover o corpo.
- Não tem nada interessante pra fazer lá fora.
- Tem o mundo inteiro, tem pessoas e coisas.
- Prefiro ficar em casa.
- Você vai ficar louco trancado o dia todo dentro de casa. Vai fazer alguma coisa. VAI!
- Que saco.
Ele sai de casa, irritado com a insistência de sua mãe. Passam-se dez anos, e ele volta com algumas cicatrizes e um rosto cansado. A mãe que o esperou na janela durante quase todo esse tempo, corre e o abraça. Ela nunca mais o deixou sair de casa, nem para comprar pão na esquina!

sábado, 8 de setembro de 2012

Solidão

Será que sou (realmente) toda essa solidão que sinto? Abro a porta do quarto, saio até a escada e não ouço nada. Há um cachorro perambulando pela rua, tão sozinho quanto minha escura noite. Abro a geladeira, como se fosse lá encontrar algo que diminuirá tudo que sinto. Não há nada lá dentro. Será que sou toda essa solidão? Pego meu carro e saio sem destino pelas ruas da cidade. Encontros estranhos que são tão estranhos quanto eu sou naquele instante. Nada falo, nada ouço. Apenas vejo. São pessoas, talvez seja bom se relacionar, digo a mim mesmo. O que estou procurando? (me pergunto em seguida) Não sei responder. Ando pela cidade, com aquela sensação de que fugir para qualquer lugar é algo que conforta. Só sensação. Quando entro novamente no meu quarto o peso da solidão cai novamente sobre meus ombros, e me lembro que não há nada novamente na geladeira. Talvez eu devesse ir ao supermercado. Talvez eu tenha uma conversa rápida com alguém lá. Talvez... talvez... talvez... Acendo um cigarro. A noite engole meus pensamentos. Há uma linha tênue entre tudo que sou e o que sinto? Só solidão. Só solidão! A solidão é, às vezes, tão estranha quanto tudo que ela nos faz sentir. Tão confusa quanto procurar o que não existe. Talvez seja melhor assim. Talvez seja melhor ficar sozinho no meio da multidão. Talvez seja melhor ficar aqui sentado, ouvindo "não sei o quê" "não sei onde". Um dia a solidão vai passar, eu sei que vai. Porém um dia ela volta - ela vai voltar, indubitavelmente! - e eu? eu não estarei preparado, como nunca estive!

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

O sonho

Acordo! Os pensamentos em ebulição. A confusão toma conta de tudo, e de mim. Um sonho estranho. Uma vida conturbada. Acontecimentos sem sentido. Sonho. Era apenas um sonho. Lembro do cheiro das rosas de um jardim, e de feridas contraídas em espinhos. Lembro de solidão e desencantamento. Sensações de alegria e tristeza, dor e felicidade, amor e ódio. Era apenas um sonho, um sonho. Era apenas realidade.

sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Ad argumentandum tantum

- Eu não fiz isso!
- O que não foi feito?
- Eu, simplesmente, não fiz isso!
- Sim, mas o quê?
- Não queria saber o que eu não fiz.
- Sem saber fica difícil.
- Mas eu não fiz!
- Sei, e o que você não fez?
- O que eu não fiz!
- Não compreendo!
- Eu também não, mas eu não fiz isso!

terça-feira, 28 de agosto de 2012

Aláfia

Quero descansar. Rever as metas e plantar novos cenários, mesmo que eles sejam queimados com compaixão depois de um tempo. Quero o tempo, e fazer as horas voltarem casa a casa. Fazer uma casa na árvore só para não deixar os planos serem sepultados. Deixar as flores murcharem em homenagem às lúdicas paixões fenecidas. Recriar o sol, e queimar os prazeres adultos com o calor da infância. Recomeçar a vida num jogo de dados. Repetir os números, e esquecer a burocracia de se viver em jaulas. Pintar a eternidade com claves de sol. Permitir-se errar, e tropeçar nas poças d'água formadas pela chuva de inocência. Reviver o céu castanho de tudo que não é, e ser o astro reluzente que não é ouro.

sábado, 25 de agosto de 2012

O muro

Estamos cegos? Talvez a percepção esteja cega. A cantiga de ninar já não funciona aos afetos dessa nossa estrutura de beleza social que se tem criado, embora a beleza não exista. Há tudo e tudo é estratagema ilusório. Desencanto. Hei desencantar-me da cor do horizonte? Conheço o fio do horizonte e o teço em tranças de mil cachos... não ilusão! Estou cego, e minha capacidade de enxergar é nascente do solo gentil da doçura, dos ternos campos de florais, das pétalas de mim. Não da visão. Enxergar o abismo é cegar-se do céu. Cego. Estou cego, e a única coisa que posso enxergar é minha cegueira cantar, cantar, cantar.

