segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Flogose XCVI

Luis Fernando Verissimo disse:
"Não deixe que a saudade sufoque, que a rotina acomode, que o medo o impeça de tentar. Desconfie do destino e acredite em você. Gaste mais horas realizando que sonhando, fazendo que planejando, vivendo que esperando, porque embora quem quase morre esteja vivo, quem quase vive já morreu."

Flogose XCV

Tão fácil dizer algumas coisas, enquanto que outras encontramos dificuldade tamanha em proferí-las. Existem inúmeros subterfúgios e todos eles cabem exatamente na boca, quando outra coisa, mais necessária a ser dita, não sopra dos pulmões. Eu poderia facilmente dizer inúmeros pensamentos aqui, contudo não conseguiria proferir um que fosse tão íntimo a ponto de me trazer algo tipo de vergonha. Muitas vezes nos encontramos nestes becos. Nesses poços escuros e lamaçentos, e não há voz nenhuma que sopre de canto nenhum do mundo que nos fará pensar ou ajudar-nos-á a tomar uma decisão sensata sobre o que deveríamos realmente dizer. No contexto geral quanto mais importante é o que temos que dizer, menos facilidade tempos em dizer. Esses muros sem janelas já são meus recantos há tempos. Muros e muros. Nenhuma ponte, nenhum castelo, apenas um muro altíssimo! Tão alto quanto é profundo o oceano e tão vasto quanto o deserto do Saara. Cercar-me-ia de água, caso houvesse opção de fazê-lo. Devo falar, sim realmente devo, mas não falo. Se falo minto, se não falo minto. Tudo é mentira! A verdade está guardada dentro de um minúsculo átomo no cérebro e tão pequeno quanto este é o desejo de expor tal verdade, enquanto que tão grande quanto o universo é o desejo de ver-se livre deste átomo corrosivo. Importa-me dizer que algumas coisas inventadas, as vezes, soam com melhor timbre que a própria verdade. Os sinceros, convenhamos que não há benefícios em sê-lo, estão rotineiramente acometidos de algum mal que provém de sua boca, de sua fala. Falam e falam, costumeiramente, o que acham, pensam, o que lhes é verdade. Todavia ninguém bebe um copo de verdade por dia, pois o sabor é muito amargo, tanto para que cospe, quanto para quem engole! O sincero é todo aquele que ninguém gosta de tê-lo perto, a não ser que haja um benefício em tê-lo perto, ainda assim não gosta! Falaram-me, certa vez, que não convém omitir quando a postergação de um ato possa trazer prejuízos maiores, se forem derramados num futuro próximo. Vejo, contudo, que independente do momento em que bebamos da verdade o gosto será o mesmo e a dor estomacal será a mesma. É bem verdade que fatores externos podem intensificar as percepções e deixá-las muito maiores do que são, mas isso é relevante? Ser-nos-emos menos "malvados" se falarmos algo, não hoje, mas amanhã ou depois? Não, creio que independente do momento haverá sempre alguém para falar: - Agiste precipitada e nefastamente! É melhor não dizer. Sim, é sempre melhor não dizer! Em algumas coisas as pessoas não acreditarão quando a verdade for exposta e em outras se omitir uma mentira insistirão que você realmente fez, o que absolutamente não fez. Não há remédio para isso. E quando houver necessidade de promover justiça com a verdade, ainda assim é melhor omitir algumas coisas, pois haverá alguém que se sentirá lesado. Há meses que em minha cabeça habita um monstro sem face! E todos os dias esse monstro diz que tenho que fazer algumas coisas, mas tais coisas não parecem sensatas. Quer dizer, sensatas até que são, mas não seriam justas se eu indicasse alguns pressupostos que constituem os atos da peça inteira. Normalmente um personagem faz algumas coisas tentando não machucar as pessoas, mas sabemos bem que sempre machucam, ainda que não tenham intensão de fazê-lo. Eu não sou esse personagem! Sou o vilão. O lado negro da força. Hesito diante das conjunturas visando estruturar o terreno para a plantação e planto! E nascem muitas coisas, mas nada do que queria eu que nascessem. Aqui entra o segundo ato, ato este que constutiu acabar com a plantação (sou mesmo o vilão, não?). Creio que não há solução outra que não esta. Ser sincero é um vício que não tenho! Ademais não poderia ser sincero, pois isso é um defeito que traz problemas significantes para o contexto geral das relações. - Isso meu amigo, vá em frente e faça o que tem que fazer. Alguém sempre irá sofrer, talvez esse alguém seja você, tudo é possível! Gostaria de poder dizer isso sem que tais palavras causassem um certo temor ou ressentimento. Impossível, sinceridade e falta de temor são produtos que quase nunca se misturam e quando misturam coisa boa não sai. {Pensamentos e exemplos omitidos} Não minta, mas omita! A verdade é valiosa demais para ser a causa de sua ruína. {...}

sábado, 18 de outubro de 2008

Flogose XCIV

VERDADES.
A aliança Luis Fernando Verissimo Esta é uma história exemplar, só não está muito claro qual é o exemplo. De qualquer jeito, mantenha-a longe das crianças. Também não tem nada a ver com a crise brasileira, o apartheid, a situação na América Central ou no Oriente Médio ou a grande aventura do homem sobre a Terra. Situa-se no terreno mais baixo das pequenas aflições da classe média. Enfim. Aconteceu com um amigo meu. Fictício, claro. Ele estava voltando para casa como fazia, com fidelidade rotineira, todos os dias à mesma hora. Um homem dos seus 40 anos, naquela idade em que já sabe que nunca será o dono de um cassino em Samarkand, com diamantes nos dentes, mas ainda pode esperar algumas surpresas da vida, como ganhar na loto ou furar-lhe um pneu. Furou-lhe um pneu. Com dificuldade ele encostou o carro no meio-fio e preparou-se para a batalha contra o macaco, não um dos grandes macacos que o desafiavam no jângal dos seus sonhos de infância, mas o macaco do seu carro tamanho médio, que provavelmente não funcionaria, resignação e reticências... Conseguiu fazer o macaco funcionar, ergueu o carro, trocou o pneu e já estava fechando o porta-malas quando a sua aliança escorregou pelo dedo sujo de óleo e caiu no chão. Ele deu um passo para pegar a aliança do asfalto, mas sem querer a chutou. A aliança bateu na roda de um carro que passava e voou para um bueiro. Onde desapareceu diante dos seus olhos, nos quais ele custou a acreditar. Limpou as mãos o melhor que pôde, entrou no carro e seguiu para casa. Começou a pensar no que diria para a mulher. Imaginou a cena. Ele entrando em casa e respondendo às perguntas da mulher antes de ela fazê-las. — Você não sabe o que me aconteceu! — O quê? — Uma coisa incrível. — O quê? — Contando ninguém acredita. — Conta! — Você não nota nada de diferente em mim? Não está faltando nada? — Não. — Olhe. E ele mostraria o dedo da aliança, sem a aliança. — O que aconteceu? E ele contaria. Tudo, exatamente como acontecera. O macaco. O óleo. A aliança no asfalto. O chute involuntário. E a aliança voando para o bueiro e desaparecendo. — Que coisa - diria a mulher, calmamente. — Não é difícil de acreditar? — Não. É perfeitamente possível. — Pois é. Eu... — SEU CRETINO! — Meu bem... — Está me achando com cara de boba? De palhaça? Eu sei o que aconteceu com essa aliança. Você tirou do dedo para namorar. É ou não é? Para fazer um programa. Chega em casa a esta hora e ainda tem a cara-de-pau de inventar uma história em que só um imbecil acreditaria. — Mas, meu bem... — Eu sei onde está essa aliança. Perdida no tapete felpudo de algum motel. Dentro do ralo de alguma banheira redonda. Seu sem-vergonha! E ela sairia de casa, com as crianças, sem querer ouvir explicações. Ele chegou em casa sem dizer nada. Por que o atraso? Muito trânsito. Por que essa cara? Nada, nada. E, finalmente: — Que fim levou a sua aliança? E ele disse: — Tirei para namorar. Para fazer um programa. E perdi no motel. Pronto. Não tenho desculpas. Se você quiser encerrar nosso casamento agora, eu compreenderei. Ela fez cara de choro. Depois correu para o quarto e bateu com a porta. Dez minutos depois reapareceu. Disse que aquilo significava uma crise no casamento deles, mas que eles, com bom-senso, a venceriam. — O mais importante é que você não mentiu pra mim. E foi tratar do jantar.
Esta é outra estória que não me causa estranheza. Há nela muita coerência com os fatos do mundo real. Isso acontece, e poderia dizer que existe frequência nos acontecimentos de tais situações. É melhor fazer assim que ser desacreditado na verdade contada, verdade esta que passará por mentira e acabará em maiores conflitos. A única verdade é que a verdade é complicada demais para ser dita, em algumas vezes.

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Flogose XCIII

Pelas tantas da noite o cérebro começa a afundar-se em pensamentos e mais pensamentos, muitos deles vagos demais para se prender a eles, muitos outros sem o mínimo de comprometimento com o que se deve pensar, todavia são todos eles vagos todos os que vem à noites, já que a maioria se acompanha de sentimentos inutilizáveis. Não há muito que se possa fazer numa situação dessas. O melhor seria beber, mas como o álcool não apetece-me a mente, como faz o cigarro, melhor foi procurar dentre minha pequena biblioteca algo para se ler. Foi então que encontrei: A Verdade, que agora transcrevo.
“A verdade Luís Fernando Veríssimo. Uma donzela estava um dia sentada à beira de um riacho, deixando a água do riacho passar por entre os seus dedos muito brancos, quando sentiu o seu anel de diamantes ser levado pelas águas. Temendo o castigo do pai, a donzela contou em sua casa que fora assaltada por um homem no bosque e que ele arrancara o anel de diamante do seu dedo e a deixara desfalecida sobre um canteiro de margaridas. Os pais e os irmãos da donzela foram atrás do assaltante e encontraram um homem dormindo no bosque, e o mataram, mas não encontraram o anel de diamante. E a donzela disse: Agora me lembro, não era um homem, eram dois. E o pai e os irmãos da donzela saíram atrás do segundo homem, e o encontraram, e o mataram, mas ele também não tinha o anel. E a donzela disse: – Então está com o terceiro! Pois se lembrava que havia um terceiro assaltante. E o pai e os irmãos da donzela saíram no encalço do terceiro assaltante, e o encontraram no bosque. Mas não o mataram, pois estavam fartos de sangue. E trouxeram o homem para a aldeia, e o revistaram e encontraram no seu bolso o anel de diamante da donzela, para o espanto dela. – Foi ele que assaltou a donzela, e arrancou o anel de seu dedo, e a deixou desfalecida – gritaram os aldeões – Matem-no! – Espere! – gritou o homem, no momento em que passavam a corda da forca em seu pescoço – Eu não roubei o anel. Foi ela que me deu! E apontou a donzela, diante do escândalo de todos. O homem contou que estava sentado à beira do riacho, pescando, quando a donzela se aproximou dele e pediu um beijo. Ele deu o beijo. Depois a donzela tirara a roupa e pedira que ele a possuísse, pois queria saber o que era o amor. Mas como era um homem honrado, ele resistira, e dissera que a donzela devia ter paciência, pois conheceria o amor do marido no seu leito de núpcias. Então a donzela lhe oferecera o anel dizendo: “Já que meus encantos não o seduzem, este anel comprará o seu amor.” E ele sucumbira , pois era pobre, e a necessidade é o algoz da honra. Todos se viraram contra a donzela e gritaram: “Rameira! Impura! Diaba!” e exigiram o seu sacrifício. E o próprio pai da donzela passou a forca para o seu pescoço. Antes de morrer, a donzela disse para o pescador: – A sua mentira era maior que a minha. Eles mataram pela minha mentira e vão matar pela sua. Onde está, afinal, a verdade? E o pescador deu de ombros e disse: - A verdade é que eu achei o anel na barriga de um peixe. Mas quem acreditaria nisso? O pessoal quer violência e sexo, não histórias de pescador.”
O interessante na estória é que ela própria é a mais pura verdade, pois normalmente omitimos ou mascaramos a verdade sob o subterfugio de que ninguém acreditará nela. As razões pela qual a omissão da verdade é mais valiosa que a verdade talvez se deva ao fato de que a verdade é muito mais simples do que deveria ser. Contemos a verdade e vejamos quem realmente acredita. Somos ensinados, quando crianças, que não devemos mentir, mas ninguém quer realmente saber a verdade. O que fazemos então?

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Flogose XCII

Conversa de bar. 1- Deus não existe. 2- Claro que Deus existe, tanto existe que já provou sua existência. 1- Provou como? Nunca vi nenhuma evidência de que ele existiu ou exista. 2- E os milagres? As pragas do egito? O mar que foi aberto? 1- Isso a ciência já provou que pode acontecer sem o dedo de Deus. 2- Mas a coincidência é muito grande não acha? 1- Não acho, não. 2- O mundo foi criado como então? 1- Os cientistas já provaram que o mundo foi feito por quatro elementos básicos. 2- E quem criou os elementos... 1- Os elementos já existiam... 2- Não vem com essa, Deus existe sim. 1- Não existe. 2- Existe. 1- Não existe. (Um assaltante entra gritando) A- É um assalto. 1- Meu querido Deus (deitado no chão com as mão atadas) por favor me ajude. Eu prometo que nunca mais falo Seu nome em vão. 2- Oh! pára de brincadeira! Esse negócio de assalto não pega mais e é uma brincadeira muito da sem graça! Senta aí e vamos tomar uma cerveja com a gente. 1- (baixinho) Obrigado senhor.

