segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Flogose XCVI

Luis Fernando Verissimo disse:
"Não deixe que a saudade sufoque, que a rotina acomode, que o medo o impeça de tentar. Desconfie do destino e acredite em você. Gaste mais horas realizando que sonhando, fazendo que planejando, vivendo que esperando, porque embora quem quase morre esteja vivo, quem quase vive já morreu."

Flogose XCV

Tão fácil dizer algumas coisas, enquanto que outras encontramos dificuldade tamanha em proferí-las. Existem inúmeros subterfúgios e todos eles cabem exatamente na boca, quando outra coisa, mais necessária a ser dita, não sopra dos pulmões. Eu poderia facilmente dizer inúmeros pensamentos aqui, contudo não conseguiria proferir um que fosse tão íntimo a ponto de me trazer algo tipo de vergonha. Muitas vezes nos encontramos nestes becos. Nesses poços escuros e lamaçentos, e não há voz nenhuma que sopre de canto nenhum do mundo que nos fará pensar ou ajudar-nos-á a tomar uma decisão sensata sobre o que deveríamos realmente dizer. No contexto geral quanto mais importante é o que temos que dizer, menos facilidade tempos em dizer. Esses muros sem janelas já são meus recantos há tempos. Muros e muros. Nenhuma ponte, nenhum castelo, apenas um muro altíssimo! Tão alto quanto é profundo o oceano e tão vasto quanto o deserto do Saara. Cercar-me-ia de água, caso houvesse opção de fazê-lo. Devo falar, sim realmente devo, mas não falo. Se falo minto, se não falo minto. Tudo é mentira! A verdade está guardada dentro de um minúsculo átomo no cérebro e tão pequeno quanto este é o desejo de expor tal verdade, enquanto que tão grande quanto o universo é o desejo de ver-se livre deste átomo corrosivo. Importa-me dizer que algumas coisas inventadas, as vezes, soam com melhor timbre que a própria verdade. Os sinceros, convenhamos que não há benefícios em sê-lo, estão rotineiramente acometidos de algum mal que provém de sua boca, de sua fala. Falam e falam, costumeiramente, o que acham, pensam, o que lhes é verdade. Todavia ninguém bebe um copo de verdade por dia, pois o sabor é muito amargo, tanto para que cospe, quanto para quem engole! O sincero é todo aquele que ninguém gosta de tê-lo perto, a não ser que haja um benefício em tê-lo perto, ainda assim não gosta! Falaram-me, certa vez, que não convém omitir quando a postergação de um ato possa trazer prejuízos maiores, se forem derramados num futuro próximo. Vejo, contudo, que independente do momento em que bebamos da verdade o gosto será o mesmo e a dor estomacal será a mesma. É bem verdade que fatores externos podem intensificar as percepções e deixá-las muito maiores do que são, mas isso é relevante? Ser-nos-emos menos "malvados" se falarmos algo, não hoje, mas amanhã ou depois? Não, creio que independente do momento haverá sempre alguém para falar: - Agiste precipitada e nefastamente! É melhor não dizer. Sim, é sempre melhor não dizer! Em algumas coisas as pessoas não acreditarão quando a verdade for exposta e em outras se omitir uma mentira insistirão que você realmente fez, o que absolutamente não fez. Não há remédio para isso. E quando houver necessidade de promover justiça com a verdade, ainda assim é melhor omitir algumas coisas, pois haverá alguém que se sentirá lesado. Há meses que em minha cabeça habita um monstro sem face! E todos os dias esse monstro diz que tenho que fazer algumas coisas, mas tais coisas não parecem sensatas. Quer dizer, sensatas até que são, mas não seriam justas se eu indicasse alguns pressupostos que constituem os atos da peça inteira. Normalmente um personagem faz algumas coisas tentando não machucar as pessoas, mas sabemos bem que sempre machucam, ainda que não tenham intensão de fazê-lo. Eu não sou esse personagem! Sou o vilão. O lado negro da força. Hesito diante das conjunturas visando estruturar o terreno para a plantação e planto! E nascem muitas coisas, mas nada do que queria eu que nascessem. Aqui entra o segundo ato, ato este que constutiu acabar com a plantação (sou mesmo o vilão, não?). Creio que não há solução outra que não esta. Ser sincero é um vício que não tenho! Ademais não poderia ser sincero, pois isso é um defeito que traz problemas significantes para o contexto geral das relações. - Isso meu amigo, vá em frente e faça o que tem que fazer. Alguém sempre irá sofrer, talvez esse alguém seja você, tudo é possível! Gostaria de poder dizer isso sem que tais palavras causassem um certo temor ou ressentimento. Impossível, sinceridade e falta de temor são produtos que quase nunca se misturam e quando misturam coisa boa não sai. {Pensamentos e exemplos omitidos} Não minta, mas omita! A verdade é valiosa demais para ser a causa de sua ruína. {...}