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Absens non dicitur reversurus

Quem seria eu? Quem serei vós? Quem vós seremos? Quão absurda é a matéria. E ignoramos-a, às vezes, por meros caprichos humanos. Ó humanos. Humanos, humanos... Por que pecastes? Que pecado é o vosso? -mas o que é pecado, enfim- Quem dera eu saber das coisas ínfimas. A vida sempre me é um espetáculo, e geralmente eu não faço parte dele. É tão absurda a ideia de querer imaginar algo além do que há? Querer encontrar um mar morto vivo em outro canto do universo? Seria legal (não seria) manda um SMS para alguém que está a 100 anos-luz da terra. Quanta luz, quantos anos, quantas terras... Peque, ó inútil humano, mas em prol dos sorrisos e dos abraços, e apenas para esse fim. E que o absurdo se torne cotidiano, e que os beijos sejam corriqueiros, e as paixões sejam um plus... viva a vida - pobre humano - a vida que te seduz!

terça-feira, 21 de agosto de 2012

O tempo em partes

As pétalas do tempo caem sobre meu oceano, e as minhas ondas as levam. Tempo que tem cheiro de tempestade, qual minha idade? Tempo que tem cor de ilusão, qual minha paixão? Separa-te, tempo, em mim. Deixe que eu viva intensamente em teus púrpuros jardins!

domingo, 19 de agosto de 2012

Prazeres Verdadeiros - Parte II

A campainha soa. Ela ainda fuma seu cigarro na sacada, desta vez de toalha. Perdeu a hora observando um casal que brincava com jogos de sedução num canto qualquer da rua. A campainha soa novamente, e ela se prepara rapidamente para atender a porta.

Ao abrir a porta ela percebeu que se tratava de um homem branco entre 45 e 50 anos. Notou um ser vistoso, embora o tempo tivesse desgastado parte dessa beleza. Viam-se no rosto olhos de cor forte e sedutora. Os lábios rosados eram circundados por uma barba mal feita, mas que demonstravam certo cuidado. Trajada uma calça jeans, uma camisa pólo e sapato sujos pela poeira alaranjada das estradas de terra do interior da cidade. Ao ver aquele homem ela, de uma maneira sutil, sentiu algo estranho. Uma conexão. Algo que só sentira poucas vezes, normalmente quando estava desesperada por afeto. Não era o caso.

- Olá. Foi o que o homem disse, no mesmo instante em que ela acenou para que ele entrasse. Ela o notou lamber os lábios, enquanto a olhava de cima a baixo. Ela o pegou pela mão e foi com ele para a cama, mas sentia-se – estranhamente – receosa. Agiu moderadamente, ao contrário do que fazia de costume. Gostava de agir rápido para não perder o entusiasmo. Com esse homem, porém, ela não entendeu por que não estava conseguindo agir.

Ele se deitou na cama, e ela delicadamente começou a tirar-lhe o calçado. Uma lembrança de sua infância invadiu sua alma. Fizera isso no passado, mas não deu atenção. Continuou com o trabalho, e tentou agir – de forma quase desengonçada – sensualmente. Deitou-se sobre o homem, e beijou-lhe os róseos lábios. Novamente a sensação de proximidade invadiu seu corpo. Ela continuou, e ele, absorvido pelo ímpeto de prazer, segurou-a pelos cabelos e, aparentemente, tentava sugar dos lábios dela o prazer que ela vendia.

Eles rolavam pela cama. As mãos invadiam cada vez mais as lacunas do prazer. Ele se irrompia em gemidos, e ela tentava absorver algo do prazer que visivelmente proporcionava ao homem. Ele beijava-lha o corpo, e ela caminhava entre sensações que não podia explicar ou jamais havia sentido enquanto profissional.

O perfume que o homem usava lembrava-lhe alguém de quem ela não tinha lembranças. Ela conhecia o cheiro, mas não sabia de quem era. Ou, talvez, as lembranças estavam perdidas em algum lugar da sua consciência.