Flogose XCI

Conversa de bar! 1- Essa história de amor é uma farsa. 2- Você está louco? 1- Estou dizendo. É uma farsa. 3- Não concordo. Não existe farsa no amor, as pessoas amam. 1- Não! O amor se resume ao bom e velho sexo. 2- O sexo sem amor é como... como... como... 1- Sexo sem amor é sexo. Amor sem sexo é sexo. 3- Não, não, não! Sexo sem amor é cerveja sem espuma. 1- O amor não existe. 2- Existe. Eu amo minha mulher. 4- Acho que estou bêbado. 1- Não há nada melhor que sexo. 3- Há sim, o amor. 2- O Amor. 1- O amor é uma ilusão, uma ILUSÃO. 4- Acho que vou vomitar. 3- Acho que sou romântico. 2- Pode ser. 1- Deixem de loucura. O amor é coisa tola. 2- Eu amo e ponto. 3- Não vamos mais discutir sobre o amor. Acredita quem quiser. 4- Olha que maravilha de garçonete. 3- Uma boneca, não? 1- Uma graça e tem um sorriso encantador. 2- Eu poderia amar uma mulher como aquela... 1- Mas você já não ama sua esposa? 2- Sim, mas é diferente. 3- É diferente. 4- Está acabando a cerveja. Eu amo cerveja. 1- Você são tapados! Não sabem o que é o amor. 2- E é você quem vai nos dizer o que é o amor? 3- É você? 1- Por quê não? 4- A cerveja acabou! 2- Você nunca amou ninguém. E é incredulo. 3- É. Você é incrédulo. 1- Isso não tem nada haver. Eu sei o que é o amor. 2- Sabe coisa nenhuma. 3- Coisa nenhuma... 1- O amor é um sentimento arrebatador. Que desnorteia as pessoas. Deixam-nas cegas. Deixam-nas sem medo. É um sentimento que faz a pessoas quererem estarem perto das outras sem ao menos saber por quê. Faz com que pensemos que a vida começa com uma pessoa e sem ela tem que terminar... 2- Como é? 3- hum...? 4- Chegou a cerveja. Vamos beber. 1- O que eu disse? 2- Acho que está apaixonado. 3- Está apaixonado! 1- Não estou. Só sei... 4- Amo cerveja e amo a garçonete. 1- A garçonete. Eu faria amor com ela... 2- A-há... Se confessou. 3- Confessou! 1- Acho que estou amando. 2- Isso vale um brinde. 3- Um brinde. 2- O amor deixou de ser ilusão? 1- Acho que é o efeito do álcool. Preciso de sexo, por quê o amor me deixou tonto.

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Flogose XC

- O que há na noite? - Há muita coisa! - Mas o que realmente há na noite? - Não sei, talvez o que queremos que tenha. - Pode ser ou talvez apenas solidão e silêncio.

terça-feira, 14 de outubro de 2008

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Flogose LXXXVIII

É que eu tenho essa mania de ficar me explicando que me enrola e me complica um pouco de vez em quando É que de vez em quando eu resolvo me explicar e se eu fico me explicando eu me complico sem parar É que eu fico atrapalhado procurando a explicação pra explicar por que eu me explico - e se eu não me explico, por que não Na verdade se eu me explico sempre e sempre fico assim deve ser alguma coisa que eu não expliquei pra mim Ou então eu expliquei mas não entendi direito porque não expliquei direito, porque ninguém é perfeito Mas no fundo tem um jeito simples de simplificar Só que o simples normalmente é complicado de explicar É que eu explico sempre a mais e a complicação vem junto É que eu me explico até demais e até desvio do assunto Mas é simples: tem coisa que não tem explicação Ou até tem, mas é melhor não explicar porque é em vão A investida pra tentar descomplicar o complicado ou simplificar o simples e deixar tudo explicado só complica mais as coisas e me deixa mais confuso vendo que na minha cabeça tá sobrando parafuso É que as peças não se encaixam e por mais que eu sempre trave sempre tem alguma solta e eu não encontro a chave É por isso que eu me explico, que é pra ver se me explicando eu acabo me entendendo um pouquinho de vez em quando Mas por mais que eu me concentre, tem alguma coisa errada porque tudo que eu entendo é que eu não entendo nada Eu só sei que nada sei e a explicação tá dada. Gabriel o Pensador, in Diário Noturno

sábado, 11 de outubro de 2008

Flogose LXXXVI

- Oi. - Oi. - Eu estava te olhando de longe... Você vem sempre aqui? - Só quando eu estou com vontade de fazer xixi. Quem te deixou entrar no banheiro das mulheres? - Entrei escondido queria falar com você. - Não podia esperar eu terminar primeiro? - É que eu sou muito ansioso... Não é sempre que se encontra a mulher da nossa vida numa festa de formatura. - Mulher da vida de quem? - Da minha vida. - Que espécie de maluco é você? - O homem da sua vida! - Como é que é? - Sou o cara que nasceu pra casar e ter filhos com você. - Essa é a sua melhor cantada? - É sério...vamos conversar. - Quer fazer o favor de fechar essa porta? Eu ainda não terminei. - Desculpe. Um homem sabe quando avistou a mulher ideal. Geralmente ela é bonita, sexy, tem gostos refinados e inteligência suficiente para ignorar suas gracinhas. É fina, detesta vulgaridades. - Me deixa vomitar em paz? - Achei que você só estivesse apertada. - O que eu faço no banheiro não é da sua conta.. - Eu me importo com você. - Socorro, tem um homem aqui dentro. - Psiuuuuu, não grita, eu só quero saber seu nome. - Eu tô bêbada demais pra saber meu nome. - Também estou um pouco tonto, confesso. Viu como a gente combina? - Sai daqui e fecha essa porta antes que eu te jogue esse balde de lixo na cabeça. - Algumas pessoas passam a vida toda procurando por um amor perfeito. Alguém que te complete e ajude no que for preciso, faça companhia em todos os momentos. - Cara, como você é chato. - Melhorou? - Não acredito que você me assistiu fazendo aquilo. - Foi a coisa mais linda que eu já vi. - Acorda, seu idiota. Eu botei um pão de batata pra fora. - Eu também adoro pão de batata com tequila. - Espirrou em você, seu porco. - Eu não ligo. Seu vômito é o meu vômito. - O que eu fiz pra merecer um maluco desses atrás de mim? - Tem coisas que só o destino pode explicar. - De que planeta você veio? Larga do meu pé, chulé. - Só você não percebeu que isso tudo não foi por acaso. - Você me seguiu, eu pedi ajuda, ninguém te tirou do banheiro, eu te dei um banho de bolo de chocolate e cerveja. - Nosso primeiro encontro... - Nada disso é um encontro. Sai da minha frente. - Não posso abandonar a mulher da minha vida. - Que papo é esse? Deixa-me ver o que colocaram no seu whisky? - É sério, nunca ouviu falar nisso? - Whisky com bolinha alucinógena? É claro que sim. Nunca aceite o copo de um estranho. - Nós somos o casal ideal. Nascemos um pro outro. Sabe quais são as chances disso acontecer numa festa de formatura? Uma em cada 150 milhões. - Bem menores do que as chances de eu te dar uma porrada. - Você não faria isso com seu futuro marido. - Vamos do começo... Um: eu já tenho namorado. Dois: você não faz meu tipo. Três: isso não é uma festa de formatura. É a festa de 15 anos da Maria de Fátima. - O segredo da relação perfeita está na identificação de sua alma gêmea. Geralmente ela é loira, alta e tem um piercing no nariz. Pode também não ser nada disso. Não importa. O grande lance é perceber se essa alma combina com a sua, tem gostos iguais, beijo bom e, de preferência, um cabelo sem gel. Quer apostar que nós nascemos um pro outro? - Ridículo... vou ficar com peso na consciência. - Por que não tenta? Fala uma cor. - Preto. - A ausência de todas as cores... A minha preferida também. - Que bobagem. - Um filme. - "101 Dálmatas". - O mesmo que o meu... Quer prova mais definitiva? - Ah! Eu nunca vi esse filme na minha vida. - Roubar não vale. - Que papinho mais furado... Se toca, eu não fui com a sua cara. - Última chance. Fala uma música. - Ai que saco... Qualquer uma do Daniel. - Daniel? Tem certeza? - Absoluta. - Então você tem razão... minha mulher ideal não gosta de música sertaneja. - É mesmo? E que som ela curte? - Rock, alguma coisa de Jazz... dependendo do dia, MPB. - O que tem de errado com Leandro e Leonardo, KLB, É o Tchan? - Nada, só que você não é mulher pra mim. De qualquer forma, foi um prazer. Todo mundo erra. Quem nunca pensou ter encontrado o grande amor e depois descobriu que ele roncava, tinha caspa e não era muito chegado a banho no inverno? Se fosse fácil não teria graça. O importante é não desanimar, e se não foi dessa vez, partir pra outra. Tente declamar seu poema predileto em praça pública e espere alguém completá-lo. Se ninguém se manifestar, saia correndo. Podem ter chamado a polícia. - Espera. - O que foi? - Eu também gosto de MPB. Minha mãe ouve Chico Buarque o dia inteiro.Tecnicamente, se eu estou em casa, também ouço. - Não sei.... Acho que foi um engano. - Como você pode saber? - Olhando bem... você é mais alta do que eu imaginava. A mulher da minha vida tem 1, 60 de altura. Foi um prazer. - Espera, eu estou de salto. Olha só... fiquei mais baixa. - Você não tem nada a ver comigo. - Tenho sim. - Que interesse repentino pela minha pessoa... Até um minuto atrás você queria que eu fosse embora. - Também não sei o que me deu. - Você tomou do meu whisky, foi isso? - Não... quer dizer, não lembro. - Cadê seu namorado? - Está na minha frente, com uma coisa esquisita na camisa... - Que nojo... o que mais você comeu, hein? - Miojo, antes de sair de casa. - Eu não posso ser seu namorado, você já tem um. - Eu menti. - Só pra me dar o fora? Conseguiu. Tchau. - Volta aqui, meu amor. Pega uma vodka pra mim. - Sai de perto de mim, sua louca. - Só saio daqui casada. - Socorro. - Achei o homem da minha vida!!! (L. F. Veríssimo)

Flogose LXXXV

Manuel de Barros:
“Que hei de fazer se de repente a manhã voltar? Que hei de fazer? - Dormir, talvez chorar”.

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Flogose LXXXIV

Shakespeare disse:
"Depois de algum tempo você aprende a diferença, a sutil diferença entre dar a mão e acorrentar a alma. E você aprende que amar não significa apoiar-se,e que companhia nem sempre significa segurança. E começa aprender que beijos não são contratos, e que presentes não são promessas. E começa a aceitar suas derrotas com a cabeça erguida e os olhos adiante, com graça de um adulto e não a tristeza de uma criança. E aprende a construir todas as suas estradas no hoje, porque o terreno do amanhã é incerto demais para os planos, e o futuro tem o costume de cair meio em vão. "Depois de algum tempo, você aprende que o sol queima, se ficar a ele exposto por muito tempo. E aprende que, não importa o quanto você se importe, algumas pessoas simplesmente não se importam... E aceita que, não importam quão boa seja uma pessoa, ela vai feri-lo de vez em quando, e você precisa perdoá-la por isso. Aprende que falar pode aliviar dores emocionais. Descobre que leva-se anos para construir confiança e apenas segundos para destruí-la, e que você pode fazer coisas em um instante, das quais se arrependerá para o resto da vida. Aprende que verdadeiras amizades continuam a crescer, mesmo a longas distâncias. E o que importa não é o que você tem na vida, mas quem você tem na vida. E que bons amigos são a família que nos permitiram escolher. Aprende que não temos que mudar de amigos, se compreendermos que os amigos mudam. Percebe que seu melhor amigo e você podem fazer qualquer coisa, ou nada, e terem bons momentos juntos. Descobre que as pessoas com que você mais se importa na vida são tomadas de você muito depressa, por isso, devemos deixar as pessoas que amamos com palavras amorosas, pode ser a última vez que as vejamos. "Aprende que as circunstâncias e os ambientes têm muita influência sobre nós, mas que nós somos responsáveis por nós mesmos. Começa a aprender que não se deve comparar com os outros, mas com o melhor que você pode ser. Descobre que leva muito tempo para se chegar aonde está indo, mas que, se você não sabe para onde está indo, qualquer lugar serve. Aprende que, ou você controla seus atos ou eles o controlarão, e não importa quão delicada e frágil seja uma situação, sempre existem dois lados." "Aprende que heróis são pessoas que fizeram o que era necessário fazer,enfrentando as conseqüências. Aprende que paciência requer muita prática.Descobre que algumas vezes, a pessoa que você espera que o chute, quando você cai, é uma das poucas pessoas que o ajudam a levantar-se. Aprende que a maturidade tem mais a ver com tipos de experiências que se teve e o que se aprendeu com elas, do que com quantos aniversários você celebrou. Aprende que há mais de seus pais em você do que você supunha. Aprende que nunca se deve dizer a uma criança que sonhos são bobagens, poucas coisas são tão humilhantes, e seria uma tragédia se ela acreditasse nisso. Aprende que quando está com raiva, tem direito de estar com raiva, mas isso não lhe dá o direito de ser cruel. Descobre que só porque alguém não o ama mais do jeito que você quer não significa que esse alguém não o ame com todas as forças, pois existem pessoas que nos amam, mas simplesmente não sabem como demonstrar ou viver isso. Aprende que nem sempre é suficiente ser perdoado por alguém, e que algumas vezes, você tem que aprender a perdoar a si mesmo. "E que, com a mesma severidade com que julga, será em algum momento condenado. Aprende que não importa em quantos pedaços seu coração foi partido, o mundo não pára, para que você junte seus cacos. Aprende que o tempo não é algo que se possa voltar para trás. Portanto, plante seu jardim e decore sua alma, ao invés de esperar que alguém lhe traga flores. E você aprende realmente que pode suportar... que realmente é forte, e que pode ir mais longe, depois de pensar que não pode mais. E que realmente a vida tem valor diante da vida!!!"