sábado, 18 de outubro de 2008

Flogose XCIV

VERDADES.
A aliança Luis Fernando Verissimo Esta é uma história exemplar, só não está muito claro qual é o exemplo. De qualquer jeito, mantenha-a longe das crianças. Também não tem nada a ver com a crise brasileira, o apartheid, a situação na América Central ou no Oriente Médio ou a grande aventura do homem sobre a Terra. Situa-se no terreno mais baixo das pequenas aflições da classe média. Enfim. Aconteceu com um amigo meu. Fictício, claro. Ele estava voltando para casa como fazia, com fidelidade rotineira, todos os dias à mesma hora. Um homem dos seus 40 anos, naquela idade em que já sabe que nunca será o dono de um cassino em Samarkand, com diamantes nos dentes, mas ainda pode esperar algumas surpresas da vida, como ganhar na loto ou furar-lhe um pneu. Furou-lhe um pneu. Com dificuldade ele encostou o carro no meio-fio e preparou-se para a batalha contra o macaco, não um dos grandes macacos que o desafiavam no jângal dos seus sonhos de infância, mas o macaco do seu carro tamanho médio, que provavelmente não funcionaria, resignação e reticências... Conseguiu fazer o macaco funcionar, ergueu o carro, trocou o pneu e já estava fechando o porta-malas quando a sua aliança escorregou pelo dedo sujo de óleo e caiu no chão. Ele deu um passo para pegar a aliança do asfalto, mas sem querer a chutou. A aliança bateu na roda de um carro que passava e voou para um bueiro. Onde desapareceu diante dos seus olhos, nos quais ele custou a acreditar. Limpou as mãos o melhor que pôde, entrou no carro e seguiu para casa. Começou a pensar no que diria para a mulher. Imaginou a cena. Ele entrando em casa e respondendo às perguntas da mulher antes de ela fazê-las. — Você não sabe o que me aconteceu! — O quê? — Uma coisa incrível. — O quê? — Contando ninguém acredita. — Conta! — Você não nota nada de diferente em mim? Não está faltando nada? — Não. — Olhe. E ele mostraria o dedo da aliança, sem a aliança. — O que aconteceu? E ele contaria. Tudo, exatamente como acontecera. O macaco. O óleo. A aliança no asfalto. O chute involuntário. E a aliança voando para o bueiro e desaparecendo. — Que coisa - diria a mulher, calmamente. — Não é difícil de acreditar? — Não. É perfeitamente possível. — Pois é. Eu... — SEU CRETINO! — Meu bem... — Está me achando com cara de boba? De palhaça? Eu sei o que aconteceu com essa aliança. Você tirou do dedo para namorar. É ou não é? Para fazer um programa. Chega em casa a esta hora e ainda tem a cara-de-pau de inventar uma história em que só um imbecil acreditaria. — Mas, meu bem... — Eu sei onde está essa aliança. Perdida no tapete felpudo de algum motel. Dentro do ralo de alguma banheira redonda. Seu sem-vergonha! E ela sairia de casa, com as crianças, sem querer ouvir explicações. Ele chegou em casa sem dizer nada. Por que o atraso? Muito trânsito. Por que essa cara? Nada, nada. E, finalmente: — Que fim levou a sua aliança? E ele disse: — Tirei para namorar. Para fazer um programa. E perdi no motel. Pronto. Não tenho desculpas. Se você quiser encerrar nosso casamento agora, eu compreenderei. Ela fez cara de choro. Depois correu para o quarto e bateu com a porta. Dez minutos depois reapareceu. Disse que aquilo significava uma crise no casamento deles, mas que eles, com bom-senso, a venceriam. — O mais importante é que você não mentiu pra mim. E foi tratar do jantar.
Esta é outra estória que não me causa estranheza. Há nela muita coerência com os fatos do mundo real. Isso acontece, e poderia dizer que existe frequência nos acontecimentos de tais situações. É melhor fazer assim que ser desacreditado na verdade contada, verdade esta que passará por mentira e acabará em maiores conflitos. A única verdade é que a verdade é complicada demais para ser dita, em algumas vezes.