Ela fechava os olhos e um turbilhão de sensações e pensamentos invadiam sua mente. Ela não se permitia entender o que estava acontecendo, sequer. O homem continuava em sua busca sagaz pelo prazer. Deixou-a apenas de calcinha, e alimentava-se – tal qual uma criança – de um prazer líquido concebido através dos delicados seios dela. Ela abriu os olhos e o notou fazer expressões de completa introspecção, enquanto devorava algo que podia – muito bem para ele – ser comparado a um manjar dos deuses.

A cada novo segundo que passava, ela sentia sua conexão com o homem aumentar. Não era prazer, ou talvez não apenas isso.

Ele retirou a calcinha dela, e delicadamente começou a beijar-lhe os pés. Sentiu ela um formigamento, mas nada disse. Ele continuou. Beijou-a delicadamente até atingir-lha o sexo. Ela concentrava-se, mas sentia algo entre prazer, euforia e desconforto.

Estranhamente começou ela a ter pensamentos de seu pai. Lembranças de quando era ainda uma menina de apenas 04 anos, e foi abandonada juntamente com sua mãe para viver no extremo da miséria, sem, sequer, um lugar para morar. Lembrou-se que ele não era um pai atencioso, e que ele constantemente sumia por dias.

Abriu os olhos e tentou se concentrar em seu trabalho. Puxou a cabeça do homem e beijou-lhe os lábios ansiedade. Os pensamentos voltaram novamente. Em sua mente viam lembranças de que não sabia muito do seu pai, e tudo o que sabia sua mãe que lhe havia dito. Normalmente coisas terríveis, coisas que os ímpares dizem um do outro.

Tentou se concentrar novamente. Queria encerrar logo aquele turno. Não sabia quanto tempo havia passado, e tinha outros compromissos depois daquele. O homem continuava efusivo. Não fazia questão de dominar o prazer que sentia, ao contrário queria compartilhá-lo com a dama. Fazia questão de colocá-la em sua sintonia.

Pensamentos invadiam sua mente novamente. Dessa vez ela tentou lembrar por que sentia rancor por seu pai. Não se tratava apenas no abandono ou das coisas que sua mãe lhe havia dito, mas de que sua vida só era aquela por que ele a tornara assim. Ele rejeitou sua família, ela a rejeitou.

Começou a sentir-se deprimida com os pensamentos, e quanto mais tentava se afastar deles mais eles pareciam chover em sua mente. Tentou apenas não notá-los, a fim de que pudesse finalizar o trabalho.

Ela, neste momento, já empunhava o sexo dele em uma das mãos, e com extrema perícia o fazia tremer de prazer. Ele continuava de olhos fechados, ou talvez tivesse abdicado da visão para aumentar as sensações que pareciam aumentar em proporções geométricas.

Preparou-se ela para o ato final. Delicadamente retirou cada peça de roupa dele. Beijou-o os lábios, e começou a tecer as notas de sua grande e partitura. Cada toque era agora pensado. Os beijos delicados o faziam tremer ainda mais. Ela usava a euforia dele para estimulá-lo ainda mais. Ao chegar ao umbigo parou e deixou que seus seios tocassem o sexo dele. Algo delicado, e talvez algoz. Os estímulos que aquela posição causava eram percebidos pelo comportamento do homem que gemia, tremia e mais pedia.

Ela fechou os olhos, e sibilou a primeira nota do trecho final do ato. Eram arpejos. Notas subindo e descendo. Ela traduzia sua opera naquele ato carnal. Mantinha os olhos fechados para concentrar-se ao máximo. Ao sentir que o ato acabaria resolveu diminuir o tempo e abriu os olhos e afastou-se devagar. Nesse momento notou uma tatuagem, uma pequena tatuagem em grego, que a fez sentir paralisar. Uma estranha sensação de frio percorreu todo o seu corpo. Ela sentiu vertigem e laçou-se para a lateral da cama no mesmo instante em que começou vomitar.

Ela sentou-se no chão do quarto, e abraçou as próprias pernas. Pensava que aquilo não podia ser verdade. O homem sem entender o que acontecia sentou-se à beira da cama. Perguntou a ela como se sentia. Ela nada respondeu.