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Flogose LXXXIII

Há mágica em algumas músicas que faz a alma suspirar profundamente. Estas músicas nos leva a lugares sublimes. Fecha-se os olhos. Sente-se a música e no mesmo instante se é transportado para um lugar sereno. Um lugar verde, de lindos bosques. Cachoeiras e montanhas. Um lugar sem igual. Chopin - Nocturne in E flat major, Op. 9, No. 2

Flogose LXXXII

O que é música? De onde ela vem? Para onde ela leva? são perguntas recorrentes que em vezes vem e vão da mente. É como pensar no infinito. Nietzsche disse que:
Sem a música, a vida seria um erro!
E não falta razão ao seu pensamento. As vezes penso na música como qualquer manifestação que está para além do silêncio. Outras vezes o próprio silêncio é a melhor música. A música transcende, como já dizia Marcel Proust:
A música pode ser o exemplo único do que poderia ter sido - se não tivesse havido a invenção da linguagem, a formação das palavras, a análise das ideias - a comunicação das almas.
A música é muito mais que uma expressão de arte. É paixão e Nietzsche sabia bem disso, tanto sabia que disse:
A música oferece às paixões o meio de obter prazer delas!
Talvez seja até mais que expressão de paixão ou paixão pura, seja algo de alma mesmo como disse Proust. Há música em tudo e em tudo há música. As músicas são emanadas das mais diferentes e inconcebíveis formas, mas é necessário aptidão para apreciá-la. Uma aptidão que vem inclusive das virtudes de cada um. Alguns talvez digam que saibam como cultivar música, mas o mesmo talvez vem para contestar essa hipótese, já que, como disse Confúcio:
Como é que um homem sem as virtudes que lhe são próprias pode cultivar a música?
Eu sinceramente não como! As virtudes fazem parte do processo. É como dizer que conseguir-se-á cultivar flores sem sol, sem água ou sem terra. Há propriedades nas virtudes dos homens que ajudam-nos a entrar em contato íntimo com a música. A música é algo formidável, pois
"A música exprime a mais alta filosofia numa linguagem que a razão não compreende"
disse Schopenhauer. É além de tudo uma leveza da alma e do espírito. Complementando a música é de tal forma apoteótica que transcende, inclusive, a si mesma. Beethoven não me deixa mentir dizendo:
A música é o vínculo que une a vida do espírito à vida dos sentidos. A melodia é a vida sensível da poesia!
Eu diria, num modo um tanto mais grosseiro, que a música é a poesia assoviada, mas pela alma! Contudo, sinto dizer que a música não é para todos e é Beethoven quem diz:
Milhares de pessoas cultivam a música; poucas porém têm a revelação dessa grande arte
. No entanto a música é manifesto que é ouvido desde o primeiro choro de vida. O próprio choro é uma música que alegra muito. Ernst Hoffmann dizia que:
A música começa onde acaba a fala
, mas talvez, creio, seja mais que isto. A música começa também quando o som acaba. Há música inclusive onde não há som. Músicas que não são ouvidas, mas puramente sentidas pela alma. A música, em si, expressa a vida. Expressa o mundo e suas matizes de forma que:
Pouco importam as notas na música, o que conta são as sensações produzidas por elas
já dizia Leonid Pervomaisky. A música é muita coisa.
Não seria a música uma língua perdida, da qual esquecemos o sentido e conservamos apenas a harmônia?
como disse Massimo Azeglio. A música é o modo de colocar, as vezes, para fora o que escondemos de nós mesmos. Existem músicas e músicas, melodias e melodias, acordes, notas... Existe expressão e atividade. Comunhão de sentimentos e paz. A música, em vezes, é o amor choroso em notas tristes, em vezes é ódio bufante em acordes distorcidos. É calmaria e serenidade. É chuva e sol. É água e vinho. É o grito de ajuda ou o agradecimento pela conquista. É história e é também geografia. É matematica, pura matematica. A música é paixão, é cura da solidão. É o tempo, enquanto a distância maltrata. A música é a vida! Apenas a vida. Por fim,
Quem entender a minha música nunca mais será infeliz.
disse Beethoven. Alguma razão assiste-lhe, pois sua música cura muitos males, aos que entendem-a. "Modesto" foi este gênio talvez ao dizer isso, diante de tantas outras músicas. Contudo, os que a entenderam... souberam que havia alma dentro de cada nota e esta alma traz consigo muita serenidade. Muitos já falaram sobre música, muitos outros falarão ou se expressarão em suas próprias instrospecções sobre o que ela representa, mas no fundo a todos descobrirão que a música é caminho para o mundo, o mundo da alma.

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Flogose LXXXI

As noites são umas coisas incríveis. Elas nos fazem pensar (pelo menos em mim tem esse efeito) de um modo tão inconstante que facilita à inspiração. Numa destas noites, enquanto lia Florbela Espanca, me peguei pensando e resolvi escrever. Não foi algo tão natural, pois tive ajuda de uma fada inspiradora, que fez desabrochar as rosas cálidas das minhas inspirações. Pensar na vida não parece (não é!) nada fácil. Escrever sobre a vida é algo bem mais difícil, pois remete a muitas coisas e parece que o cérebro não quer parar de contextulizar coisas e coisas. O que é a vida? Eu não sei! Nem vou tentar responder, já isso está muito além do que preciso saber para viver. E é bem mais fácil viver, que tentar entender o que chamamos vida. Mas a vida é um presente e deve ser vivida como e no presente, pois do contrário se perde muito! Há dias díficil, mas isso acontece com todos... De príncipes a miseráveis, cada um no seu contexto, embora aconteça mesmo. Assim pensei sobre isso de vida e saiu: Vida
"E ser-se novo é ter-se o Paraíso É ter-se a estrada larga, ao sol, florida, Aonde tudo é luz e graça e riso!" (Florbela Espanca)
(---) Que saudade! Que vida sofrida. Ser-se novo é ter-se o mundo É ter-se o encanto de uma vida. E tão logo, logo me confundo Se vivo muito, muito vivo contente! Se morro, não choro, sou infecundo. - A vida é bela, diz o confitente E sorri alegremente por descobrir Que é também um expoente. E a vida é um grandioso sorrir! Uma valsa de três notas em harmônia... Uma diz nasça, outra viva: vá sentir... A última nota é ponto, extrema algia! Mas só vivendo é que se aprende A dar importância à vida, à alegria. E chora a carola, tão mais fremente Do que chora a criança recém-nascida Aquela por conhecer, um incidente... Um incidente que chamamos partida... E esta chora, junto à mãe, por conhecer O incidente a que chamamos vida.
A vida é algo sem preço. Alguns dizem que o Diabo compra, disso eu não sei, mas sei que se está vivo tem que viver e se tem que viver viva da melhor forma, pois a morte nos puxa, com sua corda chamada tempo, a cada dia que passa.

Flogose LXXX

Reconstrução Uma reconstrução é uma obra delicada... Constrói-se o que já foi um dia construído Restaura-se. Corrigi-se. O todo, o esquecido. Uma reconstrução é uma obra, uma jornada. Uma reconstrução carece de amor e respeito Carece mais de compreensão com a identidade... Para conseguirmos reconstituir toda a saudade Que ficou naquele passado guardada no peito. Uma reconstrução é obra árdua, é reconstrução... E depende, muito mais, do nosso profundo querer Que apenas e simplismente da necessidade. E principalmente da ajuda dos que nos dá a mão. Uma reconstrução dá ao edifícil nova vida, novo amor! É por isso que quando há fazemos com devoção Com parcerias, com ajudantes e com muita paixão Não há futuro que derrube o que se eriçou com ardor. Uma reconstrução é obra-prima. É alma, é graça... Pois nela há o que há de mais precioso no reconstrutor Há um pedaço do coração que queima em calor Por dar sopro ao que um dia perdeu-se pela caça. Uma reconstrução é o conjunto de verbos do carinho É um querer mais que estar sozinho, é uma vidraça que se quebrou, uma porta que no tempo se despedaça É uma nova vida, uma obra nova... Um novo ninho.

sábado, 4 de outubro de 2008

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Flogose LXXVIII

Parece que existem pessoas ou momentos com determinadas pessoas que servem para nos testar. São testes crueis, testes que parecem nos enfraquecer de tal modo que queremos desistir. Queremos deixar tudo pra tras e esquecer que aquilo existiu. Contudo, o que tem que ocorrer é o contrário, pois quando alguém diz que você não pode ou não consegue fazer alguma coisa, você tem que lutar e mostrar que ele está errado, porquê é assim que você mostra o seu valor como pessoa e como ser humano. E existirão muitas pessoas que dirão que você não pode, que não consegue durante sua vida, e nesta hora é que tem que arrumar forças e traduzir essa falta de crença em conquistas!

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Flogose LXXVII

Às vezes a vida é mais estranha que um sonho. E a única maneira de acordar é enfrentar as mentiras que estão escondidas na alma. E você só pode torcer para que nesses momentos de reflexões obscuras você não esteja só. (A.D.)

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Flogose LXXVI

Shekespeare disse:
" Amor não é amor que se altera quando encontra alteração ou uma marca rígida que aparece numa tempestade e nunca se abala. Amor não se transforma de hora em hora. Mas surge mesmo à beira da morte."
Lembrei-me de Olavo Bilac e uma poesia sua de extrema beleza. Contudo, o que me atriu na poesia não foram apenas as palavras belas e significativas, mas o amor profundo que parece atravessar as fronteiras. O amor, aparentemente, é assim! Ou melhor, o amor não abala e suporta as piores tempestades sejam elas quais forem.
A Alvorada do Amor por Olavo Bilac Um horror grande e mudo, um silêncio profundo No dia do Pecado amortalhava o mundo. E Adão, vendo fechar-se a porta do Éden, vendo Que Eva olhava o deserto e hesitava tremendo, Disse: "Chega-te a mim! entra no meu amor, E à minha carne entrega a tua carne em flor! Preme contra o meu peito o teu seio agitado, E aprende a amar o Amor, renovando o pecado! Abençôo o teu crime, acolho o teu desgosto, Bebo-te, de uma em uma, as lágrimas do rosto! Vê! tudo nos repele! a toda a criação Sacode o mesmo horror e a mesma indignação... A cólera de Deus torce as árvores, cresta Como um tufão de fogo o seio da floresta, Abre a terra em vulcões, encrespa a água dos rios; As estrelas estão cheias de calefrios; Ruge soturno o mar; turva-se hediondo o céu... Vamos! que importa Deus? Desata, como um véu, Sobre a tua nudez a cabeleira! Vamos! Arda em chamas o chão; rasguem-te a pele os ramos; Morda-te o corpo o sol; injuriem-te os ninhos; Surjam feras a uivar de todos os caminhos; E, vendo-te a sangrar das urzes através, Se emaranhem no chão as serpes aos teus pés... Que importa? o Amor, botão apenas entreaberto, Ilumina o degredo e perfuma o deserto! Amo-te! sou feliz! porque, do Éden perdido, Levo tudo, levando o teu corpo querido! Pode, em redor de ti, tudo se aniquilar: - Tudo renascerá cantando ao teu olhar, Tudo, mares e céus, árvores e montanhas, Porque a Vida perpétua arde em tuas entranhas! Rosas te brotarão da boca, se cantares! Rios te correrão dos olhos, se chorares! E se, em torno ao teu corpo encantador e nu, Tudo morrer, que importa? A Natureza és tu, Agora que és mulher, agora que pecaste! Ah! bendito o momento em que me revelaste O amor com o teu pecado, e a vida com o teu crime! Porque, livre de Deus, redimido e sublime, Homem fico, na terra, à luz dos olhos teus, - Terra, melhor que o céu! homem, maior que Deus!"
O ato de errar é humano! E quando existe amor, um amor profundo, o errar é irrelevante, pois é mais facilmente reconhecível e o errar se torna mais humano ainda. O que seria do amor se as pessoas não pudessem perdoar umas às outras? Um veleidade, creio.

terça-feira, 30 de setembro de 2008

Flogose LXXV

Haverão, num futuro próximo, pessoas que conseguirão gerir melhor o mundo. Pessoas que consertarão os erros que hoje cometemos. Espero poder assistir a ascensão dos seres humanos a um estágio humano de vida. Sei que haverão, pois estas pessoas já existem! Só ainda não estão preparadas para melhor o mundo, ainda... Eu realmente espero fazer parte disso! Do mundo humano. Pois assim como os pássaros, que dia após dia, com sol, chuva ou neve, cantam seu canto de doçura existem pessoas que lutam. Conheço algumas dessas pessoas que mudarão o mundo um dia!

Flogose LXXIV

Acabei de me lembrar de um livro que li, ou talvez apenas tenha começado, chamado Desventuras em Série. Lembro-me perfeitamente de como começava:
Se vocês se interessam por histórias com final feliz, é melhor ler algum outro livro. Vou avisando, porque este é um livro que não tem de jeito nenhum um final feliz, como também não tem de jeito nenhum um começo feliz, e em que os acontecimentos felizes no miolo da história são pouquíssimos. LEMONY SNICKET
Adoro este início, talvez por parecer bem mais verdadeiro que os contos de fada propriamente ditos. E realmente o livro tem muito pouco de coisas felizes. A estória desenrolá-se sobre cenários dos mais nefastos e impetuosos para com os três jovens Baudelaire, contudo a gênialidade com que eles lidam com os problemas é que é uma lição grandiosa. É por isso que gosto mais deste conto do que de muitos outros em que os começos são felizes e o desenrolar da estória favorece sempre o protagonista. Este livro mostrar claramente por que a união e o amor fazem a diferença. Um dia, quem sabe, eu conte uma estória, um conto que não tem também um começo feliz...