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Flogose XCIII

Pelas tantas da noite o cérebro começa a afundar-se em pensamentos e mais pensamentos, muitos deles vagos demais para se prender a eles, muitos outros sem o mínimo de comprometimento com o que se deve pensar, todavia são todos eles vagos todos os que vem à noites, já que a maioria se acompanha de sentimentos inutilizáveis. Não há muito que se possa fazer numa situação dessas. O melhor seria beber, mas como o álcool não apetece-me a mente, como faz o cigarro, melhor foi procurar dentre minha pequena biblioteca algo para se ler. Foi então que encontrei: A Verdade, que agora transcrevo.
“A verdade Luís Fernando Veríssimo. Uma donzela estava um dia sentada à beira de um riacho, deixando a água do riacho passar por entre os seus dedos muito brancos, quando sentiu o seu anel de diamantes ser levado pelas águas. Temendo o castigo do pai, a donzela contou em sua casa que fora assaltada por um homem no bosque e que ele arrancara o anel de diamante do seu dedo e a deixara desfalecida sobre um canteiro de margaridas. Os pais e os irmãos da donzela foram atrás do assaltante e encontraram um homem dormindo no bosque, e o mataram, mas não encontraram o anel de diamante. E a donzela disse: Agora me lembro, não era um homem, eram dois. E o pai e os irmãos da donzela saíram atrás do segundo homem, e o encontraram, e o mataram, mas ele também não tinha o anel. E a donzela disse: – Então está com o terceiro! Pois se lembrava que havia um terceiro assaltante. E o pai e os irmãos da donzela saíram no encalço do terceiro assaltante, e o encontraram no bosque. Mas não o mataram, pois estavam fartos de sangue. E trouxeram o homem para a aldeia, e o revistaram e encontraram no seu bolso o anel de diamante da donzela, para o espanto dela. – Foi ele que assaltou a donzela, e arrancou o anel de seu dedo, e a deixou desfalecida – gritaram os aldeões – Matem-no! – Espere! – gritou o homem, no momento em que passavam a corda da forca em seu pescoço – Eu não roubei o anel. Foi ela que me deu! E apontou a donzela, diante do escândalo de todos. O homem contou que estava sentado à beira do riacho, pescando, quando a donzela se aproximou dele e pediu um beijo. Ele deu o beijo. Depois a donzela tirara a roupa e pedira que ele a possuísse, pois queria saber o que era o amor. Mas como era um homem honrado, ele resistira, e dissera que a donzela devia ter paciência, pois conheceria o amor do marido no seu leito de núpcias. Então a donzela lhe oferecera o anel dizendo: “Já que meus encantos não o seduzem, este anel comprará o seu amor.” E ele sucumbira , pois era pobre, e a necessidade é o algoz da honra. Todos se viraram contra a donzela e gritaram: “Rameira! Impura! Diaba!” e exigiram o seu sacrifício. E o próprio pai da donzela passou a forca para o seu pescoço. Antes de morrer, a donzela disse para o pescador: – A sua mentira era maior que a minha. Eles mataram pela minha mentira e vão matar pela sua. Onde está, afinal, a verdade? E o pescador deu de ombros e disse: - A verdade é que eu achei o anel na barriga de um peixe. Mas quem acreditaria nisso? O pessoal quer violência e sexo, não histórias de pescador.”
O interessante na estória é que ela própria é a mais pura verdade, pois normalmente omitimos ou mascaramos a verdade sob o subterfugio de que ninguém acreditará nela. As razões pela qual a omissão da verdade é mais valiosa que a verdade talvez se deva ao fato de que a verdade é muito mais simples do que deveria ser. Contemos a verdade e vejamos quem realmente acredita. Somos ensinados, quando crianças, que não devemos mentir, mas ninguém quer realmente saber a verdade. O que fazemos então?

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Flogose XCII

Conversa de bar. 1- Deus não existe. 2- Claro que Deus existe, tanto existe que já provou sua existência. 1- Provou como? Nunca vi nenhuma evidência de que ele existiu ou exista. 2- E os milagres? As pragas do egito? O mar que foi aberto? 1- Isso a ciência já provou que pode acontecer sem o dedo de Deus. 2- Mas a coincidência é muito grande não acha? 1- Não acho, não. 2- O mundo foi criado como então? 1- Os cientistas já provaram que o mundo foi feito por quatro elementos básicos. 2- E quem criou os elementos... 1- Os elementos já existiam... 2- Não vem com essa, Deus existe sim. 1- Não existe. 2- Existe. 1- Não existe. (Um assaltante entra gritando) A- É um assalto. 1- Meu querido Deus (deitado no chão com as mão atadas) por favor me ajude. Eu prometo que nunca mais falo Seu nome em vão. 2- Oh! pára de brincadeira! Esse negócio de assalto não pega mais e é uma brincadeira muito da sem graça! Senta aí e vamos tomar uma cerveja com a gente. 1- (baixinho) Obrigado senhor.

