domingo, 21 de março de 2010

A vida complexa dos azulejos

Sentado no canto inóspito e hermético de um quarto vazio e sombrio, enquanto subtraia das sombras os raios mais fulgidos, perguntava ao azulejos encardidos se era isso o que eles queriam ser. Ante a ausência de resposta, entendia-se que eles eram indiferentes à natureza de sua existência. Eles faziam, e apenas faziam, o que tinham sido programados pra fazer. Era tão estranho ver que eles não podiam ser mais nada, que não tentavam ser mais nada. Como se entregavam àquela natureza obscura e trágica da qual lhes haviam dito ser suas. Os azulejos se conformaram com a vida que tinham. Talvez não tenha sido sempre assim, talvez, e apenas talvez, já tenham tido vontade de lutar para serem outras coisas, todavia hoje eram só azulejos encardidos. E pareciam não se importar, por que só essa natureza, forçada e morta, lhes fazia sentir como que confortáveis. E ele, que não sabia quem era, se perguntava por que ser azulejo era tão difícil, tão complicado. Ele percebeu que os azulejos não respondem. Eles apenas mostram o que são, e os outros que copiem, caso queiram, sua esquadria.

sábado, 20 de março de 2010

Daquilo que se perde sem querer...

Sem querer, a gente perde coisas da qual demoramos muito tempo para conquistar, adquirir ou construir. Por quê? Parece-me, geralmente, que ao darmos muito valor à própria coisa, esquecemos de valorizar o que a envolve. Tudo que envolve a coisa é tão [ou mais] importante que a própria coisa. Dessa forma, olvidamos o contexto e as relações transitórias de relevância para a coisa, e [por nossa total e exclusiva culpa] perdemos essa coisa; Lamentar nessa situação não me parece ser de grande alívio, nem tampouco uma distração para a nossa infelicidade. Ao perder a coisa ela parece que se intensifica em nós, porém não é coisa em si que está nós. É, apenas, uma lembrança dela. É como que reescrever o que se apagou, e imaginar que é a mesma coisa que se havia escrito antes. Não é. Jamais será!

quarta-feira, 17 de março de 2010

Daquilo que não se conquista

Há ideais que nascem fadados ao engano. Nascem, apenas nascem. Germinam ninguém sabe como e prevalecem nos mais inóspitos ambientes jamais vistos. Como se - de uma forma totalmente alheia à sua própria natureza - tivesse que sobreviver do que não se sobrevive. Tirando alimento do silêncio, da falta, do que se não tem... Eis o próprio Silêncio e Ausência interior! Há coisas que não se conquista, por mais que se lute uma vida toda por ela, e tudo aquilo que não se pode conquistar deve ser apenas mais um degrau de uma escada sem degrais.

Antecedentes

Que importa a paisagem, a Glória, a baía, a linha do horizonte?
— O que eu vejo é o beco.
[Manoel Bandeira]

Eu que já tanto disse, hoje, contudo, engulo minhas amargas palavras. Elas possuem o gosto do fel! Falo, mas tu não me ouve. Não me escreve. Não me lê. O que foi que eu fiz? O que foi que não fiz?

Não é como antes que não me ouvia, apenas para não se lembrar que minhas palavras não tinham importância alguma. Agora é tudo diferente, indiferente. Faço-me em rasgados verbos, mas nenhuma conjugação te impressiona. Nada te impulsiona, nada te agrada, nada!

O que foi que eu fiz?
Hoje sei. Quis conhecer-te, quando um alguém não mais quisera!

terça-feira, 2 de março de 2010

Cortinas

Acordo, pela manhã.
Levanto-me, com cuidado.
Deslizo até a janela,
descortino-a, e vejo.
Vejo o sobejo rio,
e rio.
Solitário,
a vasta ingênuadade
que me escapa,
quando se fecham
as cortinas.