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Flogose LXXIII

Que tristeza é esta que aparece as vezes do nada? Que sentimento é este? Poderia até dizer que é fraqueza, mas não acredito nisso piamente. Sei que nesses dias me sinto assolado e de tal forma triste que não me sinto a vontade de fazer muita coisa. Ruim? Talvez! Já falei sobre esse vazio algumas vezes, contudo ele é sempre recorrente e é desconfortante não soltá-lo! É como uma prisão de si mesmo em seus próprios pensamentos. Sempre falta alguma coisa, ainda que não saibamos o que é! O espírito do vazio parece-me ter o dom de instalar-se facilmente nesses espaços e trazer-nos um tipo nada concreto de dor. Uma dor irracional, talvez. Entretanto é tristeza! Uma tristeza prolongada e silênciosa.

domingo, 28 de setembro de 2008

Flogose LXXII

Não parece-nos nada ou, quem sabe, nem um pouco saudável. Todavia quem tem essa companhia tem certeza de que, em algumas horas, é uma das melhores que se pode existir. Acede-se um cigarro (como os vários que acendo durante as noites) e a solidão não parece tão grande quanto seria sem ele. Sei que é um mau hábito, mas o que fazer? As noites quentes, frias ou solitárias são sempres as mesmas e é ele que me faz companhia a algum tempo. Quando há noites tristes e não há ninguém pra conversar, o cigarro ajuda a não se sentir tão sozinho, ainda que não recomende.

sábado, 27 de setembro de 2008

Flogose LXXI

Nossas necessidades são incríveis. A vunerabilidade das pessoas parece ser bem maior do que eu penso que seja. (Eu 1)- Hei, como vai? (Eu 2)- Vou bem! Sem outras palavras, a conversa terminaria nisso. Enquanto que a pessoa que pergunta também precisa ser, mas como é uma única não se sente confortável em falar para si mesmo coisa que supostamente sabe. As vezes só queremos ser ouvidos! É um gesto simples, embora signifique muito para quem fala, para quem chora, para quem sorri. Sentir-te reconfortado pelo afeto, pela disposição e interesse é algo impagável. Deveríamos ouvir mais, para isso, acredito, que temos duas orelha e não duas bocas.

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Flogose LXX

Não é apenas estar ali que faz o momento. Não é a presença que faz a hora, mas todo o desejo que se esconde por traz. O desejo forte e ardente de querer compartilhar o momento e a hora! Gostaria, às vezes, de ouvir um "oi" apenas. Ou ouvi-la suspirar. Deitar-me junto a sua cama novamente e durmirmos, ambos, como anjo, sem medos, sem dores e sem lamentações. Só gostaria de sentir mais uma vez aquele doce e carinhoso gesto de ser afagado nos cabelos, mais uma vez. De poder olha-la de perto e dizer o quanto sinto sua falta. Ou apenas vê-la sentada naquele sofá vendo as novelas que tanto gostava. Chorar no seu colo, enquanto ela me falava palavras carinhosas. Comer um de seus suculentos almoços. Esses foram bons momentos. Momentos que estarão em minha memória para sempre, mas eu gostaria de ter aproveitado mais. Gostaria de poder ter dito que a amava mais vezes e que a vida era boa demais quando estavamos juntos. Que não havia coração maior que o dela. Que sempre foi e será linda! Que seu sorriso modificava meu dia e me dava serenidade. Que suas broncas me faziam ir em frente e ser uma pessoa melhor. Hoje digo, apenas, que sinto sua falta e cada dia que passa sua lembrança só aumenta, mas não estou triste. Estou feliz por que sei que um dia nos reencontraremos novamente e poderei novamente sentir todo o amor que um dia me deu.

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Flogose LIX

Durmi tão docemente... E em sonho estive longe... Nos mais remotos lagos azuis do mundo, onde não havia terra só pensamentos! Não tardei a encontrar os sublimados recantos dos jardins suspensos da babilônia, onde pude sentir os libidinosos sentimentos exalados pela grama.... Meditei no Templo de Ártemis em Éfeso, sentindo meu corpo dispersar neutro, sem inferência do mundo, sem sentimentos, sem virtudes, sem obrigações, já quase sem corpo... No Mausoléu de Halicarnasso dediquei dias aos espíritos, ao meu próprio, e aos que já se encontravam n'outro plano ou n'outras parcelas do mundo.... Colosso de Rodes, óh Colosso, quão esplendoroso foi estar lá... Pude sentir-me mais perto dos Deuses, mais perto do liame entre alma e corpo, sentir-me vivo... Por fim, fui ao Farol de Alexandria, onde pude gritar tão alto que senti o vibrar dos pulmões... Gritar ao mundo, onde ninguém poderia ouvir-me... Onde tudo era eu, e eu fui tudo, por um momento....

terça-feira, 23 de setembro de 2008

Flogose LVIII

Lembrei-me recentemente desta estória que é, de modo simples, um extrado de como as pessoas devem agir e se comportar diantes de certas ocasiões. Certa vez, um sultão sonhou que havia perdido todos os dentes. Ele acordou assustado e mandou chamar um sábio para que interpretasse o sonho. - Que desgraça, Senhor! - exclamou o sábio - Cada dente caído representa a perda de um parente de Vossa Majestade! - Mas que insolente - gritou o sultão - Como se atreve a dizer tal coisa? Então, chamou os guardas e mandou que lhe dessem cem chicotadas. Mandou também que chamassem outro sábio para interpretar o mesmo sonho. O outro sábio disse: - Senhor, uma grande felicidade vos está reservada! O sonho indica que ireis viver mais que todos os vossos parentes! A fisionomia do sultão se iluminou, e ele mandou dar cem moedas de ouro ao sábio. Quando este saía do palácio, um cortesão perguntou ao sábio: - Como é possível? A interpretação que você fez foi a mesma do seu colega. No entanto, ele levou chicotadas, e você, moedas de ouro! - Lembre-se sempre - respondeu o sábio - tudo depende da maneira de dizer as coisas. E esse é um dos grandes desafios da Humanidade. É daí que vem a felicidade ou a desgraça, a paz ou a guerra. A verdade deve ser dita sempre, não resta a menor dúvida, mas a forma como ela é dita é que faz a diferença. A verdade deve imperar sempre, temos, contudo, que aprender a utilizá-la de forma a não machucar ninguém;

Flogose LVII

Essa é, com toda certeza, uma das melhores estórias que já li na minha vida. A verdade - Luís Fernando Verissímo. Uma donzela estava um dia sentada à beira de um riacho, deixando a água do riacho passar por entre os seus dedos muito brancos, quando sentiu o seu anel de diamante ser levado pelas águas. Temendo o castigo do pai, a donzela contou em casa que fora assaltada por um homem no bosque e que ele arrancara o anel de diamante do seu dedo e a deixara desfalecida sobre um canteiro de margaridas. O pai e os irmãos da donzela foram atrás do assaltante e encontraram um homem dormindo no bosque, e o mataram, mas não encontraram o anel de diamante. E a donzela disse: - Agora me lembro, não era um homem, mas dois. E o pai e os irmãos da donzela saíram atrás do segundo homem, e o encontraram, e o mataram, mas ele também não tinha o anel. E a donzela disse: - Então está com o terceiro! Pois se lembrara que havia um terceiro assaltante. E o pai e os irmãos da donzela saíram no encalço do terceiro assaltante, e o encontraram no bosque. Mas não o mataram, pois estavam fartos de sangue. E trouxeram o homem para a aldeia, e o revistaram, e encontraram no seu bolso o anel de diamante da donzela, para espanto dela. - Foi ele que assaltou a donzela, e arrancou o anel de seu dedo e a deixou desfalecida – gritaram os aldeões. – Matem-no! - Esperem! – gritou o homem, no momento em que passavam a corda da forca pelo seu pescoço. – Eu não roubei o anel. Foi ela que me deu! E apontou a donzela, diante do escândalo de todos. O homem contou que estava sentado à beira do riacho, pescando, quando a donzela se aproximou e pediu um beijo. Ele deu o beijo. Depois a donzela tirara a roupa e pedira que ele a possuísse, pois queria saber o que era o amor. Mas como ele era um homem honrado, ele resistira, e dissera que a donzela devia ter paciência, pois conheceria o amor do marido no seu leito de núpcias. Então a donzela lhe oferecera o anel, dizendo: “Já que meus encantos não o seduzem, este anel comprará o seu amor.” E ele sucumbira, pois era pobre, e a necessidade é o algoz da honra. Todos se viraram contra a donzela e gritaram: “Rameira! Impura! Diaba!” e exigiram seu sacrifício. E o próprio pai da donzela passou a forca para o seu pescoço. Antes de morrer, a donzela disse para o pescador: - A sua mentira era maior que a minha. Eles mataram pela minha mentira, e vão matar pela sua. Onde está, afinal, a verdade? O pescador deu de ombros e disse: - A verdade é que eu achei este anel na barriga de um peixe. Mas quem acreditaria nisso? O pessoal quer violência e sexo, não histórias de pescador. E não é a mais pura verdade que o sexo e a violência tem imperado com mais frequência que a verdade na vida contidiana. Os programas de tevê fazem questão de serem o mais sanguinários possíveis e a medida que é mais sanguinário mais audiência conquistam, ainda que a realidade não seja tão drástica assim, as vezes.

domingo, 21 de setembro de 2008

Flogose LVI

A paixão, tal como a arte, vive só para si: a arte para a arte, a proeza para a proeza, a coragem para a coragem, o amor para o amor, a embriaguês para a embriaguez, o prazer para o prazer. Quem disse que a vida é um sonho ? A vida é um jogo. "O Livro Secreto". Gabriele D'Annunzio. E a paixão os dados.

sábado, 20 de setembro de 2008

Flogose LV

Complementando, Nietzsche disse: A Igreja é a pedra colocada sobre a sepultura de um homem-deus, e procura, à viva força, impedi-lo de ressuscitar. E impede também as pessoas de serem melhores. A fé pode fazer as pessoas melhores, a igreja creio que não, pois acredito que quanto mais próximo se está destas entidades mais longe estão do verdadeiro Deus. Acrescento também que se um dia o Homem-Deus ressuscitar a igreja não servirá pra nada, por isso é que não possuem eles interesses nenhum que essa ressureição exista. O interesse, ao contrário, está nessa promessa de ressureição, pois aí está o dinheiro.

Flogose LIV

Deveria ser algo engraçado, caso não fosse tão funesto e ignóbil. Recentemente me deparei com uma situação totalmente nefasta duma igreja. E isso me lembrou, no mesmo momento, de Nietzsche. Nietzsche dizia que: "A Igreja é exactamente aquilo contra o qual Jesus pregou e contra aquilo pelo qual ensinou os discípulos a lutarem". O que ocorreu foi o ato mais sujo e "pecaminoso" que já vi. Mudava eu sem orientação os canais da minha pobre televisão aberta quando um canal religioso, na alta hora da noite, me chamou a atenção e como chamou. Um pastor, numa filmagem de dentro de uma igreja evangélica, vendia lâmpadas dizendo ele que elas traziam salvação (isso é um absurdo, mas enfim...). Muita gente comprou essa lâmpada. Uma senhora, já idosa, comprou uma destas lâmpadas e esta sua lâmpada estava com algum tipo de defeito, pois a mulher reclamou de a lâmpada não acender. Para resumir e melhorar a canalhice deste inescrupuloso homem, conto que ele falou para a mulher que a lâmpada defeitursa não acendeu por quê a fé desta idosa estava pouca. A mulher, provavelmente, está rezando até hoje para melhorar sua fé e ver sua lâmpada então acesa. Eu já não gostava destas entidades, hoje gosto menos ainda ou nada. E com certeza (eu que não sou tão religioso, como Nietzsche também não foi) sei que esta não é a Lição que Deus ou Jesus quis ensinar... Sei de uma coisa, Deus com certeza não está dentro destes lugares sujos e nefastos. Espero que as pessoas acordem o mais cedo possível desta ignorância em que vivem e começem a ter fé nelas mesmas e não nestas casas de mentira. Jesus, creio, se vivo, combateria essa corja de hipocrisia e canalhice.

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Flogose LIII

Não há prazer que dure se não for reanimado pela variedade. Públio Siro O que seria da nossa vida se ela fosse apenas uma rotina? Seria um algo sem prazer algum.

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Flogose LII

O que determina o comportamento das pessoas? Será pré-disposição genética? Influência do meio? A natureza da pessoa é realmente má? As pessoas nascem más e deixam de sê-lo na medida em que vão adquirindo personalidade e cultura, por influência ou por auto-conhecimento? Perguntas e mais perguntas... Seja por pré-disposição genética, embora eu não creia piamente nisso, seja pela natureza má dos seres humanos, as pessoas são controladas pela natureza instintivas, em dados momentos da vida... Agem normalmente visando sua proteção e ferem, sim ferem, os outros. E creio haver motivos, talvez não tão relevantes ao que é ferido, mas há. Eu creio que haja um tipo de necessidade em cada ato praticado por cada ser, seja um ato de defesa própria ou qualquer outra causa, por mais injusta que seja. A necessidade faz o momento, ainda que seja duvidoso o motivo pelo qual tal ser praticou determinado ato.