Flogose XCI

Conversa de bar! 1- Essa história de amor é uma farsa. 2- Você está louco? 1- Estou dizendo. É uma farsa. 3- Não concordo. Não existe farsa no amor, as pessoas amam. 1- Não! O amor se resume ao bom e velho sexo. 2- O sexo sem amor é como... como... como... 1- Sexo sem amor é sexo. Amor sem sexo é sexo. 3- Não, não, não! Sexo sem amor é cerveja sem espuma. 1- O amor não existe. 2- Existe. Eu amo minha mulher. 4- Acho que estou bêbado. 1- Não há nada melhor que sexo. 3- Há sim, o amor. 2- O Amor. 1- O amor é uma ilusão, uma ILUSÃO. 4- Acho que vou vomitar. 3- Acho que sou romântico. 2- Pode ser. 1- Deixem de loucura. O amor é coisa tola. 2- Eu amo e ponto. 3- Não vamos mais discutir sobre o amor. Acredita quem quiser. 4- Olha que maravilha de garçonete. 3- Uma boneca, não? 1- Uma graça e tem um sorriso encantador. 2- Eu poderia amar uma mulher como aquela... 1- Mas você já não ama sua esposa? 2- Sim, mas é diferente. 3- É diferente. 4- Está acabando a cerveja. Eu amo cerveja. 1- Você são tapados! Não sabem o que é o amor. 2- E é você quem vai nos dizer o que é o amor? 3- É você? 1- Por quê não? 4- A cerveja acabou! 2- Você nunca amou ninguém. E é incredulo. 3- É. Você é incrédulo. 1- Isso não tem nada haver. Eu sei o que é o amor. 2- Sabe coisa nenhuma. 3- Coisa nenhuma... 1- O amor é um sentimento arrebatador. Que desnorteia as pessoas. Deixam-nas cegas. Deixam-nas sem medo. É um sentimento que faz a pessoas quererem estarem perto das outras sem ao menos saber por quê. Faz com que pensemos que a vida começa com uma pessoa e sem ela tem que terminar... 2- Como é? 3- hum...? 4- Chegou a cerveja. Vamos beber. 1- O que eu disse? 2- Acho que está apaixonado. 3- Está apaixonado! 1- Não estou. Só sei... 4- Amo cerveja e amo a garçonete. 1- A garçonete. Eu faria amor com ela... 2- A-há... Se confessou. 3- Confessou! 1- Acho que estou amando. 2- Isso vale um brinde. 3- Um brinde. 2- O amor deixou de ser ilusão? 1- Acho que é o efeito do álcool. Preciso de sexo, por quê o amor me deixou tonto.

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Flogose XC

- O que há na noite? - Há muita coisa! - Mas o que realmente há na noite? - Não sei, talvez o que queremos que tenha. - Pode ser ou talvez apenas solidão e silêncio.

terça-feira, 14 de outubro de 2008

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Flogose LXXXVIII

É que eu tenho essa mania de ficar me explicando que me enrola e me complica um pouco de vez em quando É que de vez em quando eu resolvo me explicar e se eu fico me explicando eu me complico sem parar É que eu fico atrapalhado procurando a explicação pra explicar por que eu me explico - e se eu não me explico, por que não Na verdade se eu me explico sempre e sempre fico assim deve ser alguma coisa que eu não expliquei pra mim Ou então eu expliquei mas não entendi direito porque não expliquei direito, porque ninguém é perfeito Mas no fundo tem um jeito simples de simplificar Só que o simples normalmente é complicado de explicar É que eu explico sempre a mais e a complicação vem junto É que eu me explico até demais e até desvio do assunto Mas é simples: tem coisa que não tem explicação Ou até tem, mas é melhor não explicar porque é em vão A investida pra tentar descomplicar o complicado ou simplificar o simples e deixar tudo explicado só complica mais as coisas e me deixa mais confuso vendo que na minha cabeça tá sobrando parafuso É que as peças não se encaixam e por mais que eu sempre trave sempre tem alguma solta e eu não encontro a chave É por isso que eu me explico, que é pra ver se me explicando eu acabo me entendendo um pouquinho de vez em quando Mas por mais que eu me concentre, tem alguma coisa errada porque tudo que eu entendo é que eu não entendo nada Eu só sei que nada sei e a explicação tá dada. Gabriel o Pensador, in Diário Noturno