Tentava ela reorganizar sua mente. Compreender o que estava acontecendo. Talvez fosse uma coincidência, uma triste coincidência. Ela se levantou foi até o banheiro e de lá perguntou como era o nome do homem. Ele prontamente respondeu: - Agabo.

Silenciosamente começou a chorar. O ódio invadiu seu corpo e sua alma. Preparando-se para sair do banheiro ela disse: - Sabe como me chamo? - Não. - Abadir dos Reis. O homem nada disse.

Ao sair do banheiro ela disse: - Sentiu minha falta, papai? E desferiu seis tirou no peito do homem, que morreu instantaneamente.

Ela voltou ao banheiro, tomou um longo banho. De lá saiu já com a toalha e foi diretamente para a varanda fumar um cigarro. Voltou para o quarto escolheu uma bela roupa. Acendeu outro cigarro, rezou uma ave-maria, jurou que não seria mais puta. Sumiu no mundo não mais se sentindo aquela menina rejeitada, mas antes disso deu uma tragada no cigarro e jogou-o sobre a cama.

segunda-feira, 16 de julho de 2012

É sempre tarde

É sempre tarde. É sempre tarde demais parar reaver o que tivéramos, tivemos, teríamos... As festas acabaram, pessoal. Já é hora de ir embora. Ninguém quer ir, embora já não haja música ou iguarias. Algumas pessoas querem permanecer apenas por que não tem nada melhor para fazer ou por que se sentem tristes demais para levar a vida com solidão e um copo de vinho sobre a mesa de madeira. Vamos, sorriam, alguns dizem. Sorriam para a fortuna e para a beleza da festa. A festa nunca acaba, e é sempre tarde demais para acordar de ressaca, e ver que a vida já passou. Que a barba está malfeita e que ninguém - a não ser você mesmo - percebeu isso. É tarde demais para voltar atrás? Onde estão os sinais vermelhos? Por que ninguém te conta uma piada, apenas para te fazer ganhar tempo? É tarde demais, é sempre tarde demais. Cadê a realidade e a tristeza real? Quem disse que é tarde demais já perdeu o bonde, mas a festa... ninguém  nunca pensa em perder.

domingo, 27 de maio de 2012

Dias estranhos

Abri a porta do quarto. Senti o cheiro de coisas velhas entoxicar meu cérebro. É uma sensação estranha e gostosa ao mesmo tempo. Deixei a mala sobre a cama, e sentei-me sem qualquer ideia do que fazer. Distrai-me com uma formiga que subia pela parede da frente, desorientada. Ela dava voltas, talvez em busca de algo da qual não tinha ideia do que era. Talvez apenas estivesse dando um tempo de sua vida comum e cansada de procurar comida. Não sei ao certo, apenas me perdi ali vendo-a subir e descer sem qualquer objetivo. Pensei nela e me vi ali. Eu também estava dando voltas. Estava perdido e sem destino. Olhei a mala sobre a cama. Dentro delas várias roupas empilhadas de forma desorganiza, além de outros objetos, também desorganizados. Era sempre assim. Organizar a vida não é algo que a gente faz com frequência. Por que organizar-se? Das sociedades mais organizadas, nenhuma é humana. Estranho esse fato de as pessoas não se organizarem para viver bem, ou viver bem para se organizarem melhor. Eram apenas pensamentos esparsos. Eu era esparso. A formiga na parede ainda estava lá. Perdida e solitária. Eu também. A mala me dava uma opção, mas para onde eu iria? Sair de mim mesmo era uma opção muito melhor. Eu nunca quis tanto ser uma formiga quanto naquele momento. Eu e a formiga éramos como dois indivíduos solitários em buscas das perguntas certas. Perguntas sem respostas. A formiga foi embora, talvez tenha voltado para sua sociedade ou apenas foi embora viver em uma sociedade que não era a sua por natureza. Talvez eu devesse fazer isso também, mas eu sempre tive medo disso que é novo. Quem sabe ela também. Eu queria fazer uma metamorfose, queria me tornar outro, ou apenas ser alguém que se encaixasse. Quis me tornar uma formiga, e viver para me alimentar e alimentar a minha sociedade. Quis ser livre e viver, mas só desfiz minha mala e dormi até a segunda-feira de manhã quando eu teria que trabalhar novamente.