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Flogose LI

As coisas sempre se apresentam horríveis no momento exato (ou pouco depois) em que foram executadas... O ato aparenta ser mais cruel do que foi ou poderia ter sido, já que quem é afetado diretamente sente-se totalmente ferido e/ou traído. Em vezes queremos ver só o nosso lado do espelho e esquecemos que há reflexo. Que há um outro lado e que, mesmo havendo outro sorriso ou lágrima, a nossa é mais pesada. Dizem que há pessoas que nascem com determinada disposição para ser alguma coisa, mas não quero crer que isso é real. Creio, todavia, que há momentos e que tais momentos interferem nos atos dos seres humanos. Todos choram, mas poucos lembram das lágrimas alheias enquanto as suas descem.

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Flogose L

Por acaso existe um lado negro do lado negro? Caso exista o lado negro do lado negro seria este algo pior que o lado negro ou um lado menos pior que o lado negro? Se existir um lado negro do lado negro quero conhecê-lo, a título de informação. Esse negócio de pensar em paradoxos tem me ocorrido cada vez mais. Os paradoxos são fantásticos, embora não sejam algo com a qual devamos perdem tempo, e eu como tenho tempo de sobre no caixa, não perco, mas aproveitos tirando proveito dos pensamentos sem qualquer compromisso. Ainda encontro o paradoxo do paradoxo! E nesse mesmo dia talvez eu veja o peixe pescar a isca...

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Flogose XLIX

Sêneca disse certa vez que é preciso tomar cuidado com a tristeza, pois ela é viciante. E toda razão a ele assiste. Assim como acostuma-se com a alegria, acontece com a tristeza. Não por querer acostumar-se, pois parece algo abominável acomodar-se perante a tristeza, mas por acontecer simplesmente. Começa-se a gostar de ser triste, pois, de algum modo, aquilo de estar triste nos faz querer permanecer nesse estado ou não, mas permanecemos assim mesmo. Contudo, não digo que seja algo que se deva querer sempre. Não entendo bem o que vem a ser tristeza, ainda que sinta-lha presente agora, enquanto meus dedos percorrem incessantes inúmeras teclas desse febril plástico. Entretanto, consigo pensar bastante quando uma tristeza mórbida me acomete. E não é nada sobre morte ou sobre as deficiências do mundo, mas em tudo, ainda que em um prisma totalmente diferenciado. A tristeza é viciante! Meu eu triste gosta de se aproximar da natureza, desta quase invisível aos olhos humanos... Esta que cobre o mundo enquanto o dinheiro corre as agências bancárias dos continentes. Admirar o sol e sua escalada. A tristeza é um vício que me faz "bem"... Ouvindo: One hundred years - The Cure.

domingo, 14 de setembro de 2008

Flogose XLVIII

Sinto uma estranheza nos ambientes, para não falar em todos! Uma estranheza sutil, mas desconfortante. Como ondas macilentas de alguma coisa invisível e devastadora. Sinto-me como numa máquina de lavar, rodando e rodando. O mais estranho de tudo é aparentemente não existe um motivo nisso tudo, as coisas estão acontecendo e a gravidade esmagando como um pé a uma lata de cerveja velha e vazia. Neste exato momento eu sinto que poderia escrever sobre qualquer coisa, qualquer mesmo, mas contraditoriamente nada me vem à cabeça. Poderia plantar sentimentos e creio que não nasceriam nem daninhas ali ou cá, embora o momento fosse perfeito para o cultivo e crescimento de tais sentimentos. Estar-me-ia forjando um sentimento de bem-aventurança, neste exato momento, um crescer mais que crescer. Um estado de estar sem estar. Uma viagem para dentro dos glóbulos e nódulos dos meus instintos mais vorazes. Estou, talvez, para além da cúpula do nada. É isso. Ouços os tiques e taques de uns tiques nervosos que não tenho. Os cucos da aurora brilham no escuro, como se profanassem contra a escuridão numa batalha de insolventes. Uma contrastação de nada, vento e inspiração da falta de inspiração. De noite e quedas de arrebóis, num mar de chamas derretidas e neve ardente. O colapso dos sentimentos não nascidos. O transbordar de inflamações mentais. Uma noite seca e sem alma. O resto de um resto!

sábado, 13 de setembro de 2008

Flogose XLVII

Continuando a falar sobre "amor", lembrei-me de Michel Houellebecq e de sua obra As Partículas Elementares. É interessante a forma como ele assevera que os homens não sabem o que é o amor, ainda que eu já houvesse me convencido disso antes, quando, novo, meu pai dizia que o amor foi feito para as mulheres. As mulheres sabem amar, dizia, pois elas possuem o dom dívino de gerar frutos, os homens, continuava, são meros objetos do mundo. Ah! o texto: Os Homens não Sabem o que é o Amor De forma geral, os homens não sabem o que é amor, é um sentimento que lhes é totalmente estranho. Conhecem o desejo, o desejo sexual em estado bruto e a competição entre machos; e depois, muito mais tarde, já casados, chegam, chegavam antigamente, a sentir um certo reconhecimento pela companheira quando ela lhes tinha dado filhos, tinha mantido bem a casa e era boa cozinheira e boa amante - então chegavam a ter prazer por dormirem na mesma cama. Não era talvez o que as mulheres desejavam, talvez houvesse aí um mal-entendido, mas era um sentimento que podia ser muito forte - e mesmo quando eles sentiam uma excitação, aliás cada vez mais fraca, por esta ou aquela mulher, já não conseguiam literalmente viver sem a mulher e, se acontecia ela morrer, eles desatavam a beber e acabavam rapidamente, em geral uns meses bastavam. Os filhos, esses, representavam a transmissão de uma condição, de regras e de um património. Era evidentemente o que acontecia nas classes feudais, mas igualmente com os comerciantes, camponeses, artesãos, de forma geral com todos os grupos da sociedade. Hoje, nada disso existe. As pessoas são assalariadas, locatárias, não têm nada para deixar aos filhos. Não têm nada para lhes ensinar, nem sequer sabem o que eles poderão vir a fazer; as regras que conheceram não serão de todo aplicáveis a eles, porque eles viverão num mundo completamente diferente. Aceitar a ideologia da mudança permanente significa aceitar que a vida de um homem está reduzida estritamente à sua existência individual e que as gerações passadas e futuras não têm, aos seus olhos, nenhuma importância. É assim que nós vivemos, e ter um filho, hoje, para um homem, já não faz qualquer sentido. O caso das mulheres é diferente, porque elas continuam a sentir a necessidade de terem um ser que amem – o que não é, nem nunca foi, o caso dos homens. É um disparate acreditar que os homens também têm necessidade de acarinhar e de brincar com os filhos, de lhes fazer festinhas. Por mais que no-lo digam, é um disparate. Depois de nos termos divorciado e de o quadro familiar se ter desfeito, as relações com os filhos perdem o sentido. Um filho é uma armadilha que se fechou, é o inimigo que temos de continuar a manter e que vai acabar por nos enterrar. [...] Os homens não sabem amar e não houve ou haverá escola para ensinar-lhes isso. Por isso é que sinto uma admiração inexplicável por cada mulher deste nosso planeta. Por isso que sinto uma paixão por todas elas, por que só elas sabem amar! Eu gosto de apreciar este amor delas.

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Flogose XLVI

Soren Kierkegaard, in "O Banquete" (Discurso do Mancebo, sem experiência no amor) Nenhum Amor é Menos Ridículo que Outro! Temos, pois, que ao amor corresponde o amável, e que este é inexplicável. Concebe-se a coisa, mas dela não se pode dar razão; assim também é que de maneira incompreensível o amor se apodera da sua presa. Se, de tempos a tempos, os homens caíssem por terra e morressem subitamente, ou entrassem em convulsões violentas mas inexplicáveis, quem é que não sofreria a angústia? No entanto, é assim que o amor intervém na vida, com a diferença de que ninguém receia por isso, visto que os amantes encaram tal acontecimento como se esperassem a suprema felicidade. Ninguém receia por isso, toda a gente ri afinal, porque o trágico e o cómico estão em perpétua correspondência. Conversais hoje com um homem; parece-vos que ele se encontra em estado normal; mas amanhã ouvi-lo-eis falar uma linguagem metafórica, vê-lo-eis exprimir-se com gestos muito singulares: é sabido, está apaixonado. Se o amor tivesse por expressão equivalente «amar qualquer pessoa, a primeira que se encontra», compreender-se-ia a impossibilidade de apresentar melhor definição; mas já que a fórmula é muito diferente, «amar uma só pessoa, a única no mundo», parece que tal acto de diferenciação deve provir de motivos profundos. Sim, deve necessariamente implicar uma dialética de razões, e quem não as quisesse ouvir ou não as quisesse expor, ganharia mais em desculpar-se com a inoportuna extensão do discurso do que em alegar a falência total de explicações. Ora a verdade é que o amante não pode explicar nada, não sabe explicar nada. Viu centenas de mulheres; deixou talvez passar muitos anos sem experimentar o amor; e um dia, de repente, vê a sua mulher, a única, a Catarina. Isto é ridículo. Sim, é cómico que tão grande força que há-de transformar e embelezar a vida inteira - o amor - nem sequer seja como o grão de mostarda donde deverá surgir uma grande árvore, que seja menos do que isso, que, em última análise, se reduza a um quase nada. Sim, é cómico que do amor não se possa apresentar um só critério prévio, por exemplo a idade em que se produz tal fenômeno, que da escolha da única mulher no mundo não se possa dar a mínima razão, que se haja escrito que «Adão não elegeu Eva, porque não teve possibilidade de a distinguir entre as mulheres». Não será igualmente cómica a explicação apresentada pelos amantes? Ou melhor, essa explicação não servirá para acentuar ainda mais o aspecto cómico? Os amantes dizem que o amor os cega, e depois de dizerem isso é que tentam iluminar o fenómeno. Se um homem entrasse numa câmara escura para ir lá buscar um objecto qualquer, e se respondesse «não vale a pena, a coisa não tem importãncia», a quem lhe dissesse que procuraria melhor se levasse consigo uma luz, eu compreenderia muito bem a atitude desse homem. Mas se esse mesmo homem me chamasse à parte para em grande mistério me confiar que ia buscar uma coisa importantíssima, e que por isso mesmo tinha de a procurar às cegas - como poderia a minha pobre cabeça de mortal seguir a subtileza de tão desconcertante linguagem! Evidentemente que não lhe riria na cara, para não ofender; mas, assim que ele voltasse as costas, não poderia mais conter a vontade de rir. (...) Se me entrego à hilaridade, estou muito longe de querer ofender alguém. Desprezo, porém, esses loucos, persuadidos de que o amor deles está tão completamente justificado que podem de bom grado mofar dos outros amantes; pois, uma vez que o amor se furta a qualquer explicação, todos os amantes se tornam igualmente ridículos. [...] O texto não carece comentário, pois nenhum amor é menos ridículo que o outro. Mesmo assim todos nós, estes tolos, queremos encontrá-lo, pois, de algum modo, acreditamos que há nele a tal felicidade que procuramos desde o primeiro suspiro.

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Flogose XLV

Jeder Leser, wenn er hat einen starken Geist, liest sich in dem Buch, und amalgamates seine Gedanken mit denen der Autor. Goethe. Talvez, e apenas talvez, este tenha sido o motivo pelo qual os jovens se matavam quando liam "Os sofrimentos do jovem Werther". Eles sentiam as dores de Werther e como ele viviam seus desabores amorosos. O amor foi cruel com Werther e quanto mais amava, mais sabia que não devia amar. O sofrimento, dizem, é opcional. Eu não sei bem se isso é verdade e não quero crer que seja, pois o sofrer, cuja a dor arrasta o corpo e a mente, acaba com qualquer alma sã. E Werther conseguiu passar essa idéia.

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Flogose XLIV

Tudo o que não faz barulho merece grande cautela! Assim como, o que faz barulho demasiado.

terça-feira, 9 de setembro de 2008

Flogose XLIII

O céu pode esperar! O céu deveria ter esperado. Só deveria ter esperado. As vezes coisas acontecem sem que saibamos o porquê. E essas coisas, inexplicáveis, diga-se de passagem, não serão descubertar tão cedo ou talvez nunca serão descubertas, ainda que eu ache nunca uma palavra muito forte. Só sei que o céu poderia ter esperado um pouco mais! A chuva poderia ter esperado! As núvens poderiam ter esperado... Como sempre fazem!

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Flogose XLII

Não são as lágrimas, mas as coisas por trás delas que fazem a diferença! Hoje, enquanto o frio consome a noite, lembrei de algumas poucas lágrimas que cairam do céu. Aquelas lágrimas boas que lavam a face do mundo. Aquelas que devem ser lembradas e esquecidas para que a cada nova lágrima deixemos nos surpreender. As lágrimas do céu, as do mundo ou as das pessoas são lágrimas que exalam um sentimento... E eu as lembro. As guardo na memória para sempre esquecê-las, pois só assim me surpreendo com as novas.

sábado, 6 de setembro de 2008

Flogose XLI

Essa vida de gente grande é foda. Eu que só quero continuar a ser criança. Pois muitos amigos meus ainda são crianças. E sempre os quero acompanhar ao parque e comer algodão-doce, enquando descemos o escorregador ou brincamos no balanço... Não quero crescer, apenas não quero. Por quê crescer me trouxe insônia! E eu, diferente, talvez, de muitos outros, gosto de ser criança, de poder me sujar de lama e levar bronca da mamãe quando chego em casa... É pecado querer ficar deitado na cama, enquanto a minha mãe me cuida de uma enfermidade? De poder chorar sem motivo aparente. De poder ficar de castigo, por não ter feito algo corretamente? E digo que só e apenas só quando sou criança é que eu fico momentânea e idiotamente feliz! E esta é uma felicidade tão doce e simples que deixa tudo a sua volta lindo. Sabe quando você acorda com um aperto no peito? Eu acordei assim hoje, pois descobri que já tenho barba e insônia.