sábado, 11 de outubro de 2008

Flogose LXXXVI

- Oi. - Oi. - Eu estava te olhando de longe... Você vem sempre aqui? - Só quando eu estou com vontade de fazer xixi. Quem te deixou entrar no banheiro das mulheres? - Entrei escondido queria falar com você. - Não podia esperar eu terminar primeiro? - É que eu sou muito ansioso... Não é sempre que se encontra a mulher da nossa vida numa festa de formatura. - Mulher da vida de quem? - Da minha vida. - Que espécie de maluco é você? - O homem da sua vida! - Como é que é? - Sou o cara que nasceu pra casar e ter filhos com você. - Essa é a sua melhor cantada? - É sério...vamos conversar. - Quer fazer o favor de fechar essa porta? Eu ainda não terminei. - Desculpe. Um homem sabe quando avistou a mulher ideal. Geralmente ela é bonita, sexy, tem gostos refinados e inteligência suficiente para ignorar suas gracinhas. É fina, detesta vulgaridades. - Me deixa vomitar em paz? - Achei que você só estivesse apertada. - O que eu faço no banheiro não é da sua conta.. - Eu me importo com você. - Socorro, tem um homem aqui dentro. - Psiuuuuu, não grita, eu só quero saber seu nome. - Eu tô bêbada demais pra saber meu nome. - Também estou um pouco tonto, confesso. Viu como a gente combina? - Sai daqui e fecha essa porta antes que eu te jogue esse balde de lixo na cabeça. - Algumas pessoas passam a vida toda procurando por um amor perfeito. Alguém que te complete e ajude no que for preciso, faça companhia em todos os momentos. - Cara, como você é chato. - Melhorou? - Não acredito que você me assistiu fazendo aquilo. - Foi a coisa mais linda que eu já vi. - Acorda, seu idiota. Eu botei um pão de batata pra fora. - Eu também adoro pão de batata com tequila. - Espirrou em você, seu porco. - Eu não ligo. Seu vômito é o meu vômito. - O que eu fiz pra merecer um maluco desses atrás de mim? - Tem coisas que só o destino pode explicar. - De que planeta você veio? Larga do meu pé, chulé. - Só você não percebeu que isso tudo não foi por acaso. - Você me seguiu, eu pedi ajuda, ninguém te tirou do banheiro, eu te dei um banho de bolo de chocolate e cerveja. - Nosso primeiro encontro... - Nada disso é um encontro. Sai da minha frente. - Não posso abandonar a mulher da minha vida. - Que papo é esse? Deixa-me ver o que colocaram no seu whisky? - É sério, nunca ouviu falar nisso? - Whisky com bolinha alucinógena? É claro que sim. Nunca aceite o copo de um estranho. - Nós somos o casal ideal. Nascemos um pro outro. Sabe quais são as chances disso acontecer numa festa de formatura? Uma em cada 150 milhões. - Bem menores do que as chances de eu te dar uma porrada. - Você não faria isso com seu futuro marido. - Vamos do começo... Um: eu já tenho namorado. Dois: você não faz meu tipo. Três: isso não é uma festa de formatura. É a festa de 15 anos da Maria de Fátima. - O segredo da relação perfeita está na identificação de sua alma gêmea. Geralmente ela é loira, alta e tem um piercing no nariz. Pode também não ser nada disso. Não importa. O grande lance é perceber se essa alma combina com a sua, tem gostos iguais, beijo bom e, de preferência, um cabelo sem gel. Quer apostar que nós nascemos um pro outro? - Ridículo... vou ficar com peso na consciência. - Por que não tenta? Fala uma cor. - Preto. - A ausência de todas as cores... A minha preferida também. - Que bobagem. - Um filme. - "101 Dálmatas". - O mesmo que o meu... Quer prova mais definitiva? - Ah! Eu nunca vi esse filme na minha vida. - Roubar não vale. - Que papinho mais furado... Se toca, eu não fui com a sua cara. - Última chance. Fala uma música. - Ai que saco... Qualquer uma do Daniel. - Daniel? Tem certeza? - Absoluta. - Então você tem razão... minha mulher ideal não gosta de música sertaneja. - É mesmo? E que som ela curte? - Rock, alguma coisa de Jazz... dependendo do dia, MPB. - O que tem de errado com Leandro e Leonardo, KLB, É o Tchan? - Nada, só que você não é mulher pra mim. De qualquer forma, foi um prazer. Todo mundo erra. Quem nunca pensou ter encontrado o grande amor e depois descobriu que ele roncava, tinha caspa e não era muito chegado a banho no inverno? Se fosse fácil não teria graça. O importante é não desanimar, e se não foi dessa vez, partir pra outra. Tente declamar seu poema predileto em praça pública e espere alguém completá-lo. Se ninguém se manifestar, saia correndo. Podem ter chamado a polícia. - Espera. - O que foi? - Eu também gosto de MPB. Minha mãe ouve Chico Buarque o dia inteiro.Tecnicamente, se eu estou em casa, também ouço. - Não sei.... Acho que foi um engano. - Como você pode saber? - Olhando bem... você é mais alta do que eu imaginava. A mulher da minha vida tem 1, 60 de altura. Foi um prazer. - Espera, eu estou de salto. Olha só... fiquei mais baixa. - Você não tem nada a ver comigo. - Tenho sim. - Que interesse repentino pela minha pessoa... Até um minuto atrás você queria que eu fosse embora. - Também não sei o que me deu. - Você tomou do meu whisky, foi isso? - Não... quer dizer, não lembro. - Cadê seu namorado? - Está na minha frente, com uma coisa esquisita na camisa... - Que nojo... o que mais você comeu, hein? - Miojo, antes de sair de casa. - Eu não posso ser seu namorado, você já tem um. - Eu menti. - Só pra me dar o fora? Conseguiu. Tchau. - Volta aqui, meu amor. Pega uma vodka pra mim. - Sai de perto de mim, sua louca. - Só saio daqui casada. - Socorro. - Achei o homem da minha vida!!! (L. F. Veríssimo)

Flogose LXXXV

Manuel de Barros:
“Que hei de fazer se de repente a manhã voltar? Que hei de fazer? - Dormir, talvez chorar”.