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Noites

Suspeito dessas noites de calmaria. Elas costumam esconder o que há de mais profundo no mundo. Um tic-tac soa levemente, mas ninguém percebe. A lua passeia. A vento sopra gélido. As trevas cobrem as camas daqueles que pensam dormir ilesos. Os corvos pousam nos ipês amarelos. Os sonhos desaparecem, e por algumas horas a vida também.

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Schopenhauer, amor e Los Hermanos


Enquanto ouço Los Hermanos (Bloco do eu sozinho) leio Schopenhauer, em sua tarefa de falar sobre o amor. O tema, como é sabido, não é muito explorado pela filosofia, normalmente a música, os poetas e os romancistas são dados a essa tarefa. Schopenhauer, contudo, explorou o que chamamos de amor, e o fez com muita propriedade. Para ele o amor era a natureza agindo para perpetuar a espécie. (Bem diferente desse amor que conhecemos, né?). Para ele o amor era o  “impulso de vida”. Ele teorizou que “nada na vida é mais importante que o amor, porque o que está em jogo é a sobrevivência da espécie”. Isso por que o amor é uma tática da natureza para nos levar a ter filhos.

Não é difícil acreditar nisso, até por que não sabemos muito bem como surge esse tal amor. As pessoas se apaixonas umas pelas outras, mas não entendem o porquê de terem se apaixonado especificamente por aquela pessoa, dentre tantas outras opções. Schopenhauer pensou nisso: a paixão nasce por uma pessoa quando sentimos, de forma inconscientemente, que ela pode nos dar herdeiros saudáveis.

Seria o amor esse tal "impulso de vida" da qual falava Schopenhauer? Ou simplesmente não existe amor e o que temos é a natureza agindo para contribuir com o perpetuamento saudável da espécie? Não há dúvidas de que essa teoria se aplica aos outros animais, isso por que, ao que sabemos, eles sempre buscam os mais aptos a darem crias saudáveis e fortes.

Evidências existem de que essa teoria se aplica a nós. Podemos considerar, principalmente, o fato de que a paixão e o interesse sexual estão intimamente ligados. A paixão, normalmente, nasce de impulsos ligados à sexualidade. Não seria, nesse caso, a natureza nos dizendo que aquela pessoa poderia nos dar herdeiros saudáveis? Parece-me que o instinto de subsistência tem sim participação profunda nessa questão apresentada por Schopenhauer. Nessa situação o amor seria apenas uma armadilha que a natureza criar para as espécies humanas buscarem parceiros com características ideais para procriarem herdeiros saudáveis.

Por fim, ele diz que a felicidade não está em questão. A natureza age com intuito de perpetuar a espécie, nada além disso.

Continuo ouvindo Los Hermanos, e tentando entender por que o amor moderno é um fruto tão precioso do capitalismo. Sim, capitalismo. Embora pareçam ideias tão distantes. O capitalismo, penso eu, tem utilizado do amor para construir um império de enriquecimento. Vende-se muito, simplesmente isso. A partir do momento que perceberam que o amor vendia, eles simplesmente transforam-no em algo irreal e inalcançável. Transformaram-no em felicidade plena, embora no mundo real nada disse seja verdadeiro.

O que é o amor, afinal? Ele existe? É uma brincadeira da natureza ou simplesmente um produto? Enquanto não consigo responder essas perguntas, vou continuar ouvindo Los Hermanos.

sexta-feira, 2 de março de 2012

Era uma vez na ditadura...

No primeiro, e talvez o único, dia da ditadura de um pequeno país, cuja localização não se sabe ao certo. Um homem anda assustado pelas ruas. Há um negrume fundo no lugar dos olhos esbugalhados. Os lábios tremem. As mãos suam. O sangue circula pelas pernas, e ele quer correr violentamente até a solidão, mas se retém. Não olha pra ninguém, porém impõe-se atenção a todo custo. Anda apressado e sem se preocupar com coisa alguma. Um homem de terno preto e óculos escuros parece lhe seguir. A vontade de correr é insuportável. Olha de soslaio para verificar se está sendo seguido, e parece estar. O homem de terno preto e óculo grita alguma coisa. Ele simplesmente começa a correr verificando, com frequência, se continua sendo seguido, e não consegue ouvir nada. O homem de terno preto e óculos corre também – e grita –, mas é tarde. O homem foi atropelado por um caminhão, e a última coisa que ouviu foi o homem de terno preto e óculos dizendo, enquanto segurava um objeto preto na mão:
- Senhor, o Senhor deixou cair sua carteira!