Flogose XL

Andava pela rua, inabitada, quando um som começou a soar pelo vento. Uma música. Um concerto. Desconcertantes os passos seguiram involuntáriamente a fim de encontrar aquilo que era um paraíso para os ouvidos. Quanto mais próximo da origem do som, mais deleitosa era a experiência... A música, que possuía um tom melancólico, vinha de um piano. Aquele instrumento! Aquele colosso de musicalidade e romântismo. Aquele vibrar de alma e coração... Houvera chuva, houvera sol... Houvera constelações e arco-íris, Auroras Boreais e Luas... Houvera vida e morte... Sempre houvera... Nada se comparava à brisa fina e tibiosa. À solidão. À beleza dos jardins de inverno. E principalmente a melodia que ressoava daquele instrumento dívino... Anos se passaram... Não era pastoril o clima que consumia a música, nem romântico... Era uma alma em claves de sol e claves de sol em sons refinados e magníficos. Era Mozart deitado sobre o vasto campo, que cercava-se de montanhas, uma neblina fina e fria, arvoredos e flores, olhando o céu e contemplanto as contelações enquanto em sua mente o réquiem era tocado no piano da sua alma... Enquanto encontrava, andando dentro de si, a perfeição dos sons.

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Flogose XXXIX

Um galante soprado pelas chamas frias do deserto da emoção e da paixão, jaz florecido entre os cálidos espinhos do vosso menosprezo e o veneno vosso de amargura. E com pesar a indignação corre os prados do desejo consumível, quando em noites quentes, o ser apaixonado chora lágrimas lúgubres sobre os botões que lhe cercam a vista e chora sem lágrimas a saudade de nunca lhe ter tocado, sutilmente, a face. Com que desejo o sol consome a escuridão na aurora? Este, talvez, é o mesmo desejo sentido pelo coração amante no ato de consumir-se no sentimento edificado em favor do ser amado à distância e à sombra sua... Não menos triste são os cantos de lamento e devoção entoados pelas vozes tristes e tristes versos de amor. Há uma realidade entre o desejo e o bem desejado, mas as vezes essa realidade não se comunica, e nem a seta passional consegue unir as pontas deste sentimento que deveria ter a forma circular... Consumir-se-ão os amantes às coisas amadas e assim, em separado ou não, os sentimentos tomarão seus cursos, seja noite, seja dia...

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Flogose XXXVIII

Como as coisas são estranhas, pensava o homem parado num ponto de onibus da rua Sete, enquanto sentia a garoa extremamente fria e dolorosa. É estranho como as coisas mudam e não se nota. Como as pessoas vão e vem, aparentemente, sem destino pela garoa e pela tempestade de frio que cobre as luzes alaranjadas dos postes sem fios. Os carros parados esperando as luzes vermelhas transformarem-se em verdes, pouco atentos às ocorrências no exterior do carro. No interior, contudo, o som selvagens do Muse eleva a ânsia de carregar o acelerador e sentir o pneu queimar a sorumbática e fria rua sete. Sete também foram os minutos que o homem pensou sobre todas estas estranhezas antes de o onibus aparecer. Como tudo o mais na rua sete, o homem estava desatento. Dirigiu-se ao ônibus, e por coincidência talvez ou não, foi no primeiro degraus do ônibus que o sétimo passo foi dado... O ônibus possuia os degrais de um ferro, que estavam sujos e lamacentos, assim como boa parte do ônibus... Soprou um vento forte e no mesmo intante ouviu o homem um trecho de "hysteria" e nesse momento de desatenção o homem tentou apoiar o pé para colocar o outro por sobre o sétimo passo e primeiro degrau. O sétimo passageiro, que pela fila indiana se via, havia corrido para embarcar. O homem, descuidade, escorregou e caiu do ônibus batento com a cabeça numa das pedras-base do ponto-de-ônibus, onde ao lado estava o sétimo passageiro. Conseguiu sussurar sete palavras e sete também foram as vezes que os olhos dele piscou. No sétimo minuto após o infeliz tombo o homem perdeu o vigor. Era o sétimo dia do mês, do sétimo ano, após o segundo milênio. Ouviu-se sete pessoas dizerem a palavras estranho. Não mais estranho é o fato de que o homem após sete dias voltava ao mesmo ponto-de-ônibus, às sete horas da noite e embarcava o ônibus número sete. E foi, precisamente, após sete minutos, de que havia entrado no ônibus, que um aneurisma lhe ceifou a vida, no sétimo banco...

terça-feira, 2 de setembro de 2008

Flogose XXXVII

Nada. O que é nada? A ausência de tudo? As vezes sinto esse nada e o nada preenche muito espaço e assim acaba por se tornar muito... E, outras vezes, esse nada é apenas nada. Quero entender o nada, mas o sentimento que compõe este nada não me deixa falar. As palavras apenas não diriam o que o nada representa dentro do contexto... Mas aí a chuva volta e o nada é apenas nada. Nada!

Flogose XXXVI

Sabe quando o céu tem aqueles insights que o clareiam todo de forma a proporcionar uma religião nova nas coisas comuns. É destes dias que vivo. São eles a quem espero e a eles que procuro incessantemente. Quando os encontro, e Deus sabe, as coisas fluem, pois aquele líquido lava qualquer mácula que possa existir em qualquer parte do exterior ou interior... Hoje foi um desses dias... Os insights estavam em todas as partes e embora a beleza estivesse além deles não havia necessidade de estagnar, pois tudo foi um conjunto que dava liberdade a cada beleza e as unia num só tom. Eu quis estar lá, mas as estrelas, que hoje não aparecem, infelizmente, já ocupam este espaço e o ocupam muito bem... A natureza que está acima é magnífica. É uma música que poucos apreciam. Talvez Bach soubesse bem o que esse céu tanto canta... Continuarei com o céu, lá sou livre quando cá me esqueço.

domingo, 31 de agosto de 2008

Flogose XXXV

A vida é tão frágil, as vezes, mas é nesse compasso que as coisas chovem, molham e regam as aventuras. Hoje no céu amanhã no fundo do mar e assim as coisas fluem, como se fossem uma torrente de água que desce calçada abaixo a procura do primeiro bureiro para se esconder... Toca no som Tunnel of Love, enquanto o pneu come a estrada e a estrada fria passa enquanto já esquecemos que nela estivemos. Tudo que há em volta é verde. Os vales, morros e montanhas, normalmente frias, dão um ar gracioso ao isolamento costumeiro destes paraísos terrenos. Como seria bom! Como seria bom andar na chuva sem se preocupar com a vida conturbada do ambiente urbano, sem lembrar que existem outras coisas além desta seiva que hidrata a mente e faz com que tudo seja tão mais ameno e fausto... Como seria bom...

sábado, 30 de agosto de 2008

Flogose XXXIV

Se vivessemos num lugar onde cada um fizesse o que bem entendesse, tudo seria da lei (Este seria o lugar pra onde eu com certeza me mudaria rapidamente) o mundo seria, talvez, caótico. Ou não! O silêncio que habita este receptáculo nas noites me embriaga de tal forma que poderia enamorar-me desta solidão povoada por anos e anos, sem que sentisse falta de uma palavra sequer. Contudo, se não existissem palavras, penso eu, talvez não existisse silêncio - ao menos o conceito não existiria - já que ninguém pensaria em ruidos. A noite é um lugar sobrio, as vezes, mas é um lugar onde as coisas parecem menos tediosas. A sombra faz isso! Contorna cada coisa de modo a dar à noite um sentido de beleza e de singularidade. Nestas noites é que as coisas que voam e rastejam fazem sentido, assim como os pensamentos ignóbeis que passam pelas cabeças menos privilegiadas da terra. Quando o silêncio está para a noite na mesma proporção que a noite está para o silêncio as coisas fluem, pois tudo parece encaixar-se, como peças de dois diferentes quebra-cabeças. Este é o lugar ou o tempo onde a lei encontra sua finalidade. Costumo pensar que a lei não é proibitiva, mas, ao contrário, é apenas orientativa, uma vez que direciona os serem a manterem determinadas condutas. Se tais condutas não forem seguidas a lei nada poderá fazer, embora exista a coerção estatal, pois o caráter punitivo da lei visa repreender as pessoas de cometerem infrações ou condutas anti-juridicas e não puni-las pelo cometimento de uma conduta anti-legal (é o que penso ao menos). A lei prevê determinada conduta para repreendê-la. A punição, contudo, é um meio social de forçar as pessoas a não tomarem certos caminhos. Agora se a finalidade da lei é orientar, em tese, e repreender as condutas sociais a punição realmente tem efeito? Depois que determinada conduta foi tomada o caráter da lei perde seu objeto? Realmente não sei qual a utilidade da lei, quando seu objetivo não é atingido e suas raizes não são mudadas de acordo com a degradação do meio social. É por isso que se existisse um lugar onde as pessoas pudessem fazer o que bem entendesse, tudo seria da lei. Por quê a Lei seria fazer e não deixar de fazer, que é a mensagem das leis contemporâneas. Aí volto a pensar no silêncio, neste que cobre a noite e dá a ela um ar ameno e apoteótico. Pois é no silêncio da noite que a lei encontra seu habitat, quando o ruído é pecaminoso e as palavras carrascos.

sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Flogose XXXIII

Conversando: — Olha, rapaz... A minha mulher é uma tremenda mentirosa. — A Gabriela? — surpreende-se o amigo — Então, o que aconteceu? Porque estás a dizer isso? — Ah, ontem não dormiu em casa e inventou que passou a noite com a irmã. — E não passou? — Claro que não! Quem passou a noite com a irmã dela fui eu!

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Flogose XXXII

Queria eu falar sobre a morte, mas me faltam as palavras certas para descrever com precisão o que me passa a mente. Por outro lado, minha mente está coberta de pensamentos, muitos dos quais não poderia decifrar neste momento. Gosto de pensar na morte temporal, ou seja, aquela que se deve ao uso total da matéria corporal até que os orgãos não funcionem mais e tudo esteja decrépito e preparado para deixar de funcionar. Aquela onde nossos células já viveram o tempo máximo e já não mais conseguem se recompor. Aquela morte, qual a das flores, que murcham ao passar do tempo. A por desgaste natural. A morte não "natural", matada ou acidental. É esta que me causa indignação. Ouço muita gente falar em destino, outras pessoas falarem em Deus, e isso é um tipo de rito ou forma de amenizar a situação. Entretanto, nada me é bastante. Não é, apenas não é. Pensar nessa separação é inevitável, todavia ninguém espera que esta separação se dê antes do prazo. Do tempo que nossos corpos naturalmente resistem à natureza. A vida, talvez, seja a preparação para a morte. Mas, ao contrário, a morte nunca preparará a vida. E quando pessoas partem sem estarem preparadas ou terem vivido o bastante isto causa indignação, muita indignação. Esse interromper prematuro da vida é... Ainda me faltam palavras, mas voltarei a isso. Aqui ou acolá.

Flogose XXXI

"O excesso de estudo provoca erro, confusão, melancolia, cólera e fastio" Pietro Aretino. Estudar hoje é mais uma arte que um dever social ou moral. O excesso de estudo, todavia, provoca uma vontade de se afastar dos estudos tanto pelo cançaso, quanto pelo melancolia, como é a vontade dos que lutam pela paz de acabar com todas as guerras. Que digam os pacifistas. Gostaria de estudar, as vezes, por dias e dias, mas, ao contrário disso, não consigo sequer ficar horas pregado nos livros. A verdade é que o excesso faz com que perdamos o entusiasmo, o mesmo entusiasmo que temos num parque de diversão com inumumeros brinquedos novos. A porção que é interessante no estudo está justamente no fato de existirem muitos campos a serem pesquisados e assimilados, assim, para quem gosta, é fácil não sentir-se sem vontade. Por fim, o excesso, em qualquer coisa, faz mal. Que o digo os cigarros, o alcool e o jogo!