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Flogose LXXXIV

Shakespeare disse:
"Depois de algum tempo você aprende a diferença, a sutil diferença entre dar a mão e acorrentar a alma. E você aprende que amar não significa apoiar-se,e que companhia nem sempre significa segurança. E começa aprender que beijos não são contratos, e que presentes não são promessas. E começa a aceitar suas derrotas com a cabeça erguida e os olhos adiante, com graça de um adulto e não a tristeza de uma criança. E aprende a construir todas as suas estradas no hoje, porque o terreno do amanhã é incerto demais para os planos, e o futuro tem o costume de cair meio em vão. "Depois de algum tempo, você aprende que o sol queima, se ficar a ele exposto por muito tempo. E aprende que, não importa o quanto você se importe, algumas pessoas simplesmente não se importam... E aceita que, não importam quão boa seja uma pessoa, ela vai feri-lo de vez em quando, e você precisa perdoá-la por isso. Aprende que falar pode aliviar dores emocionais. Descobre que leva-se anos para construir confiança e apenas segundos para destruí-la, e que você pode fazer coisas em um instante, das quais se arrependerá para o resto da vida. Aprende que verdadeiras amizades continuam a crescer, mesmo a longas distâncias. E o que importa não é o que você tem na vida, mas quem você tem na vida. E que bons amigos são a família que nos permitiram escolher. Aprende que não temos que mudar de amigos, se compreendermos que os amigos mudam. Percebe que seu melhor amigo e você podem fazer qualquer coisa, ou nada, e terem bons momentos juntos. Descobre que as pessoas com que você mais se importa na vida são tomadas de você muito depressa, por isso, devemos deixar as pessoas que amamos com palavras amorosas, pode ser a última vez que as vejamos. "Aprende que as circunstâncias e os ambientes têm muita influência sobre nós, mas que nós somos responsáveis por nós mesmos. Começa a aprender que não se deve comparar com os outros, mas com o melhor que você pode ser. Descobre que leva muito tempo para se chegar aonde está indo, mas que, se você não sabe para onde está indo, qualquer lugar serve. Aprende que, ou você controla seus atos ou eles o controlarão, e não importa quão delicada e frágil seja uma situação, sempre existem dois lados." "Aprende que heróis são pessoas que fizeram o que era necessário fazer,enfrentando as conseqüências. Aprende que paciência requer muita prática.Descobre que algumas vezes, a pessoa que você espera que o chute, quando você cai, é uma das poucas pessoas que o ajudam a levantar-se. Aprende que a maturidade tem mais a ver com tipos de experiências que se teve e o que se aprendeu com elas, do que com quantos aniversários você celebrou. Aprende que há mais de seus pais em você do que você supunha. Aprende que nunca se deve dizer a uma criança que sonhos são bobagens, poucas coisas são tão humilhantes, e seria uma tragédia se ela acreditasse nisso. Aprende que quando está com raiva, tem direito de estar com raiva, mas isso não lhe dá o direito de ser cruel. Descobre que só porque alguém não o ama mais do jeito que você quer não significa que esse alguém não o ame com todas as forças, pois existem pessoas que nos amam, mas simplesmente não sabem como demonstrar ou viver isso. Aprende que nem sempre é suficiente ser perdoado por alguém, e que algumas vezes, você tem que aprender a perdoar a si mesmo. "E que, com a mesma severidade com que julga, será em algum momento condenado. Aprende que não importa em quantos pedaços seu coração foi partido, o mundo não pára, para que você junte seus cacos. Aprende que o tempo não é algo que se possa voltar para trás. Portanto, plante seu jardim e decore sua alma, ao invés de esperar que alguém lhe traga flores. E você aprende realmente que pode suportar... que realmente é forte, e que pode ir mais longe, depois de pensar que não pode mais. E que realmente a vida tem valor diante da vida!!!"

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Flogose LXXXIII

Há mágica em algumas músicas que faz a alma suspirar profundamente. Estas músicas nos leva a lugares sublimes. Fecha-se os olhos. Sente-se a música e no mesmo instante se é transportado para um lugar sereno. Um lugar verde, de lindos bosques. Cachoeiras e montanhas. Um lugar sem igual. Chopin - Nocturne in E flat major, Op. 9, No. 2