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Flogose XXX

Era uma longa e pomposa noite. O marido e a esposa chegam em casa dirigem-se ao aposento e deitam-se na cama. O dia foi formidável. O varão fez tudo para agradar sua esposa. Foram ao melhor restaurante da cidade. Deu flores e dedicou uma romântica música à amada que os violinistas tocaram docemente enquanto o marido entregava uma jóia à mulher. Quando chegaram em seu aposento, ambos deitados na cama o marido começou: - Não farei amor contigo, antes saber tudo sobre você. - Não quer fazar amor? Querido, como não quer? - Sinto que temos muito o que conversar. Quero saber dos seus anseios, seus objetivos, seus projetos, enfim, quero que me conte sobre você. - Por quê isso? - Olha amor, sei que depois de muitos anos os casais tendem a esquecer as necessidades um do outro e não quero isso pra nós, por isso quero ouvir-te, como faziamos quando nos aventurávamos pelo mundo, lembra-se? - Amor, eu te amo e isso é o que basta. Quero que saiba que tudo o que tenho feito e que farei, desde que seja ao seu lado, é o que importa. - Bem, você precisa me falar. Eu quero estar sempre perto de você, quero sentir o que você sente. Quero ouvir o que você pensa, pois você é o que vale a pena na minha vida e sem você minha vida não seria nada. - Tudo bem, querido, já que deseja saber eu falarei. Eu sempre quis viajar o mundo. O primeiro ponto seria veneza, a cidade do amor. Quero escrever um livro e pintar quadros. - Continue, meu amor. - Velejar pelo pacífico. Escalar os alpes. Nadar nua no mar morto. Visitar a torre de pisa. Ah! eu quero tudo o que a vida pode proporcionar. - Amor, tantos anos juntos e você nunca me disse que tinha tudo isso em mente. - É, mas você nunca se importou em perguntar. - É verdade, o tempo vai passando e nós vamos perdendo o entusiasmo. As coisas parecem perder a vida, mas isso não acontecerá conosco. Amo-te, querida, e por isso farei tudo para que realize cada desejo seu. - Oh! meu amor, como eu te amo. Eu já sou muito feliz com tudo o que tenho, pois tenho você ao meu lado. - Mas isso não é suficiente. Quero que sua vida seja completa. Então abraçaram-se, beijaram-se e fizeram amor como nunca haviam feito antes. A noite passou sem que os amantes notassem. Era a segunda lua-de-mel. E o amor foi intenso, durando uma eternindade dentro das poucas horas. O marido, depois de fazer amor, sentou-se na cama e continuou a prosa. - Agradeço, a cada segundo, por ter você meu amor. Você é a mulher mais linda e fantástica que existe na terra. Eu não... Antes de a frase ser terminada ela acordou. O marido roncava intensamente. Então ela percebeu que a realidade havia voltado e era profusamente diferente da que gostaria que fosse. O sonho refletia o desejo de ser amada e lembrada como uma mulher com vontades e objetivos, mas isso ficou apenas no sonho.

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Flogose XXIX

Blaise Pascal disse: "Se o homem fosse feliz, sê-lo-ia tanto mais quanto menos divertido, como os Santos e Deus. - Sim; mas não sendo feliz pode animar-se pelo divertimento? - Não; porque vem doutro sítio e de fora; e assim é dependente e, portanto, sujeito a ser perturbado por mil acidentes que tornam as aflições inevitáveis. (...) A única coisa que nos consola das nossas misérias é o divertimento, e contudo é a maior das nossas misérias. Porque é isto que nos impede principalmente de pensar em nós, e que nos faz perder insensivelmente. Sem isso, estaríamos no tédio, e este tédio levava-nos a procurar um meio mais sólido de sair dele. Mas o divertimento distrai-nos e faz-nos chegar insensivelmente à morte." Isidore de Lautréamont disse: Os homens, tendo podido curar-se da morte, da miséria, da ignorância, lembraram-se, para se tornarem felizes, de não pensar nisso. Foi tudo quanto inventaram para se consolarem de tão poucos males. Consolação riquíssima. Não se dirige a curar o mal. Esconde-o por um pouco. Escondendo-o, faz com que se pense em curá-lo. Por uma legítima desordem da natureza do homem, não se acha que o tédio, que é o seu mal mais sensível, seja o seu maior bem. Pode contribuir mais do que qualquer outra coisa para lhe fazer procurar a sua cura. Eis tudo. O divertimento, que ele olha como o seu maior bem, é o seu ínfimo mal. Aproxima-o, mais do que todas as outras coisas, de procurar o remédio para os seus males. Um e outro são contraprova da miséria, da corrupção do homem, excepto da sua grandeza. O homem aborrece-se, procura aquela multidão de ocupações. Tem a ideia da felicidade que conquistou; felicidade que, encontrando em si, procura nas coisas exteriores. Contenta-se. Será o divertimento um mal tão nefasto assim? E será que o divertimento, embora nefasto, seja necessário para que os homens vivam? O divertimento, de certo modo, parece mesmo um mal que abranda males "maiores". Hoje, todavia, há uma gama de coisas que criam liame entre vícios e diversão e isso é o que torna o divertimento algo, não só por ser paliativo, interessante. Pois o divertimento vende. Divertimento é hoje um produto que abastece todas as regiões do mundo. O homem sempre arruma um meio de extravasar suas dores, mas será que é o divertimento um meio hábil de se conseguir extirpar dores da alma? Certamente não hei concordar com tal afirmativa, embora na atualidade o divertimento tenha essa propaganda. O divertimento continuará sendo, talvez, a nossa maior miséria, pois é nele que todas as outras misérias encontram guarida.

domingo, 24 de agosto de 2008

Flogose XXVIII

A fim de não quebrar o simplório regozijar noturno, aonde os passos marcam o solo, já enegrecido pela vermelhidão celeste, continuo das vossas as minhas ofuscadas palavras. E na imensidão do lusco-fusco, que brilha na imaginação, jovial e terna, sob o escárnio do alaranjamento que propaga pela retina e toca, em ondas macilentas, o pudor virginal, onde se escondem as valquírias, acompanhadas do fulgaz fugaz perdimento da consciência. Neste estágio é que o metabolismo léxico e literário urge forte e venturoso. É onde as falanges encontram o plástico. Onde sente-se a união cadavérica do sepulcro ao corpo mádido. É onde os laços tomam forma, e as formas tornam-se rimas ou edificações prosaicas. E para que tenhas tu perspectivas deste nobre soar da relva pura que, neste instante, se exalta e sublima com o tanger do vosso vento, ou sopro gélido e ardente, de beleza e música, sinto o suspiro deste cinzento e tibíoso céu, e lhe transfiro sob forma de intactáveis colóquios, tristes e solitários. No entanto, quanto mais profundo é o céu fumaça, nos seus recôncavos é possível sentir o tango tilintar nas transpirações naturais. Tango este que sabe tão bem as verdes folhas tristemente dançar. Soubera os enleios metafísicos, que a natureza é brilhante e supremamente cultuável. Suas abstrações caóticas precedem uma elaborada e magnífica adoração aos ritos que justapostos aos desejos infames dos olhos famintos por beleza rara e surrealista compõe uma sinfonia naturalística e embriagadora. Assim é o vento a nota mais aguda do acorde perfeito criado pelo lúbrico pirobetume, pelas pétalas escarlates e pelo lume venturoso. Queixosa a retina se perde e perde-se profusamente na inconstância da imaturidade das conjunturas naturais, pois quão mais natural é o desejo com maior eficácia ele sucumbe. Todavia o vento-ventania ainda sopra sob a verde árvore que a luz solar permeia, e o desejo de vê-lo balouçar e roçagar as saudosas células verdes que caídas e inertes se ficam no negrume solo, se esvai com a música produzida pela harmônica e variável tangência dos deuses mitológicos Éolo e Gaia. Estagnado está este corpo frente ao espetáculo, que não dura mais de um segundo, nem menos que um milênio. Os olhos enfermos prestigiam a cólera da natureza que insere na alma - dos que podem observar tais peculiaridades -, uma venturosa desventura de estranhas sensações. E o papel ainda, depois de horas a fio, bebe às letras, como se elas fossem o líquido dos deuses. E já nas descomposturas da união, o tempo se perde nos dedos, cuja sujeira da tinta e dormência do frio, não o fazem render-se. Exaurida a tinta sobram os pincéis e os dedos, que mecanicamente não suportam a dor de uma separação, e embora não possa descrever a singularidade das formas únicas e inigualáveis criadas pelos compassos harmoniosos d'uma dança universal, prefere permanecer a esquecer o episódio, como tantos sem esperança. Resta, tão só, o olente asfalto-"pista" que palco é para a valsa da chama transparente que a tudo, com seu gélido sopro, revive. Tão inevitável quanto a dor é o auspicioso pensamento da reclusão da beleza aos seus recantos recônditos. E lá é onde tudo que ausenta se transforma em angústia e ternura. Lá onde o distante é precioso e confortável, onde o retrato dos sorrisos se abastece de luz. Onde a beleza é olvidada. Restam ainda alguns poucos passos, humildes e tímidos, a serem dançados. O sussurrar do planeta, à essa altura, pode ser ouvido, se prestardes atenção. Alvorece. E o que foi trevas, silêncio e amenidade, se perdeu no primeiro feixe luminoso. É impossível não querer desprezar este descompassado adágio. Que de barulhos caóticos é digno dos mais nobres ruminantes, ou talvez nem deles. Nobre, quiçá, seja este diviso tempo entre o portento e o insuportável. Entretanto, o nobre não é apenas aquele qual faz nobreza, nem, contudo, é o belo aquele qual faz beleza, de modo que as conjecturas constroem e deformam, alinham e distorcem, e cabe aos olhos mais polidos enxergarem através das pedras. Assim como o outono regressará, a esperança adormecerá, mas com premente intenção de acordar-se forrada por flores a desabrochar e pétalas a cair. Como o outono, regressará também o vento boêmio. E preencherá de ósculo as faces desmemoriadas dos que se perderam estagnados quando esperavam lembrarem-se do motivo pela qual ainda permaneciam ali olhando pela janela da vida as folhas caírem, numa triste tarde, fria de inverno, sem que tivessem propósito verdadeiro de dali saírem. Juntamente com o café, saboreei o vento, como jamais fiz antes. Embriagado com o café e entorpecido com o mundo, traduzi meus arroubos à ti, como fazem as plantas na fotossíntese. Se o vento há de ser tão mágico, então que se faça valer a verdade imponente do universo sobre os seres, assim como nas mentes decapitadas pelo instinto vulgar, que sejam elas ensopadas pelas rispidezes das evoluções físico-naturais e que o universo seja paralelo para todos os que permanecem de olhos cegos à torpidez e que seja belo o luar enquanto não somos acometidos pelo infame sono. Já se fez tarde e tudo parece não passar de uma quimérica viagem ao centro da consciência ou da memória. Onde tudo é claro, depois escuro. Agora cinza depois laranja-vermelho. Assim será o resto do dia. Um frio cauteloso e confortante que ainda acolhe as mãos. E sob as influências pungentes e caudalosos pensamentos tudo quanto foi robusto agora é breve e sutil. E nas mãos restam apenas resquícios de tinta velha e enferrujada. Lágrimas azuis em páginas brancas e contíguas lembranças de letras já perdidas. E como se veneno fosse, as palavras entram na mente e dilaceram o fluxo neural. Há bloqueios e infinitudes de cores e imagens agora, não só o pudor transparente carregado pelo mar invisível que, com suas ondas, carrega as verdes folhas do negro asfalto. E ali em meios às flores dança o deus. Deus gentil e gracioso que com sua seta roda a terra sentado sobre as correntes invisíveis e desconcertantes do universo. Sinto-o suspirar a mim. Sinto-o debochar de minhas lamúrias e tibiosidade. O opíparo sentimento floresce e na alma desabrocha com apenas uma gota vermelha e tênue que, como filete, escorre na face. - Me trouxeste - óh detentor da seta passional -, à presença uma Valquíria? - Deves, em sua nefasta glória, qual carregava Lord byron em suas alças e Don Juan em tuas costas, subjugar meus préstimos e meus anseios, sob circunstâncias tão desvirtuadas? - Como me atrevo a conjugar uma palavra à este ser, que qual às estrelas brilha intensamente e qual ao oceano é profundo e singelo e qual um anjo é cruelmente belo? Como? -Tanto aproximas e tanto foges. Quanta inconstância me abate, me afaga e me afoga. Sou assolado pelas insípidas auroras solitárias e consolado pelas brumadas encostas da mente esquecida na janela vazia que dá para rua fria e ignóbil do sertão dos pensamentos. E nela ainda posso sentir o vento boêmio. Sempre haveríeis o que dizer após lançarmos correspondências. Contudo, não há mais tempo, tampouco pensamento para terminar este discurso ineloqüente e conspurcado pelas menos belas interações léxicas. Resta o vento e a ventura. O café e o vinho. As palavras e a leitura. No fim, apenas nós e os pensamentos em palavras. E outra vez o vento... Gélido vento. E eu o peço: - Oh! Vento prazeroso e gentil carregue em teu colo meus sussurros de gratidão. Leve contigo minhas cantigas de solidão a esta dama que tanto ouve e tanto colhe de meus pensamentos. - Diga-lha, oh! Vento, que o dia finda, mas a noite, calma e serena, já apresenta sua face para dar-me as mãos e comigo acompanhar todo o erudito som emitido pelo silêncio desta pseudo-celulose. E quanto às mãos elas trabalham incansavelmente na confecção de pensamentos, palavras, conexões, junções e verbos, no entanto, ainda não produziram flores olentes, quais possam ser lidas. Criaram elas flores olentes crescidas na sombra, cuja beleza ainda não é própria para a luz. Porém, flores frutíferas... que germinam e fornecem pólen às outras flores. Regá-las-ei com sofreguidão e desvelo, certo de que logo estarão prontas para observação. E neste interstício de espaços e caracteres os pensamentos voam e voam junto com as palavras que agora lhe ofereço, em algumas páginas, que logo, em breve, serão perdidas no mundo. E assim como todo o resto, voou junto minhas horas, que já passam de muitas, e ainda não tenho pretensão findar o trabalho, entretanto, acredito que seja esta a hora exata para me desvencilhar deste escrito, sob pena de cometer um erro insanável. O erro de começar outro capitulo dentro deste. Enfim... É hora de um ponto final.