Flogose LXXXII

O que é música? De onde ela vem? Para onde ela leva? são perguntas recorrentes que em vezes vem e vão da mente. É como pensar no infinito. Nietzsche disse que:
Sem a música, a vida seria um erro!
E não falta razão ao seu pensamento. As vezes penso na música como qualquer manifestação que está para além do silêncio. Outras vezes o próprio silêncio é a melhor música. A música transcende, como já dizia Marcel Proust:
A música pode ser o exemplo único do que poderia ter sido - se não tivesse havido a invenção da linguagem, a formação das palavras, a análise das ideias - a comunicação das almas.
A música é muito mais que uma expressão de arte. É paixão e Nietzsche sabia bem disso, tanto sabia que disse:
A música oferece às paixões o meio de obter prazer delas!
Talvez seja até mais que expressão de paixão ou paixão pura, seja algo de alma mesmo como disse Proust. Há música em tudo e em tudo há música. As músicas são emanadas das mais diferentes e inconcebíveis formas, mas é necessário aptidão para apreciá-la. Uma aptidão que vem inclusive das virtudes de cada um. Alguns talvez digam que saibam como cultivar música, mas o mesmo talvez vem para contestar essa hipótese, já que, como disse Confúcio:
Como é que um homem sem as virtudes que lhe são próprias pode cultivar a música?
Eu sinceramente não como! As virtudes fazem parte do processo. É como dizer que conseguir-se-á cultivar flores sem sol, sem água ou sem terra. Há propriedades nas virtudes dos homens que ajudam-nos a entrar em contato íntimo com a música. A música é algo formidável, pois
"A música exprime a mais alta filosofia numa linguagem que a razão não compreende"
disse Schopenhauer. É além de tudo uma leveza da alma e do espírito. Complementando a música é de tal forma apoteótica que transcende, inclusive, a si mesma. Beethoven não me deixa mentir dizendo:
A música é o vínculo que une a vida do espírito à vida dos sentidos. A melodia é a vida sensível da poesia!
Eu diria, num modo um tanto mais grosseiro, que a música é a poesia assoviada, mas pela alma! Contudo, sinto dizer que a música não é para todos e é Beethoven quem diz:
Milhares de pessoas cultivam a música; poucas porém têm a revelação dessa grande arte
. No entanto a música é manifesto que é ouvido desde o primeiro choro de vida. O próprio choro é uma música que alegra muito. Ernst Hoffmann dizia que:
A música começa onde acaba a fala
, mas talvez, creio, seja mais que isto. A música começa também quando o som acaba. Há música inclusive onde não há som. Músicas que não são ouvidas, mas puramente sentidas pela alma. A música, em si, expressa a vida. Expressa o mundo e suas matizes de forma que:
Pouco importam as notas na música, o que conta são as sensações produzidas por elas
já dizia Leonid Pervomaisky. A música é muita coisa.
Não seria a música uma língua perdida, da qual esquecemos o sentido e conservamos apenas a harmônia?
como disse Massimo Azeglio. A música é o modo de colocar, as vezes, para fora o que escondemos de nós mesmos. Existem músicas e músicas, melodias e melodias, acordes, notas... Existe expressão e atividade. Comunhão de sentimentos e paz. A música, em vezes, é o amor choroso em notas tristes, em vezes é ódio bufante em acordes distorcidos. É calmaria e serenidade. É chuva e sol. É água e vinho. É o grito de ajuda ou o agradecimento pela conquista. É história e é também geografia. É matematica, pura matematica. A música é paixão, é cura da solidão. É o tempo, enquanto a distância maltrata. A música é a vida! Apenas a vida. Por fim,
Quem entender a minha música nunca mais será infeliz.
disse Beethoven. Alguma razão assiste-lhe, pois sua música cura muitos males, aos que entendem-a. "Modesto" foi este gênio talvez ao dizer isso, diante de tantas outras músicas. Contudo, os que a entenderam... souberam que havia alma dentro de cada nota e esta alma traz consigo muita serenidade. Muitos já falaram sobre música, muitos outros falarão ou se expressarão em suas próprias instrospecções sobre o que ela representa, mas no fundo a todos descobrirão que a música é caminho para o mundo, o mundo da alma.

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Flogose LXXXI

As noites são umas coisas incríveis. Elas nos fazem pensar (pelo menos em mim tem esse efeito) de um modo tão inconstante que facilita à inspiração. Numa destas noites, enquanto lia Florbela Espanca, me peguei pensando e resolvi escrever. Não foi algo tão natural, pois tive ajuda de uma fada inspiradora, que fez desabrochar as rosas cálidas das minhas inspirações. Pensar na vida não parece (não é!) nada fácil. Escrever sobre a vida é algo bem mais difícil, pois remete a muitas coisas e parece que o cérebro não quer parar de contextulizar coisas e coisas. O que é a vida? Eu não sei! Nem vou tentar responder, já isso está muito além do que preciso saber para viver. E é bem mais fácil viver, que tentar entender o que chamamos vida. Mas a vida é um presente e deve ser vivida como e no presente, pois do contrário se perde muito! Há dias díficil, mas isso acontece com todos... De príncipes a miseráveis, cada um no seu contexto, embora aconteça mesmo. Assim pensei sobre isso de vida e saiu: Vida
"E ser-se novo é ter-se o Paraíso É ter-se a estrada larga, ao sol, florida, Aonde tudo é luz e graça e riso!" (Florbela Espanca)
(---) Que saudade! Que vida sofrida. Ser-se novo é ter-se o mundo É ter-se o encanto de uma vida. E tão logo, logo me confundo Se vivo muito, muito vivo contente! Se morro, não choro, sou infecundo. - A vida é bela, diz o confitente E sorri alegremente por descobrir Que é também um expoente. E a vida é um grandioso sorrir! Uma valsa de três notas em harmônia... Uma diz nasça, outra viva: vá sentir... A última nota é ponto, extrema algia! Mas só vivendo é que se aprende A dar importância à vida, à alegria. E chora a carola, tão mais fremente Do que chora a criança recém-nascida Aquela por conhecer, um incidente... Um incidente que chamamos partida... E esta chora, junto à mãe, por conhecer O incidente a que chamamos vida.
A vida é algo sem preço. Alguns dizem que o Diabo compra, disso eu não sei, mas sei que se está vivo tem que viver e se tem que viver viva da melhor forma, pois a morte nos puxa, com sua corda chamada tempo, a cada dia que passa.

Flogose LXXX

Reconstrução Uma reconstrução é uma obra delicada... Constrói-se o que já foi um dia construído Restaura-se. Corrigi-se. O todo, o esquecido. Uma reconstrução é uma obra, uma jornada. Uma reconstrução carece de amor e respeito Carece mais de compreensão com a identidade... Para conseguirmos reconstituir toda a saudade Que ficou naquele passado guardada no peito. Uma reconstrução é obra árdua, é reconstrução... E depende, muito mais, do nosso profundo querer Que apenas e simplismente da necessidade. E principalmente da ajuda dos que nos dá a mão. Uma reconstrução dá ao edifícil nova vida, novo amor! É por isso que quando há fazemos com devoção Com parcerias, com ajudantes e com muita paixão Não há futuro que derrube o que se eriçou com ardor. Uma reconstrução é obra-prima. É alma, é graça... Pois nela há o que há de mais precioso no reconstrutor Há um pedaço do coração que queima em calor Por dar sopro ao que um dia perdeu-se pela caça. Uma reconstrução é o conjunto de verbos do carinho É um querer mais que estar sozinho, é uma vidraça que se quebrou, uma porta que no tempo se despedaça É uma nova vida, uma obra nova... Um novo ninho.

sábado, 4 de outubro de 2008

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Flogose LXXVIII

Parece que existem pessoas ou momentos com determinadas pessoas que servem para nos testar. São testes crueis, testes que parecem nos enfraquecer de tal modo que queremos desistir. Queremos deixar tudo pra tras e esquecer que aquilo existiu. Contudo, o que tem que ocorrer é o contrário, pois quando alguém diz que você não pode ou não consegue fazer alguma coisa, você tem que lutar e mostrar que ele está errado, porquê é assim que você mostra o seu valor como pessoa e como ser humano. E existirão muitas pessoas que dirão que você não pode, que não consegue durante sua vida, e nesta hora é que tem que arrumar forças e traduzir essa falta de crença em conquistas!

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Flogose LXXVII

Às vezes a vida é mais estranha que um sonho. E a única maneira de acordar é enfrentar as mentiras que estão escondidas na alma. E você só pode torcer para que nesses momentos de reflexões obscuras você não esteja só. (A.D.)

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Flogose LXXVI

Shekespeare disse:
" Amor não é amor que se altera quando encontra alteração ou uma marca rígida que aparece numa tempestade e nunca se abala. Amor não se transforma de hora em hora. Mas surge mesmo à beira da morte."
Lembrei-me de Olavo Bilac e uma poesia sua de extrema beleza. Contudo, o que me atriu na poesia não foram apenas as palavras belas e significativas, mas o amor profundo que parece atravessar as fronteiras. O amor, aparentemente, é assim! Ou melhor, o amor não abala e suporta as piores tempestades sejam elas quais forem.
A Alvorada do Amor por Olavo Bilac Um horror grande e mudo, um silêncio profundo No dia do Pecado amortalhava o mundo. E Adão, vendo fechar-se a porta do Éden, vendo Que Eva olhava o deserto e hesitava tremendo, Disse: "Chega-te a mim! entra no meu amor, E à minha carne entrega a tua carne em flor! Preme contra o meu peito o teu seio agitado, E aprende a amar o Amor, renovando o pecado! Abençôo o teu crime, acolho o teu desgosto, Bebo-te, de uma em uma, as lágrimas do rosto! Vê! tudo nos repele! a toda a criação Sacode o mesmo horror e a mesma indignação... A cólera de Deus torce as árvores, cresta Como um tufão de fogo o seio da floresta, Abre a terra em vulcões, encrespa a água dos rios; As estrelas estão cheias de calefrios; Ruge soturno o mar; turva-se hediondo o céu... Vamos! que importa Deus? Desata, como um véu, Sobre a tua nudez a cabeleira! Vamos! Arda em chamas o chão; rasguem-te a pele os ramos; Morda-te o corpo o sol; injuriem-te os ninhos; Surjam feras a uivar de todos os caminhos; E, vendo-te a sangrar das urzes através, Se emaranhem no chão as serpes aos teus pés... Que importa? o Amor, botão apenas entreaberto, Ilumina o degredo e perfuma o deserto! Amo-te! sou feliz! porque, do Éden perdido, Levo tudo, levando o teu corpo querido! Pode, em redor de ti, tudo se aniquilar: - Tudo renascerá cantando ao teu olhar, Tudo, mares e céus, árvores e montanhas, Porque a Vida perpétua arde em tuas entranhas! Rosas te brotarão da boca, se cantares! Rios te correrão dos olhos, se chorares! E se, em torno ao teu corpo encantador e nu, Tudo morrer, que importa? A Natureza és tu, Agora que és mulher, agora que pecaste! Ah! bendito o momento em que me revelaste O amor com o teu pecado, e a vida com o teu crime! Porque, livre de Deus, redimido e sublime, Homem fico, na terra, à luz dos olhos teus, - Terra, melhor que o céu! homem, maior que Deus!"
O ato de errar é humano! E quando existe amor, um amor profundo, o errar é irrelevante, pois é mais facilmente reconhecível e o errar se torna mais humano ainda. O que seria do amor se as pessoas não pudessem perdoar umas às outras? Um veleidade, creio.