sábado, 23 de agosto de 2008

Flogose XXVII

Antes de mais nada apresento o "Infinito dentro de mim", cuja elaboração ainda não está terminada. Infinito dentro de mim. Parte 1: Confusão Encabruado sentimento, qual razão inodora de sentir. Constante inconstância de leves brisas e andanças. Vendaval cósmico, sensações insensatas de lembranças. Perdição por ódio que se permite sem querer permitir. Constelações de saudade e lagos de solidão. Tristezas de alegrias, paradoxos de alegorias. Lágrimas fantasmas de falsas olarias. Concretas imagens de abstrações na funda imensidão. Negrume abismal se forma neste canto terno, sob forma de luzes e cores, num espaço sem fim. Teatros em chamas, quais queimam no inferno. Coquetel místico ofertado por um serafim, Tudo não passa de um dia longo de inverno. Tudo não passa de um infinito dentro de mim. Infinito dentro de mim. Parte 2: Castigo. Enquanto durável é este breu que consome, Tudo é pálido no indecifrável código de dor. Corredores vermelhos, azuis e verdes sem cor, Sentimentos famintos numa mente sem fome. Dilacerado pelos martírios do olente fervor, Qual derreteu as saudosas cirandas juvenis; Disse ciclorama – nos palácios flores anis –, - Alma inumerável se abastece no livor. Ao ouvinte lobrigável: Das palavras bebeu? Sentiste da fúria incendiaria? Pobre arlequim. Dizia-lhe o castigo, que devidamente recebeu. Lancinante dor – pelo o castigo – recebe, enfim. E toma-te de juízo, saboreia da dor que escolheu, Pois este é seu glorioso infinito dentro de mim. Infinito dentro de mim. Parte 3: Cólera. Ferido – o arlequim – subjugava a dolência. Chovia daqueles olhos lágrimas escarlates, Cuja alma dominava a dor, nos embates, Mas não a cólera da ruinosa permanência. Fugiu e no caminho lindeiro da ira e torpor, Sentira a mágoa, no sentimento de perdição, Embora dormente estivesse ao caos-solidão, Embora continuasse vivo seu lívido ardor. Atirou-se – o arlequim – sobre o érebo seu. Não lhe havia Arcádia – pensou ad amusim, Soçobrado o pilar, qual ruiu e frágil cedeu, À toda sua maldição abastecida de mordexim, Cuja obra – aos berros delirantes – se rendeu, Aos insanáveis danos do infinito dentro de mim. Infinito dentro de mim. Parte 4: Conformação. Espalhou-se, por sobre a sina, um nítido rancor. Houvera quimeras de vivência em liberdade, Soubera sentir, oportunamente, alguma saudade, Das porções de sentimentos que lhe teve valor. Verdes pastos por onde – o arlequim – andou, Serviu de bolsa para o suco de suas perversidades. Pois, quão mais nefastas tornaram as habilidades, Mais nefastas eram as barbaridades que causou. Lutou contra – este impiedoso ser – a solidão. Derrotado foi onde a força encontrou o jasmim, Porquanto, tinha medo absurdo em seu coração, De perder-se enterrado num belíssimo jardim, Onde se cultiva deslembranças, perdas e ilusão, Onde não teria seu secreto infinito dentro de mim. Infinito dentro de mim. Parte 5: Curare. Eis – disse o pierrot – que surge a temeridade! Naquela alma sem vício, coberta pela solidão, O agreste compadecer germinou a retratação, Representante – dizia o biltre – da mediocridade. Dava-se por conformado, gerindo a alma à dor. Condenou-se – sorria o pierrot – à infelicidade, Concebida nos campos estéreis da maldade, Consumida – lembrou o superego – no pavor. Satisfeito por ter-se dado ao curare paliativo, Cuja formula ofereceu-lhe ares de benjamim, Requestou sua própria – num furor esquivo, Solidão, que lho desejou num clamor sem fim! Curando-o e conformando-o, num viver altivo, Cujo veneno nasceu do infinito dentro de mim. Infinito dentro de mim. Parte 6: Contentamento. Sobreveio o sorriso pouco sincero à boca. Nos olhos uma funda percepção de alegria, Como se um beijo aquecedor em noite fria, Como se um grito alto e forte na voz roca. Proeminente, na face alheia, boa-venturança, Carregada nas costas do castigado moribundo, Atributo – arlequim indiferente – dum mundo, Atributo – arlequim prudente – duma matança. Cadentes passos na solidão sustentavam a mente, Castrando-a do pudor caquético, efêmero e ruim. Constâncias na escuridão tornaram-na presente, No caminho conducente ao sublimável varandim, Vista aos lagos do rir e aos morros do contente, Onde – perdida – achou o infinito dentro de mim. Não há muito o que ser dito, pois o infinito dentro de mim fala por si. De qualquer forma outro momento surgirá para que eu deixe as palavras falarem o que é ou pode ser o infinito dentro de mim. Hora que não é essa!

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Flogose XXVI

Já se passa da quinta hora da madrugada e o meu refúgio celeste já vai perdendo sua negra beleza. E eu – esquecido do mundo – continuo aqui perdido sobre os papéis, pensando em como posso – querendo não incitar a ira dos deuses – mandar-te beijos, sem que estes sejam identificados. O silêncio. O vento é loquaz, já o silêncio é um túmulo. Os beijos lhe vão pelo silêncio, para que nem vós saibais deles antes que eles lhe toquem a face. Estes ósculos lhes vão silentes, contudo, carregado do mais apropriado enrubescer e do menos tímido sussurrar de boa noite aos ouvidos. Segundo duo do bíduo. Acordei. O primeiro pensamento, logo após isso, que me veio à mente – impressionante – foi de Salvador Dali. Lembrei-me de uma tela dele. Uma tela de onde saía o sol de dentro de um ovo. O sol é a gema do ovo ou, talvez, a gema fosse o sol. O surrealismo descreve bem o alvorecer. E tão bem descreve que consegue transmitir o sentimento percebido no interior do cérebro quando os raios solares tocam o globo ocular e secam as lágrimas nos olhos. Em tal sentimento a contradição se instala, uma vez que o sol não é bem-vindo. Desejo de ver o sol enegrecido é igual ao desejo de ver a luz solar convertida em minúsculas partículas que geram auroras boreais e austrais, assim os olhos tanto fecham quanto abrem para perder e assistir os eventos recorrentes. Nada mais domina o cenário, que agora é incendiado pelas luzes amarelo-alaranjado. Nem o véu de outrora se apresentara. Aquele véu fosco e catalisador de invenções, das mais às menos notáveis. Tamanha falta me faz aquele tempo, tempo de inspirações e navegações imprecisas. Tempo de infinito. E, então, inerte está apenas o cabotino, cujas pilhérias não fazem, nem a si, rir. E a folha verde ou branca que cai da mente sob forma de caducas palavras, são deslembradas, como as piadas, que, ainda que tenham sido ouvida, ninguém, absolutamente ninguém, converte este fato para memória de longo prazo. Esse sentimento causa uma reação assemelhada a hematidrose, contudo nas páginas. Elas se sangram e o sangramento corrói o produtor, às vezes, o leitor. É como viver em meio a uma súcia, sendo um ser de conduta ilibada e índole imaculada. Contudo, ainda restam os olhos e o vento. Vento este que tem sido o mais nobre, juntamente com o silêncio, dos amigos e mensageiro. Esbanjar destes deuses seria abuso. Contudo, sê-los-ei pelos favores que me prestam agradecido, por toda a vida.

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Flogose XXV

Num bíduo de Agosto. Primeiro duo do bíduo. É difícil começar uma coisa já antes começada. A mesma dificuldade é encontrada em terminar algo infinito. Razões existem para que tentemos começar ou terminar algo, respectivamente, começado ou sem fim (infinito)! Existem maneiras, embora com efeitos diversos, para que queiramos propor algo totalmente inovador, sem que um costumeiro desanimo nos abata. Contumaz é o desejo, encantador, de querer descobrir coisas, da qual é melhor que não saibamos. Algo começado – com referência ao dito acima – se propõe a uma restrição em repetir um começo idêntico ao que teve outrora, tendo em vista que a teoria do caos – isso hipoteticamente – falaria que teríamos um começo paralelo e não um re-começo igual – que seria ideal ao caso –, mas um totalmente diferente, tendo em vistas as novas conjunturas que englobam o fato. Assim “descobrir” este sentimento, que pelo sol é consumido e pela lua é arrebatado, far-nos-ía perdidos e logo retidos numa melancolia por ter descoberto algo que não precisaríamos desvendar, pois é mais belo acobertado. É por isso que o beijo é mais bem sentido com os olhos fechados. Tenho pra mim que, ao invés de desabrochá-lo, devamos deixá-lo (o beijo) escondido sobre o manto de nossas curiosidades, pois só assim ele se transfigurará em muitos outros e nos dará tanto a pensar, quanto a imaginar sobre sua essência aforme. Não hei de dar nome a este sentimento, pois quero que ele se converta em tantos quantos forem possíveis e úteis ao bom desenvolvimento desta inebriante e valvulada comunhão de sensações e delírios. Como as flores que nascem nas profundezas, numa condição adversa, num ambiente escuro, lamacento e aforme, tão inadequada e oposto à sua futura forma é este sentimento, cuja efígie é mais bela que o solo onde nasceu, cujo imo é mais puro que leito que o alimentou. É tudo um campo pastoril e vasto. Quanta boêmia contém os versos e as prosas que alhures são recitadas, mas ainda podem ser ouvidas na aurora campestre. Ostentar-lhe-ei, com meus olhos, o que posso ver no “infinito dentro de mim”. Ofertar-lhe-ei minhas falanges para que presencie o pomposo sentimento que me castigou – e não se trata de eufemismo, antítese ou hipérbole – quando da composição destes nefastos poemas. Na leitura – que vossos belos olhos conduzirão com magnificente e notória sapiência – sentirá o desencadear das enfermidades causadas pela queimante lava do vulcão, cuja erupção durou mais que muitos anos. O infinito está decrépito. O infinito dentro de mim é um conjugar de verbos no pretérito mais-que-perfeito, pela própria imperfeição. Ao final terás conhecimento da Confusão, do Castigo, da Cólera e da Conformação. É o infinito, um bater de asas num lugar da qual o espaço está completo por vácuo. E o tempo – nesta complexidade metafórica – é um ser que, aos gritos, tenta chamar um cego-surdo à atenção. Crônico é o padecer das idéias, como que o ciclo do padecer ou esvair humano. Porém um respirar noturno já desencadeia uma amenidade na alma. E este colapso, que só não é perceptível aos que preferem olhar para o chão, enquanto outros lhe pisam as costas, não aparenta ser tão funesto. Enquanto isso, a sacada do meu quarto é utilizada como janela para o mundo. As cambiantes [qual vejo no céu de nuvens, trovões e raios] de cinza são tão magnífica quanto as cores do arco-íris. Como que numa orquestra assaz sincronizada vejo o sol apagar-se e – numa fração milionésima de milésimos - deixar a fumaça cinza no céu com vários matizes. Antes disso há uma beleza miraculosa na fusão de cores emitidas pelo sol, céu, nuvens, raios e trovões. O alaranjado emitido pelo sol suga as cores do azul celeste – que já antes estava unida ao cinza chuva – e do argênteo produzido pelos trovões, que se ficam escondidos. E neste conluio de cores todas são muitas e ao mesmo tempo apenas uma, cuja identificação é imprópria para um cérebro, da qual as sinapses trabalham incansavelmente a mando da dopamina. Entretanto o espetáculo chega a lacrimejar os olhos de tão belo. E foi justamente neste memorável dia que me senti como Gato de Schrödinger. [Gato de Schrödinger é uma experiência mental inventada que procura ilustrar a teoria da mecânica quântica do sistema macroscópico ao subatômico. O gato é colocado numa caixa selada. Então, no interior da caixa, existe um dispositivo que contém um núcleo radioativo e um frasco de gás venenoso. Quando o núcleo decai, emite uma partícula que aciona o dispositivo, que parte o frasco e mata o gato. De acordo com a mecânica quântica, o núcleo é descrito como uma mistura de "núcleo decaído" e de "núcleo não decaído". No entanto, quando a caixa é aberta o experimentador vê só um "gato morto/núcleo decaído" ou um "núcleo não decaído/gato vivo". Contudo, como o núcleo é descrito como uma mistura de "núcleo decaído" e de "núcleo não decaído” – para física quântica – o estado do gato só poderá ser descoberto caso o observador olhe a caixa, do contrário o gato estará morto e vivo, porque o núcleo – na física quântica – será tanto decaído, quanto não decaído.]. Sei que a física quântica é complexa, contudo, isso explica a sensação das pessoas de compartilharem de dois sentimentos – inconcebíveis – ao mesmo tempo. Quando me perdi dentro das nuances, naquele céu confuso e impoluto, senti-me absorto numa abstração feérica, da qual juraria que não estive apenas no meu corpo naquele instante, mas sim perdido no universo inteiro. Assim eu seria aquele singelo gato que tem o núcleo decaído – está no céu – quanto não decaído – está na terra. Essa estranha ou gloriosa dispersão melancólica é uma droga paliativa para meus delírios, constantes e perenes, e para minhas divagações irreais. Atribuir ao céu esta viagem quimérica seria ingenuidade. No entanto, sei que a epinefrina me ajuda a sentir todos estes enleios do mundo físico e sensorial, como sentem as flores com o orvalho matutino ou os hematófagos quando sugam sangue. Sê-la-ia injusto se não comentasse sobre o preexcelso contemplar da lua em que me pus. Instintivamente fui atraído a olhar para ela. A lua tinha uma coloração prata amarelada e aparentava estar sendo puxada para perto da terra a cada TIC e a cada TAC. O diâmetro da lua grande fora maior que a metade do diâmetro da lua menor. Quão lindo foi poder admirar o romance da lua e da terra. Senti que a lua conseguiu sussurrar algo para a terra, e logo após, envergonhada, retornou ao seu posto. O brilho lunar tinha uma cor champanhe e uma cativante lembrança de faustosidade.